Mulheres, pessoas LGBTQIAP+, afrodescendentes, pessoas com deficiência e pessoas idosas são grupos mais vulneráveis em espaços urbanos inseguros. Por isso, é importante que essas pessoas encontrem as condições necessárias para ocuparem os espaços públicos com tranquilidade, inclusive vendo agentes de segurança como aliados em sua proteção.
Para sensibilizar e capacitar agentes públicos de João Pessoa, na Paraíba, sobre os direitos dessas populações, o projeto João PessoaS – Cidade Inclusiva e Diversa promoveu um curso para guardas civis metropolitanos e membros de instituições públicas municipais. O objetivo é prevenir e combater a violência e as discriminações contra pessoas vulneráveis, tanto em espaços públicos urbanos como em ambientes institucionais. A primeira fase do curso foi realizada ao longo de 2022 e reuniu mais de 300 pessoas, que participaram de cinco encontros nos quais foram debatidos temas relacionados a gênero, masculinidades, pessoas com deficiência, raça e população LGBTQIAP+.
No que diz respeito à violência contra as mulheres, as pessoas participantes do curso puderam conhecer – ou rever – os dados sobre essa problemática na Paraíba. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apenas no primeiro semestre de 2020, mais de 3 mil casos de lesão corporal dolosa foram registrados no estado, sendo que 48,1% das vítimas eram do sexo feminino. Também houve 64 casos de estupro e estupro de vulnerável, dos quais 60,6% tiveram mulheres como vítimas. Apenas em João Pessoa, foram 27 estupros, 22 casos de assédio sexual e 11 de importunação sexual. No que tange ao feminicídio, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança e Defesa Social, 24 casos foram registrados na Paraíba em 2022, sendo 2 deles na capital.
A importância de conhecer dados como esses se traduz no trabalho diário de guardas civis metropolitanos que, além de atuar para evitar casos de violência, também são responsáveis por fazer respeitar medidas protetivas determinadas com base na Lei Maria da Penha.
No mesmo sentido, a realidade das pessoas LGBTQIAP+ no Brasil, considerado o país mais violento e letal para essa população, também fez parte da capacitação. Segundo dados publicados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2019, dez casos de homicídio doloso (intencional) foram registrados na Paraíba contra essa população. Em 2018, foram 13 homicídios. E deve-se considerar ainda a subnotificação presente em dados relativos à violência contra LGBTQIAP+.
A situação de outros grupos vulneráveis também fez parte dos aprendizados e das reflexões em dois momentos distintos a cada encontro. No primeiro, os assuntos foram discutidos sob a perspectiva da educação popular, segundo a qual todo ser humano é capaz de produzir conhecimento, o contexto de cada pessoa importa e a cultura, os conhecimentos populares, os valores e as habilidades individuais que todas as pessoas trazem consigo são respeitadas. Nesta primeira etapa, a participação e o envolvimento nos debates foram estimulados e serviram como uma espécie de ‘aquecimento’ para o momento seguinte, no qual cada orientador ou orientadora desenvolveu um tema específico do treinamento, apresentando a teoria e fazendo a ponte com a prática, sempre por meio do diálogo.
Interseccionalidade
Todo o processo de capacitação envolveu uma análise da interseccionalidade, para observar, estudar, compreender e responder ao fenômeno da desigualdade de gênero no cruzamento com outras identidades e desigualdades que potencializam práticas de opressão e privilégio. A interseccionalidade leva em conta fatores como classe social, gênero, raça e etnia, idade (infância, juventude, velhice), origem (forte heterogeneidade e desigualdade territoriais, zonas rurais e urbanas), deficiências, diversidade de orientação sexual e identidade de gênero.
Um ponto relevante do curso foi contar com afrodescendentes, pessoas com deficiência e um homem trans na equipe docente. Isso fez com que os assuntos trazidos pela teoria também fossem vivenciados na prática, contribuindo para a sensibilização. Além disso, muitas pessoas participantes que já tinham algum conhecimento sobre as temáticas apresentadas compartilharam suas perspectivas, enriquecendo a troca de ideias e experiências.
As discussões em sala de aula, com participantes presenciais e virtuais, foram complementadas com materiais de apoio como vídeos sobre os temas apresentados, roteiros para oficinas e peça de teatro de fantoches, destinados à equipe de teatro de fantoches da guarda metropolitana, e uma cartilha pedagógica completa apresentando uma síntese dos conceitos estudados.
Dando continuidade a esta primeira fase do projeto, 40 pessoas que obtiveram o certificado do curso realizado em 2022 irão aprofundar seus conhecimentos este ano para se tornarem multiplicadoras de saberes. Elas participarão de mais 40 horas de curso e, com isso, poderão participar de um projeto educativo de prevenção e enfrentamento a todas as formas de violência e discriminação nos serviços públicos municipais.
Participação de várias áreas oferece diferentes perspectivas
O João PessoaS foi idealizado levando em consideração a realidade empírica da capital paraibana, onde as mulheres compõem 54,1% da população, estimada em 809 mil habitantes em 2019 pelo IBGE; e 58% das pessoas se autodeclaram como pardas e 8,6% como pretas. Além disso, com base no Censo de 2010, 26% da população da capital apontaram algum tipo de deficiência (185.768 pessoas).
O projeto da Prefeitura é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mediante uma cooperação técnica administrada pela divisão de Habitação e Desenvolvimento Urbano. A execução é da Entre Nós Assessoria, Educação e Pesquisa (ENAEP), que ficou responsável pelo treinamento.
A iniciativa integra uma parceira que o BID mantém com o município paraibano desde 2018, por meio do Programa de Desenvolvimento Urbano Integrado e Sustentável “João Pessoa Sustentável”, que tem a perspectiva de gênero como um tema transversal.
Para acompanhamento e monitoramento do programa, a Prefeitura criou uma Comissão de Governança com integrantes de diversas secretarias, tendo a Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres (SEPPM) à frente, em estreita parceria com a Unidade de Execução do Programa Joao Pessoa Sustentável (UEP), a Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania (SEMUSB) e a Secretaria de Gestão Governamental e Articulação Política (SEGGOV), através da Coordenadoria de Promoção à Cidadania LGBT e Igualdade Racial, bem como da Coordenadoria Especial da Pessoa com Deficiência.
Para saber mais sobre o tema de gênero e diversidade nos espaços urbanos, não deixe de acessar o Guia prático e interseccional para cidades mais inclusivas e escutar o Podcast Gênero e Cidades.
Para conhecer o marco estratégico do Grupo BID em temas de gênero e diversidade, em particular o Marco Setorial de Gênero e Diversidade e o Plano de Ação de Gênero e Diversidade, acesse a nossa página. Vale destacar também que o BID é o primeiro banco multilateral de desenvolvimento que integrou um padrão independente sobre inclusão de gênero que inclui explicitamente proteções para pessoas de diversas orientações sexuais e identidade de género no seu novo Marco de Política Ambiental e Social.
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