Apesar de abrigar mais de 14.000 espécies de plantas conhecidas¹, a biodiversidade da Amazônia permanece significativamente subutilizada nos mercados comerciais. Pesquisas mostram que apenas cerca de 30 espécies alimentícias nativas da Amazônia aparecem regularmente nos mercados² e, das 1.097 espécies de plantas alimentícias nativas identificadas no Brasil, apenas 5% alcançaram escala comercial significativa³. Esse potencial inexplorado representa não apenas uma oportunidade econômica perdida para a região, mas também representa riscos à sustentabilidade da conservação da biodiversidade.
A situação enfrentada pelas comunidades amazônicas, tanto rurais quanto urbanas, reflete uma interação complexa entre a erosão cultural e os desafios da segurança alimentar. A rápida perda de sistemas de conhecimento tradicionais representa mais do que apenas uma questão cultural – ela mina fundamentalmente os fundamentos do uso sustentável dos recursos na região. À medida que as línguas e os conhecimentos indígenas desaparecem, as comunidades perdem conhecimentos insubstituíveis sobre ecossistemas locais, padrões de abastecimento e colheita sazonal, técnicas tradicionais de preservação de alimentos e as propriedades das plantas locais⁴. Essa erosão do conhecimento tradicional impacta diretamente a capacidade das comunidades de manter práticas alimentares sustentáveis que evoluíram ao longo de gerações.
A transformação dos sistemas alimentares locais adiciona outra camada de complexidade a esse desafio. Um estudo abrangente na região da tríplice fronteira Colômbia-Brasil-Peru nos mostra como os sistemas alimentares tradicionais estão sendo rapidamente substituídos por importações processadas. Essa mudança não afeta apenas os insumos e os resultados nutricionais, mas também aumenta a vulnerabilidade da comunidade a choques externos. O processo de urbanização na Amazônia está acelerando essa transformação, com uma transição marcante de fontes de alimentos silvestres para domesticados na Amazônia brasileira⁵. Essa mudança é particularmente significativa porque os sistemas alimentares tradicionais historicamente forneceram recursos nutricionais diversos por meio de uma integração sofisticada da diversidade agrícola e da coleta de alimentos silvestres.
A vulnerabilidade desses sistemas alimentares em mudança torna-se especialmente evidente durante eventos climáticos extremos. Secas hidrológicas recentes causaram anomalias excepcionais de águas baixas em toda a bacia amazônica, com períodos de águas baixas durando cerca de um mês a mais do que o normal. Essas secas prolongadas criam impactos em cascata sobre as populações locais, interrompendo tanto as práticas tradicionais de coleta de alimentos quanto as cadeias de suprimentos modernas que entregam alimentos processados a comunidades remotas. Comunidades que se afastaram dos sistemas alimentares tradicionais frequentemente se encontram duplamente vulneráveis – tendo perdido o conhecimento necessário para depender de recursos locais e se tornando cada vez mais dependentes de suprimentos externos de alimentos, que são altamente suscetíveis a perturbações climáticas.
O momento certo para a intervenção é crucial. À medida que nos aproximamos da primeira COP do clima na Amazônia, há uma oportunidade oportuna para posicionar estratégias inovadoras de sociobioeconomia.
Apresentando o TasteAmazonia
O TasteAmazonia é uma iniciativa transformadora concebida no âmbito do programa de coordenação regional Amazônia Sempre, com o objetivo de impulsionar o potencial socioeconômico da bioeconomia amazônica por meio da gastronomia sustentável, garantindo a conservação da natureza e o bem-estar da comunidade. Como parte da abordagem abrangente do Amazonia Sempre para o desenvolvimento regional, o TasteAmazonia opera por meio de quatro pilares integrados:
Primeiro, o pilar Desenvolvimento de Ecossistemas Empreendedores concentra-se no empoderamento de empreendedores ao longo da cadeia de valor da alimentação e da gastronomia, com atenção especial aos jovens e povos indígenas. Isso inclui serviços abrangentes de desenvolvimento de negócios e mecanismos de financiamento inovadores que recompensam práticas sustentáveis.
