Este texto foi publicado originalmente em espanhol, no blog Sin Miedos
Era 28 de junho de 1969. Naquela época, o bairro de East Village, em Nova York, era um dos locais onde se concentravam os bares e locais frequentados por pessoas LGBTQIA+. Eram estabelecimentos ilegais e, em sua maioria, controlados pela máfia. O assédio policial era frequente, com batidas e prisões regulares.
E foi assim que, a 1h30 da manhã do dia 28 de junho, várias dezenas de pessoas LGBTQIA+ que estavam no clube Stonewall Inn decidiram resistir às forças policiais. Foi assim que se desencadearam os “Stonewall Riots”: seis dias de duros conflitos nas ruas do Sul de Manhattan, que deixaram dezenas de feridos e se tornaram um símbolo da luta por direitos iguais do grupo LGBTQIA+. O movimento moderno por direitos iguais para as populações LGBTQIA+ nasceu dessa batida policial.
Mais de 50 anos se passaram desde os “Stonewall Riots” e o movimento pela igualdade LGBTQIA+ alcançou muitos marcos, começando pela legalização de diferentes orientações de gênero em muitos países. No entanto, assédio e discriminação contra essas populações prevalecem fortemente, não apenas nos Estados Unidos, mas também na América Latina e Caribe (ALC). E, como no caso de Stonewall, ainda há um longo caminho a percorrer na região para erradicar a discriminação, incluindo uma parte considerável que vem dos sistemas judiciários e serviços de segurança dos países.
Os desafios e lacunas para a inclusão de pessoas LGBTQIA+ na América Latina e Caribe
Apesar dos avanços legislativos e sociais em relação a essa população, principalmente na última década, os níveis de violência contra pessoas LGBTQIA+ são preocupantes. Por exemplo, 63% dos crimes baseados em preconceito (ou seja, crimes causados simplesmente pelo gênero, raça ou orientação sexual das vítimas) entre 2014 e 2019 na América Latina foram LGBTQIfóbicos . Uma pesquisa do Pew Research Center em 2014, por exemplo, mostrava que 7 em cada 10 pessoas da ALC consideram que a homossexualidade é moralmente inaceitável.
O problema é mais complexo porque há uma grande disparidade no tratamento legal que as pessoas LGBTQIA+ recebem na região. Na última década, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Costa Rica e Uruguai reconheceram legalmente casamentos ou uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, em vários países da região, a legislação continua a criminalizar uniões do mesmo sexo.
O preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ ficou evidente nas respostas à COVID-19 em todas as regiões do mundo, que também registraram mais discriminação e violência. A pandemia exacerbou esses problemas em regiões como Europa, nos Estados Unidos e em diferentes países da América Latina e Caribe. Pessoas LGBTQIA+ relataram ter sentido um aumento na discriminação e nos maus-tratos em suas casas e bairros desde o início do período de confinamento. Em maio de 2020, foi relatado um aumento de 38% nas chamadas de abuso doméstico no Reino Unido dentro da população LGBTQIA+.
Mas a violência LGBTQIfóbica ocorre não apenas em espaços privados, mas também em espaços públicos, e entre seus perpetradores estão também agentes de segurança pública. Embora haja subnotificações e falta de informação sobre mortes de pessoas LGBTAIA+ por agentes do Estado, segundo relatório da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), policiais estão diretamente envolvidos em um “bom número” de assassinatos de mulheres trans. Várias organizações chegaram a relatar que as forças policiais se sentem empoderadas para exercer violência contra pessoas LGBTQIA+.
Isso mostra não só um grave problema em termos de violência causada por agentes do Estado, mas também altos níveis de impunidade e falta de formação adequada. Além disso, destaca a necessidade de melhorias nos protocolos de atendimento que agentes de justiça devem seguir para prestar um serviço que facilite o acesso à justiça livre de discriminação.
Como fortalecer a resposta do setor de segurança e justiça para pessoas LGBTQIA+?
