O Brasil, assim como diversos países da América Latina e Caribe (ALC), historicamente enfrenta desafios de oferta e de qualidade da força de trabalho docente. Recentemente, o Ministério da Educação anunciou a formação de um grupo de trabalho em conjunto com o Conselho Nacional de Educação e com o INEP para propor políticas de melhoria da formação inicial de professores, o que indica a importância e prioridade da pauta em âmbito nacional e da colaboração entre as instituições.
Ao longo das últimas décadas, as políticas educacionais brasileiras visando o aumento da escolaridade da população e acesso de crianças e adolescentes à educação básica foram intensificadas e geraram resultados positivos.
Para se ter uma ideia da magnitude da cobertura da educação básica, em 1994, ou seja, cerca de 30 anos atrás, o percentual de crianças e adolescentes que frequentavam a escola era de 48% de 4 a 5 anos, 96,2% de 6 a 14 anos e 80,2% de 15 a 17 anos (INEP, 1996[1]). Atualmente, de acordo com o Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação[2], esses percentuais são 94,1%; 95,9%; e 95,3%, respectivamente, o que indica uma cobertura quase total da educação básica.
Como esperado, a expansão da oferta de ensino necessariamente veio acompanhada de uma expansão acelerada da oferta de professores e atualmente pedagogia é uma das carreiras mais populares no Brasil. A pesquisa “Quem estuda pedagogia na América Latina e no Caribe?: tendencias e desafios no perfil do futuro docente” revelou que o Brasil possui uma das maiores concentrações de matrículas em formação inicial docente (FID) por 100 mil habitantes, quando comparado a outros países da América Latina e Caribe (gráfico 1). Aproximadamente 1 a cada 5 estudantes de ensino superior no Brasil está em algum programa de FID (contra uma média de 12,4% da região e 8% na OCDE).
Formação docente cresceu, mas quem está sendo atraído para a carreira?
Em um primeiro momento, essa expansão pode ser vista como positiva, considerando a necessidade de aumento da quantidade de professores. Mas, essa expansão traz ao menos 2 desafios: qual a qualidade da FID e qual o perfil de estudantes que estamos atraindo para a carreira docente no Brasil?
Em termos de qualidade da oferta, de 2015 a 2020, a matrícula em programas de formação inicial docente em modalidade presencial caiu quase pela metade no Brasil, enquanto a matrícula em programas remotos praticamente dobrou (gráfico 2). Sabe-se que os programas de ensino a distância tendem a ter um custo associado menor do que os programas presenciais, mas, também há evidências de que sua qualidade tende a ser menor. Atualmente[3], 61% das matrículas de FID do Brasil são na modalidade remota. Além disso, a oferta remota desta formação é praticamente privada no Brasil: 89% das matrículas de FID à distância são em instituições privadas, o que reforça a necessidade de regulamentação.
É fato que os programas à distância oferecem inúmeras vantagens para os estudantes, especialmente em relação ao custo, flexibilidade de horas de estudo, possibilidade de conciliação com outras atividades profissionais e diferentes arranjos familiares, terem baixa ou praticamente nenhuma seletividade ou concorrência, entre outros benefícios. Contudo, é de suma importância refletir se as instituições de ensino são efetivamente capazes de formar bons professores.
Mais do que estarem expostos ao conhecimento sobre a prática pedagógica, formar professores passa pelo desenvolvimento de expertises adaptativas, habilidades metacognitivas, pela capacidade de conseguirem construir um ambiente de aprendizagens, com estudantes envolvidos e engajados. Isso nos faz refletir: é possível construir esses elementos com o atual formato de ensino remoto?
Quando o desafio é entender o perfil de estudantes que estamos atraindo para a carreira docente, vemos que no Brasil há uma dicotomia: sabemos que 1 a cada 5 estudantes de ensino superior está matriculado em FID, mas quando perguntamos aos concluintes do ensino médio qual carreira gostariam de seguir, em torno de 5% declara que gostaria de ser professor (gráfico 3)[4]. Por que isso ocorre?
Ser professor é vocação ou refúgio?
Sabemos que a escolha de carreira é uma decisão multifatorial, mas, no Brasil, a alta concentração de estudantes de nível superior em carreiras docentes associada à baixa seletividade (especialmente dos cursos remotos) e ao baixo rendimento desses estudantes (pedagogia e diversos cursos de licenciatura estão entre as menores pontuações no Enade, gráfico 4)) traz indícios do que chamamos de carreiras de refúgio: a FID é o ticket de entrada no ensino superior. Ingressar na carreira docente por vocação é uma realidade, mas grande parte dos estudantes escolhe a carreira pela facilidade de acesso ao ensino superior e essa facilidade é atrativa para estudantes de menor desempenho acadêmico ou que receberam menos oportunidades educacionais nas etapas anteriores de formação.
Os dois desafios – qualidade e perfil de estudantes – são cruciais. Mas, não são questões exclusivamente brasileiras. A ALC tem experiências regionais relevantes na busca de solução para esses problemas. No Chile, por exemplo, o credenciamento de professores é obrigatório, assim como ocorre com medicina, e para lecionar é necessário atingir uma pontuação mínima de desempenho, o que pressiona as instituições que ofertam FID a assegurar um padrão mínimo de qualidade.
Para atrair melhores alunos, países como Chile, Equador, Peru e Colômbia implantaram políticas de incentivo, com bolsas, créditos estudantis e campanhas de valorização profissional. Programas de indução profissional que dão apoio aos novos docentes, melhorias das condições de trabalho e de salário, incentivos para lecionar em escolas mais vulneráveis são fatores centrais em uma proposta de carreira docente mais moderna e, no Brasil, poucos estados e municípios contam com propostas mais inovadoras.
Alguns passos já estão sendo dados e o acompanhamento dessa agenda é central para a carreira docente no Brasil. Sabemos que os caminhos são diversos, mas algumas diretrizes vindas de pesquisas e experiências da ALC podem ser chaves nesta trajetória, como a maior regulamentação das carreiras (como sistema de credenciamento) e a maior seletividade para ingresso no FID (como notas mínimas de entrada e campanhas de comunicação para melhorar a avaliação do ensino).
[1] INEP (1996). Estatísticas da Educação Básica no Brasil. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/estatisticas_da_educacao_basica_no_brasil.pdf
[2] INEP (2020). Painel de Monitoramento do PNE. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/inep-data/painel-de-monitoramento-do-pne
[3] Com base no Censo da Educação Superior 2021 (INEP).
[4] Prova do PISA 2018
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