Em segundo lugar, a iniciativa estabelece a Rede de Hubs do TasteAmazonia: estabelecimentos culinários estrategicamente localizados (restaurantes, cafés, mercados de alimentos e escolas de culinária) que servem como centros de inovação onde detentores de conhecimento tradicional, produtores locais e chefs regionais e internacionais colaboram. Conectados por meio de uma plataforma digital, esses Hubs facilitam o compartilhamento de conhecimento, a documentação de práticas alimentares tradicionais e os processos de abastecimento em toda a região.
Em terceiro lugar, o pilar Segurança Alimentar Regional e Adaptação Climática garante que os esforços de desenvolvimento contribuam para sistemas alimentares resilientes e baseados na biodiversidade. Isso é particularmente crucial para as populações rurais, dadas as evidências recentes de como as secas hidrológicas aumentaram a duração dos períodos de águas baixas na bacia amazônica, afetando o acesso das populações locais ao abastecimento alimentar.
O quarto pilar, Sistemas de Mercado e Desenvolvimento Comercial Sustentável, cria cadeias de valor equitativas da floresta à mesa, que alavancam o comércio regional e internacional para sistemas alimentares e gastronomia resilientes. Este componente desenvolve sistemas de mercado para comercializar produtos amazônicos de forma eficaz por meio de plataformas de mercado, estratégias de exportação e branding territorial.
Impacto Esperado
Por meio dessa abordagem sistêmica e territorial, o TasteAmazonia visa criar um impacto duradouro, fortalecendo a soberania alimentar, criando oportunidades econômicas sustentáveis, preservando o conhecimento tradicional, protegendo a biodiversidade e construindo sistemas alimentares resilientes. A ênfase da iniciativa tanto na integração vertical (da floresta à mesa) quanto na integração horizontal (colaboração sistêmica) garante a distribuição equitativa de benefícios em toda a cadeia de valor.
TasteAmazonia representa uma iniciativa fundamental dentro do programa Amazônia Sempre, que aproveita o potencial gastronômico da Amazônia e, ao mesmo tempo, contribui para sistemas alimentares mais resilientes.
A iniciativa TasteAmazonia será coordenada pela Unidade de Coordenação da Amazônia, com projetos específicos liderados por equipes e parceiros do Grupo BID. O BID Lab liderará a primeira operação, alavancando sua expertise em inovação e desenvolvimento de ecossistemas empreendedores para catalisar a fase inicial de implementação.
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Referências
- Cámara-Leret, R., & Bascompte, J. (2021). Language extinction triggers the loss of unique medicinal knowledge. Proceedings of the National Academy of Sciences, 118(24).
- Chaves, W. A., Valle, D. R., Monroe, M. C., Wilkie, D. S., Sieving, K. E., & Sadowsky, B. (2024). Urbanization and food transition in the Brazilian Amazon: From wild to domesticated meat. Proceedings of the National Academy of Sciences.
- Clement, C. R., et al. (2015). The domestication of Amazonia before European conquest. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 282(1812).
- Costa, M. L., et al. (2019). The indigenous peoples of the Brazilian Amazon: contributions to the biodiversity and management of forest resources. Forest Ecology and Management, 438.
- IPBES (2019). Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services. Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services.
- Smith, N., et al. (2017). Amazon-Andes food systems: Biodiversity, livelihoods and markets. Food and Agriculture Organization of the United Nations.
- Ulian, T., et al. (2020). Unlocking Plant Resources to Support Food Security and Promote Sustainable Agriculture. Plants, People, Planet.
- Van Vliet, N., et al. (2015). Trends, drivers and impacts of changes in swidden cultivation in tropical forest-agriculture frontiers: A global assessment. Global Environmental Change, 28
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