Os Marcos de Médio Prazo são instrumentos de planejamento que permitem que o governo integre de maneira efetiva sua estratégia de política fiscal aos orçamentos, considerando um horizonte intertemporal. Este instrumento é chave para promover uma política fiscal mais transparente e responsável, contribuindo para uma gestão sustentável das contas públicas. Eles se materializam em um documento publicado de forma transparente e atualizado anualmente, que contém previsões para as principais variáveis macroeconômicas e fiscais, considerando diferentes cenários, riscos, regras fiscais e as prioridades do governo.
Idealmente, devem ser adotados tanto a nível nacional como subnacional, para uma maior efetividade. Mas isso não é uma tarefa fácil, especialmente em países federativos, como o Brasil. Apesar das normas orçamentárias serem simétricas para todos os entes (federal, estadual/distrital e municipal), cada nível de governo tem a liberdade para promover suas próprias diretrizes específicas. Além disso, a maturidade da gestão orçamentária é muito diversa mesmo entre entes da mesma “hierarquia”, formando um panorama marcado pela heterogeneidade.
Com o objetivo de contribuir para a solução desse desafio, a equipe da Divisão de Gestão Fiscal do BID no Brasil promoveu em agosto de 2023 um encontro inovador entre autoridades do governo federal, governos estaduais (incluindo Secretarias de Planejamento e Secretarias de Fazenda) e representantes dos grupos nacionais de planejamento (CONSEPLAN), fazenda (COMSEFAZ) e gestão financeira (GEFIN), para discutir as perspectivas de adoção de Marcos Orçamentários de Médio Prazo em diferentes esferas de governo.
Uma das principais conclusões do evento é que há uma oportunidade de colaboração mais estreita entre o governo federal, estados e municípios para melhorar a aplicação destes instrumentos pois eles permitem que cada ente federado expanda seu horizonte de planejamento orçamentário para além do calendário anual, que muitas vezes não é suficiente para abarcar o panorama completo do gasto público, de forma que seja efetivamente conhecido e dimensionado.
Nos próximos parágrafos resumimos as três principais lições aprendidas para fortalecer a adoção deste instrumento entre os diferentes níveis de governo no Brasil.
1. Lições da América Latina para os governos locais: Desenhe o caminho a ser percorrido
Durante o evento, foram discutidas as experiências de diversos países da América Latina e do Brasil relacionadas à implementação pragmática do MMP, incluindo a perspectiva subnacional. Uma das principais lições é que os países devem desenhar e ter clareza sobre as etapas necessárias e o caminho para uma implementação efetiva.
A primeira etapa deve ser um diagnóstico amplo do processo de programação orçamentária – identificando as capacidades das organizações, como as responsabilidades estão distribuídas e as ferramentas técnicas e tecnológicas disponíveis. Além disso, é preciso distinguir a estratégia fiscal, em termos, por exemplo, de disciplina, sustentabilidade e alocação de recursos.
Este diagnóstico profundo é essencial para o desenho de uma proposta efetiva para cada contexto, que deve ser discutida cuidadosamente entre diferentes áreas de cada nível de governo. A implementação das reformas exige uma governança clara e o acompanhamento das necessidades de mudanças normativas, metodológicas, tecnológicas e organizacionais necessárias. Para a implementação, algumas das principais lições foram:
- Contar com liderança clara e participação ampla. O desenvolvimento de um Marco de Médio Prazo deve também ser aproveitado como uma oportunidade de cooperação e diálogo com os órgãos setoriais.
- Definir uma estratégia de comunicação apropriada, de acordo com os diferentes públicos (político, técnico, órgãos de controle, cidadãos).
- Buscar ao longo de todo o processo que o planejamento da política fiscal guie o orçamento, e que este seja efetivamente um meio para atingir os objetivos socioeconômicos mais amplos.
- Integrar a equipe de tecnologia à reforma desde o início, dada a importância das capacidades e ferramentas tecnológicas para a análise das políticas e agregação de dados.
- Estabelecer limites de gastos de médio prazo sólidos, tornando-os confiáveis, legítimos e exigíveis (com flexibilidade para imprevistos).
