Nenhuma região do mundo está imune aos impactos negativos das alterações climáticas, tanto os diretos quanto os indiretos. Os países da América Latina e do Caribe estão entre os mais impactados. O Instituto para a Economia e a Paz (IEP) prevê que 1,2 bilhão de pessoas poderão ser deslocadas globalmente até 2050 devido às alterações climáticas e às catástrofes naturais. Nos países da América Latina, estes deslocamentos provocados por mudanças climáticas podem afetar 17 milhões de pessoas, exercendo forte pressão sobre a migração, o abastecimento de alimentos e a habitação. Mais de 1 milhão de pessoas na América Latina e no Caribe foram deslocadas internamente em 2021 devido a catástrofes que foram agravadas pelas alterações climáticas, de acordo dados de censo publicado em 2021. No Brasil, mais de meio milhão de pessoas precisaram migrar internamente por consequência de desastres relacionados ao clima.
Desde 27 de abril deste ano, estamos assistindo as imagens das inundações severas e deslizamento de terras que estão devastando o estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. Segundo dados da Defesa Civil, pelo menos 169 pessoas morreram e 56 estão desaparecidas, e os números continuam crescendo. No momento da publicação deste blog, quatro rios que totalizam cerca de 100 quilômetros (60 milhas) a oeste da capital Porto Alegre, ainda relatavam níveis crescentes após tempestades e deslizamentos de terra que deslocaram, até agora, mais de 2 milhões de pessoas e deixaram mais de 581.643 desabrigados em 469 das 497 cidades do estado.
O que é ser refugiado climático?
O conceito de refugiado climático não é novo e tem sido discutido desde 1985, quando o especialista do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Essam El-Hinnawi, definiu “refugiados climáticos” como: “aquelas pessoas que foram forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, devido a perturbações ambientais acentuadas (naturais e/ou desencadeadas pelas pessoas) que puseram em risco a sua existência e/ou afetaram gravemente a sua qualidade de vida”.
A migração climática está devastando a vida das pessoas. Imagine perder sua casa ou seu sustento devido a uma enchente. Passar fome por causa de uma colheita fracassada ou de uma seca. Ou ser forçado a fugir de casa devido à desertificação, ao aumento do nível do mar ou à falta de água potável. A tendência crescente é alarmantemente clara. Com as alterações climáticas como catalisadores impulsionadores, o número de refugiados climáticos continuará a aumentar.
O que é ser afetado por reassentamento involuntário?
Embora “refugiado climático” seja um termo relativamente novo, o conceito de “família impactada por reassentamento involuntário” existe desde os primórdios da civilização. Excluindo os deslocamentos forçados devido a conflitos geopolíticos, a aquisição de terras relacionadas a um projeto ou restrições ao uso da terra podem causar reassentamento físico, reassentamento económico, ou ambos. O reassentamento é considerado involuntário, de acordo com o Marco de Política Ambiental e Social (MPAS) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quando as pessoas afetadas pelo projeto não têm ou não são capazes de exercer o direito de recusar a aquisição de terras ou restrições ao uso da terra que resultem em reassentamento físico ou econômico. Na maioria das vezes, estes impactos estão vinculados a investimentos públicos e privados para desenvolvimento de infraestrutura, tais como projetos de construção de habitação, redes de água e saneamento, energia, transporte, equipamentos de educação e saúde, entre outros.

Riveras e Costas, uma história de duas famílias
Para entender melhor a diferença entre uma família reassentada involuntariamente por um projeto e uma família de refugiados climáticos, considere duas famílias: os Riveras, uma família tradicional de pescadores que vive ao longo do mesmo rio há muitas gerações e é forçada a se mudar devido a construção de uma usina hidrelétrica que irá transformar o rio em reservatório, e os Costas, que vivem no litoral e devem abandonar suas casas devido a uma enchente após um furacão.
Enquanto os Riveras, família reassentada involuntariamente, serão consultados pelos representantes do projeto de desenvolvimento sobre o plano de reassentamento, os Costas não terão essa oportunidade de serem escutados e perderão irreversivelmente suas casas, ao mesmo tempo que assistem comunidades e famílias serem destruídas. Famílias como os Riveras serão beneficiárias por medidas de compensação e atividades de restauração dos meios de subsistência para recompor e melhorar as suas condições de vida como parte do projeto de desenvolvimento. Pelo contrário, famílias como os Costas sofrerão uma súbita perda de suas vidas, casas e meios de subsistência, bem como a degradação de territórios, património cultural, identidade sociocultural, biodiversidade e serviços ecossistêmicos, sem receber qualquer aviso prévio ou apoio para sua reconstrução ou restauração.
Refugiados climáticos, sem proteção legal, apesar de graves perturbações e traumas
Tal como os Riveras, a maioria das famílias que são afetadas por projetos de reassentamento estão salvaguardadas por legislação federal e padrões de desempenho para reassentamento involuntário requeridos pelas políticas de organizações multilaterais, que estão comprometidas com a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Pelo contrário, embora os refugiados climáticos como os Costas sejam atualmente um tema recorrente nas negociações internacionais, até agora não foi acordado qualquer estatuto oficial ou proteção legal às famílias afetadas por eventos climáticos extremos e mudanças climáticas.
Tanto entre os Riveras como entre os Costas, os grupos mais impactados, e que devem abandonar as suas casas em qualquer uma destas situações, são as famílias em situação de vulnerabilidade social que geralmente são negativamente mais afetadas devido às suas condições socioculturais e econômicas.
Além destas comparações, as famílias de refugiados climáticos vivenciam perturbações e traumas mais intensos. Após a catástrofe climática, o processo de reconstrução, na maioria das vezes a partir do zero, também requer muita resiliência e resistência psicológica para atravessar o processo pós-trauma que pode levar décadas ou até mesmo gerações.

Necessidade de fortalecer a cooperação global para atender refugiados climáticos
A recorrência de eventos climáticos extremos é um apelo aos líderes mundiais para que reforcem a cooperação global no combate à migração induzida pelo clima. Enquanto a sexta Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente (UNEA), ocorrida no último mês de fevereiro deste ano, promoveu o diálogo e a cooperação entre países de todo o mundo, em busca de um compromisso e uma ação para enfrentar os refugiados climáticos, as organizações multilaterais estão desenvolvendo medidas transversais, holísticas e políticas socioambientais para mitigar os impactos das mudanças climáticas na migração e no deslocamento involuntário. Isto significa reconhecer que as mudanças climáticas não representam apenas uma ameaça ao causar danos imediatos às pessoas e à infraestrutura básica, mas também são um perigo no longo prazo que desencadeia perturbações sociais e econômicas. Diferentemente de uma família reassentada por um projeto como os Riveras, que receberá um novo lugar para viver, todas as futuras famílias de refugiados climáticos como os Costas, simplesmente não terão uma casa para onde voltar.
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