Maria Caridad Araujo*
“Como a vida das meninas seria diferente se os pais se preocupassem menos com a aparência e mais com a inteligência de suas filhas”?
Artigo publicado recentemente pelo The New York Times termina com a pergunta acima. O título do texto já é por si só bastante provocativo: “Google, responda-me: meu filho é um gênio?” A primeira coisa que me veio à cabeça enquanto eu lia o artigo foi a imagem da Rainha Má da Branca de Neve perguntando ao espelho mágico quem era a mulher mais bonita do reino. E não é que o meu pensamento fazia sentido? O texto falava da frequência com que pais americanos buscam na internet respostas para perguntas sobre a inteligência e a beleza de seus filhos. Quem imaginaria que, em pleno século XXI, o Google seria o que o espelho representava para a Rainha Má da Branca de Neve?
O The New York Times traz estatísticas surpreendentes. Com base em dados de ferramentas de busca como o Google, o autor do texto ressalta que os pais estão mais interessados em perguntar sobre a inteligência dos filhos que das filhas. O curioso é que esse comportamento pode ser observado desde muito cedo (até mesmo em pais de crianças de dois anos de idade). Exemplo: a chance de pais de meninos perguntarem “Meu filho é superdotado?” é 2,5 vezes maior que a de pais de meninas. Mas a história não termina aí. O Google também revela que a frequência com que os pais americanos perguntam sobre a aparência de suas filhas é muito maior que a de pais de meninos. Isto fica demonstrado em buscas que vão desde o sobrepeso até a beleza física das meninas. Uma rápida consulta a versão do Google em português mostra que os pais brasileiros tem comportamento muito parecido.
O que os dados sugerem é que os papeis de gêneros mais tradicionais que excluíram as mulheres do ambiente de desenvolvimento profissional e intelectual por anos, e que nos mantiveram restritas aos espaços da beleza e entretenimento, continuam muito presentes na sociedade.
Sabemos que os papeis de gênero se manifestam e se constroem desde muito cedo. Sabemos também que a escola, a família e a comunidade são espaços importantes nos quais tais papeis ganham forma por meio das atitudes e expectativas de pais, mães e outros adultos transmitem aos pequenos.
Há alguns meses publicamos uma reflexão sobre como, desde a primeira infância, o gênero é um fator determinante na trajetória de vida das meninas. Não seria de se estranhar, então, que pais que se preocupam tanto com a inteligência do filho, e com a beleza da filha, mobilizem esforços e recursos de forma desproporcional. Como os papeis pré-determinados e as diferentes expectativas determinam as oportunidades e os recursos para as aspirações de meninos e meninas?
Sem dúvida, há muito o que fazer para incorporar um enfoque de gênero nas políticas e programas de infância e juventude. Exemplo concreto é o desenvolvimento de materiais didáticos e lúdicos que não reforcem esses estereótipos e que, ao contrário, permitam que meninos e meninas explorem todo e qualquer tipo de atividade. Além disso, junto com esses materiais, deve-se fazer um esforço educativo para mudar o comportamento de famílias, professores e cuidadores que, como todos nós, precisam livrar-se de atitudes e ações que geram desigualdades que tanto nos incomodam.
* Maria Caridad Araujo é economista da Divisão de Proteção Social do BID e autora do blog Primeros Pasos
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