Embora as Áreas Protegidas Marinhas (AMPs) sejam um importante instrumento político para garantir a conservação da biodiversidade em áreas costeiras e marinhas e para ajudar os ecossistemas marinhos a se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas, elas devem ser consideradas apenas como uma das ferramentas dentro de uma política abrangente e um marco regulatório. Muitas instituições ambientais da América Latina e do Caribe (LAC) parecem considerar esse mecanismo como método infalivel para proteger a biodiversidade marinha; no entanto, as AMPs não são por si só a solução definitiva. Estudos científicos mostram que o estabelecimento de AMPs (total ou parcialmente restrito) aumenta a biomassa, abundância e o tamanho médio das espécies marinhas exploradas, dentro e fora de suas fronteiras[i]. Se bem projetadas, as AMPs também podem oferecer uma solução baseada na natureza para ajudar os ecossistemas e as pessoas a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas nos oceanos e áreas costeiras[ii]. No entanto, apesar dessas vantagens, há também deficiências para as AMPs derivados de suas limitações inerentes:
- Para começar, as MPAs não protegem contra outras pressões ambientais – como a poluição – o que torna outras medidas políticas uma necessidade para enfrentar essas questões[iii].
- Por outro lado, as regulamentações para atividades em alto mar são ruins ou inexistentes. Consequentemente, as MPAs oferecem proteção limitada às espécies migratórias, especialmente se elas não fazem parte de uma exaustiva rede AMPs projetada para proteger habitats essenciais[iv].
- Uma última desvantagem é que, dado que as MPAs são muitas vezes criadas por razões políticas, o custo-efetividade e impacto ambiental são limitados[v]. Este último é comum em várias AMPs na América Latina e no Caribe, estabelecidas com base em pressões políticas, informações biológicas incompletas e pesquisas limitadas. Como resultado, elas não alcançam seus objetivos de conservação[vi].
O financiamento da gestão de AMPs também é um grande desafio, o que pode resultar em “parques de papel” com medidas de proteção praticamente inexistentes no solo[vii]. Gill et al. (2017) descobriram que a capacidade de pessoal e orçamento são os preditos mais fortes do impacto na conservação. Eles concluíram que a expansão global contínua das AMPs, sem investimento adequado em capacidade humana e financeira, provavelmente levará a resultados de conservação abaixo do ideal. Estudos como o de Petit et al. (2018) cujos resultados nos levam a perguntar se é sustentável aumentar o número de AMPs quando há evidências de que o apoio existente para os atuais é insuficiente para atender aos requisitos mínimos para a implementação plena.
Todos esses resultados também são um contra-argumento contra aqueles que alegam que a ampliação dos limites de um AMP é a melhor solução para melhorar sua eficiência. Por exemplo, Kuempel et al (2017) demonstraram que os recursos devem ser investidos principalmente no monitoramento, controle e fiscalização das atividades – e não na expansão de AMPs[viii]. Os autores concluíram que, na maioria dos casos, investir simultaneamente em supervisão e expansão é a decisão ideal. No entanto, em MPAs com escassos recursos financeiros relativos à área que cobrem e, portanto, controle limitado, Kuempel et al (2017) propuseram uma solução contra-intuitiva: reduzir o tamanho de AMPs e/ou concentrar estrategicamente os esforços de aplicação da lei para produzir os maiores benefícios de conservação.
Muitas AMPs são criadas como mecanismos de comando e controle, sem uma compreensão clara dos impactos na linha de fundo tripla de seus acionistas. Essa falta de previsão pode levar a questões de economia política que possam comprometer a sobrevivência das AMPs. Assim, um sistema de governança que integre as vozes de todos os acionistas é primordial tanto para o funcionamento ideal quanto para a sustentabilidade intertemporal de qualquer Área Protegida Marinha[ix]. Pesquisas demonstram cada vez mais que o engajamento social é a chave para AMPs bem sucedidas[x]. De acordo com a Fox et al. (2011), é mais provável que uma AMP atinja suas metas de conservação quando há políticas que:
(i) Fomentar a participação das partes interessadas na concepção e modificação das regras que regem os recursos marinhos[xi];
(ii) promover direitos de auto-governança para os usuários de recursos[xii]; E
(iii) incentivar a liderança compartilhada das intervenções de gestão[xiii].