O papel da aplicação da lei é fundamental para proteger as pessoas LGBTQIA+. É importante fortalecer a resposta do setor de segurança e justiça (polícia, promotoria e/ou judiciário) para prevenir a violência contra as pessoas desse grupo e prestar-lhes atendimento adequado. A resposta do setor da segurança e justiça deve visar a sensibilização do seu pessoal e a melhoria dos seus sistemas de gestão de informação. Entre outras coisas, isso significa:
1. Acompanhar e monitorar os casos de violência e as respostas a eles
2. Fortalecer a investigação e repressão de casos de violência contra pessoas LGBTQIA+
3. Promover a articulação entre os diferentes setores para prestar atendimento adequado, oportuno e integral às pessoas LGBTQIA+ vítimas de violência.
Mais de 50 anos se passaram desde os protestos de Stonewall Inn e, embora as pessoas LGBTQIA + tenham feito progressos significativos em direção à igualdade de direitos neste período, seria um erro grave pensar que eventos como os protestos de 1969 em Nova York não retornarão. Ainda há muito a ser feito para reduzir a violência LGBTQIfóbica e capacitar as instituições de segurança e justiça em nossa região, para que garantam a segurança de todos os seus cidadãos.
A redução de atitudes e comportamentos homofóbicos entre as forças de segurança é de enorme importância, pois permitiria que pessoas da comunidade LGBTQIA+ não precisassem esconder sua identidade sexual. Essa é uma questão fundamental, pois um dos desafios da ALC é determinar o percentual da população que se identifica como LGBTQIA+. A rejeição social, aliada à atitude das forças da ordem, aumenta o sentimento de vulnerabilidade dessas pessoas e as leva a esconder sua identidade, o que por sua vez dificulta a implementação de políticas públicas que as protejam da violência.
Portanto, embora em junho comemoremos o mês do orgulho LGBTQIA+, devemos garantir que esta comemoração traga à memória os princípios do movimento em prol da igualdade entre as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, e que estabeleça uma agenda de trabalho para o que está por vir para atingir essa meta. O caminho iniciado em Stonewall Inn está longe de terminar.
Uma instituição sem metas do ponto de vista de diversidade e inclusão dificilmente poderá oferecer serviços de qualidade para toda a sociedade. No BID, buscamos contribuir para fechar essa brecha de conhecimento sobre a situação da violência contra as pessoas LGBTQIA+ e, em particular, sobre os principais desafios que essas pessoas enfrentam em suas interações com as instituições de segurança e de justiça”.
Nathalie Alvarado, Coordenadora de Segurança Cidadã e Justiça – BID
Em comemoração ao mês do orgulho LGBTQIA+, nós do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) reafirmamos nosso compromisso de apoiar os países da região para melhorar a realidade enfrentada pela população LGBTQIA+ , financiando projetos como a Cooperação Técnica “Fortalecendo a Resposta do Setor de Segurança e Justiça às Pessoas LGBTQ+”, que visa fortalecer a resposta dos setores de segurança e de justiça para prevenir a violência contra pessoas LGBTQ+ na ALC e prestar atendimento adequado em casos de vitimização. Deste projeto espera-se:
a. Aprofundar as informações existentes sobre violência contra pessoas LGBTQIA+ e, em particular, nos setores de segurança e de justiça
b. Gerar um modelo de protocolo padronizado para atendimento a pessoas LGBTQIA+ para prevenir violência e discriminação por instituições do setor
c. Gerar espaços regionais de diálogo e capacitação para o pessoal dessas instituições neste modelo de protocolo.
Com esta operação, espera-se catalisar novos esforços, bem como fazer novas alianças, para fechar lacunas de informação existentes e atender às demandas da população LGBTQIA+ em mais países da América Latina e Caribe. Em um mundo altamente polarizado, temos muito orgulho de demonstrar com ações concretas o compromisso do Banco com a garantia dos direitos das pessoas LGBTQIA+ em nossa região.
Nós do BID confiamos que esta cooperação técnica que iniciamos hoje, junto com os países participantes e organismos associados, será uma contribuição enorme e valiosa para toda a região, para fortalecer sobretudo aquelas instituições de segurança e justiça que têm que proteger as populações mais vulneráveis, como a comunidade LGBTQIA+.”
Robert Pantzer, Especialista em Modernização do Estado – BID
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