2. O governo federal deve atuar como vetor da mudança
O evento também discutiu a experiencia do Brasil relacionada ao processo de implementação do Orçamento de Médio Prazo (OMP) a nível federal. Uma das principais constatações é que os Marcos de Médio Prazo não podem ser concebidos de forma isolada. O OMP funciona em conjunto com uma série de outras reformas em prol da sustentabilidade fiscal que vem sendo desenhadas pelo governo federal, como a nova regra fiscal, revisão de gastos e a reforma tributária[1].
A experiência central ressalta o papel importante da promoção sistemática da transparência e prestação de contas aos cidadãos, além do esforço necessário para a sistematização das informações, especialmente com o avanço das revisões de gasto, e a possibilidade de efetiva retroalimentação das decisões orçamentárias.
A avaliação de necessidades de alterações legislativas, a definição dos processos de governança e coordenação, o desenho do arcabouço adaptado à realidade brasileira e a captação de informações de qualidade com os diferentes setores podem mostrar o caminho para os subnacionais para contruírem seus próprios marcos de médio prazo.
O papel do governo federal compartilhando o conhecimento e experiência adquiridas através da construção do arcabouço institucional do OMP da União e oferecendo capacitação pode tornar mais assertiva e eficiente a implementação pelos estados e municípios. A cooperação intergovernamental é necessária principalmente em países federalistas como o Brasil, onde os governos subnacionais têm um papel muito relevante nas responsabilidades de receita e gasto e na garantia da sustentabilidade fiscal do país.
A utilização dos documentos já existentes de planejamento fiscal e orçamentário nos três níveis de governo para a construção do Marco de Médio Prazo, como vêm sendo feito pelo governo federal, serve também de exemplo para que os governos subnacionais criem seu próprio arcabouço. Esta opção de criação, a partir dos instrumentos orçamentários existentes, permite uma transição mais ordenada e eficiente para a nova arquitetura orçamentária.
Por último, a articulação dos aspectos multisetoriais e de uma governança complexa ocorrida a nível central funciona como bom um precedente para facilitar a implementação a nível subnacional.
3. É preciso promover uma mudança de cultura orçamentária entre os governos subnacionais
Mesmo em estados com maior disponibilidade de recursos, a miopia orçamentária é uma questão a ser enfrentada, dificultando a implementação de projetos de longo prazo. Além das demandas urgentes de curto prazo, as equipes técnicas das secretarias de planejamento e fazenda muitas vezes estão sobrecarregadas para cumprir até mesmo determinações legais e atividades cotidianas. Nesse contexto, ter espaço e tempo para organizar e realizar projetos inovadores é um desafio.
Algumas unidades federativas no país têm caminhado para a consolidação do planejamento de médio prazo nos moldes de um Marco de Médio Prazo, mas ainda enfrentam consideráveis gargalos. Durante o evento, foram apresentadas as iniciativas em andamento nos estados de São Paulo e Espírito Santo como base para a discussão de experiências. Alguns dos principais desafios identificados são os seguintes:
- Particularidades do orçamento subnacional: apesar de contarem com os mesmos instrumentos formais de planejamento orçamentário e com um orçamento rígido assim como o governo federal, a prática é distinta, incluindo desafios de governança sobre receitas e despesas.
- Reformas inovadoras enfrentam desafios de mudança cultural e a necessidade de adaptar competências humanas e infraestrutura.
- A necessidade de cooperação e coordenação é imprescindível, tanto entre setores, para desenvolvimento do marco, quanto entre entes e estados, para compartilhar referências e boas práticas.
Conclusão: Marcos de Médio Prazo nos governos subnacionais
Para tirar proveito das lições aprendidas e alcançar um avanço mais tempestivo, é preciso buscar uma construção colaborativa entre setores, entes e unidades federativas. O interesse registrado pelas diferentes contrapartes durante o evento é um sinal positivo de que todos estão dispostos a progredir na busca por melhorias sólidas para as finanças públicas brasileiras através da implementação dos Marcos de Médio Prazo.
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[1] A Lei Complementar 200/2023, que institui o Novo Arcabouço Fiscal (Regime Fiscal Sustentável), altera o Art. 4º, § 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), e inclui que o Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias deve conter o Marco Fiscal de Médio Prazo, com projeções para os principais agregados fiscais que compõem o cenário de referência, distinguindo-se as despesas primárias das financeiras e as obrigatórias daquelas discricionárias.
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