Além disso, mesmo quando as AMPs são bem desenhadas e supervisionadas, seus gestores geralmente carecem de autoridade sobre as atividades fora das fronteiras das AMPs e, portanto, não podem abordar suas externalidades negativas sobre os ecossistemas, especialmente em alto mar[xiv]. Por essa razão, também é recomendado que os processos de concepção e gestão das AMPs sejam enquadradas dentro de um mecanismo de Planejamento Espacial Marinho (PEM)[xv] que também considere a chamada abordagem de Gestão Baseada em Ecossistema (GBE)[xvi], como é recomendado no Quadro do Setor de Meio Ambiente e Biodiversidade do BID. O PEM tem como objetivo gerenciar a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas marinhos, por meio de um esquema de áreas definidas para atividades fixas. O PEM considera todas as necessidades futuras existentes e previsíveis para o ambiente marinho de forma holística. Além disso, o PEM busca abordar questões de governança fragmentada em ambientes marinhos e considera que a participação das partes interessadas é fundamental na concepção e implementação de AMPs[xvii]. O PEM também poderia ser fortalecido por meio de uma abordagem de GBE, com foco no gerenciamento das atividades humanas para garantir a conservação da biodiversidade e na manutenção da função ecossistêmica a longo prazo[xviii].
Em conclusão, as AMPs são cruciais para a proteção marinha, e seu estabelecimento tem rendido inegáveis benefícios biológicos e financeiros em todo o mundo. No entanto, as evidências mostram que as AMPs só são prósperas se forem promulgadas com base em evidências científicas e se envolverem seus acionistas nos processos de tomada de decisão. Também é vital reconhecer que as AMPs se beneficiariam mais se fossem parte de um quadro mais amplo, como o PEM, que engloba uma ampla gama de ferramentas de política marinha. Em outras palavras, as AMPs só serão bem sucedidas se forem consideradas como uma das muitas ferramentas possíveis de política marinha que podem ser estabelecidas (mesmo simultaneamente), e não como a panaceia final.
[i] Kerwath et al., 2013 ; Halpern, 2003; Lester et al., 2009; Halpern et al., 2009; Sciberras et al., 2013; Bucaram et al., 2018
[ii] Roberts et al., 2017; Wilson et al., 2020; Tittensor et al., 2019
[iii] Allison et al., 1998
[iv] Agardi et al., 2011; Ketchum et al., 2014; Klimley, 2015; Bucaram et al., 2018
[v] Klein et al., 2015; Weeks et al., 2009
[vi] Petit et al.2018, Recio-Blanco, 2015; Fraga, 2008; Guarderas et al., 2008
[vii] Kuempel et al. 2018; Petit et al.2018;Gill et al. 2017; Leverington et al. 2010; Watson et al., 2014
[viii] Christie, 2004
[ix] Mascia et al., 2010; McCay and Jones, 2011
[x] Rossiter and Levine, 2014
[xi] Pollnac et al., 2001; Christie et al., 2003
[xii] Cudney‐Bueno & Basurto, 2009
[xiii] Christie et al., 2003a; Gutierrez et al., 2011
[xiv] Hearn and Bucaram, 2017; Ketchum et al., 2014; Klimley, 2015
[xv] Agardy, T., Sciara, G. N., & Christie, P. (2011); Douvere, F., & Ehler, C. 2009; Douvere, F. 2008
[xvi] Cicin-Sain and Belfiore, 2006; Lausche et al., 2013; Recio-Blanco, 2015
[xvii] Smith et al., 2017; Douvere and Ehler, 2009; Chua, 1993; Shipman and Stojanovic, 2007
[xviii] Levin and Lubchenco, 2008; Palumbi et al., 2009; Ellis et al., 2011
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