É domingo à tarde. Um professor fica doente. O médico prescreve toda a semana de descanso. Ele abre seu aplicativo no telefone e com um simples clique relata a situação e anexa o código do pedido médico ao seu próprio dispositivo. Graças a isso, a direção da escola já sabe que será necessária uma substituição. Mas ninguém precisa fazer nada. Tal como acontece atualmente com as várias redes sociais ou aplicativos de mobilidade, a informação sobre possíveis suplentes na área da educação já existe. Um algoritmo automatizado avalia as possibilidades de cobertura considerando variáveis como qualificação, disponibilidade de tempo e proximidade. A primeira pessoa da lista receberá um aviso para frequentar aquela escola pelo período prescrito pelo médico. Se rejeitar, a segunda pessoa irá recebê-lo e assim sucessivamente, se necessário. No dia seguinte, quem aceitou poderá se apresentar diretamente na instituição de ensino. Claro que a gestão da escola já está informada, pois tem todas essas informações ao mesmo tempo. Não é ficção científica, é Big Data.
Na última década esse conceito ganhou importância em todas as áreas de nossas vidas. Noções como algoritmo, machine e deep learning – aprendizagem automatizada –, clustering e os adjetivos super difundidos de smart para vários dispositivos, lugares e serviços, já nos fazem falar de uma sociedade de dados, uma nova etapa dentro desta era de revolução tecnológica. No campo educacional, acelerada pela pandemia, essa tendência se instalou como um possível recurso eficaz para a tomada de decisões e para a automatização da gestão educacional.
O que é e como o Big Data pode ser aplicado na educação?
As possibilidades são inúmeras; o limite está, praticamente, no nosso conhecimento e imaginação.
Vamos voltar ao nosso exemplo e ir ainda mais longe. Suponha que cada professor indique no computador da escola ou em um aplicativo de celular, ao final de sua aula, quais os pontos do currículo que foram abordados (os temas já foram carregados anteriormente). Assim, o professor substituto, depois de aceitar a vaga, acessa o cadastro e já sabe não apenas os tópicos que foram ministrados, mas também a partir de onde continuar e o que ensinar. Caso o titular habilitasse a opção, o substituto poderia contatá-lo diretamente pelo aplicativo e solicitar algumas referências para o seu projeto de aula.
Vamos aumentar a aposta mais uma vez. Diante da pressa, o substituto deve abordar um tema para o qual não elaborou sequências didáticas. Você clica no assunto do programa e um link te leva a uma biblioteca com recursos didático-pedagógicos para abordá-lo, ordenados por idade, cursos, com filtros de acordo com a disponibilidade tecnológica da escola, número de alunos ou outras variáveis.
Quando voltar, o professor titular poderá ver o que seu substituto ministrou, assim como o substituto havia feito alguns dias antes.
Poderíamos continuar ad infinitum, mas o resultado é um só: várias soluções simultâneas para a escola, para os professores, para os alunos e para a administração central. Os registros administrativos serão atualizados ao mesmo tempo em que os eventos ocorrerem. Até mesmo o procedimento para o pagamento da substituição começará imediatamente, sem os habituais atrasos e burocracia.
Big Data é muito mais do que um grande volume de dados. É o resultado da descoberta de que, ao criar uma plataforma, uma página web, um aplicativo para telefone, não só se digitalizam os processos (como se o livro de presenças fosse transferido para o Excel), mas também dados que, bem utilizados e com as correspondentes salvaguardas, melhorarão as intervenções educacionais.
Assim, Big Data é um sistema que produz informações com base no que fazemos graças aos múltiplos dispositivos de processamento de dados presentes em nossas vidas (celulares, computadores, relógios, transações monetárias, deslocamentos, etc.). Processa os dados que coleta – nossas impressões digitais -, analisa e ordena. Com base nisso, nos envia propostas para orientar nossas próximas ações. Por exemplo, uma plataforma de música usa nossas informações para nos recomendar músicas ou artistas. Uma plataforma de séries ou filmes sugere outras produções com base em nossas escolhas anteriores.
Quatro diferenciais do Big Data e como ele funciona na educação
Aplicado à gestão e planejamento educacional, este sistema possui quatro características que permitirão um grande salto adiante:
- Usa dados existentes que são gerados e armazenados digitalmente o tempo todo (por exemplo, progressão de carreiras docentes);
- Resolve problemas de forma relativamente automatizada (atribuição e cobertura do trabalho);
- Permite estabelecer parâmetros e hierarquias com base nos problemas apresentados (busca os professores com maior probabilidade de preenchimento da vaga);
- Gera novos dados que retroalimentam o processo e podem ser usados para resolver outros problemas (quais vagas não são cobertas, quais professores não cobrem vagas).
O último ponto é central, pois é o elo entre a administração e o planejamento educacional. Se o exemplo resolve um problema de gestão (a cobertura de vagas por motivo de licença), a sua implementação e os novos dados que gera permitem aos planejadores antecipar problemas futuros desenvolvendo respostas adaptadas e relevantes ao contexto desses problemas.
No nosso exemplo, se os dados do uso do aplicativo apontam dificuldades na cobertura de aulas numa determinada região, o cruzamento com a idade dos candidatos e a inscrição de alunos em carreiras nessa área permitiria antecipar em quanto tempo não haverá professores suficientes para cobrir essa área de conhecimento. Assim, o planejador pode desenvolver um plano de estímulo a carreiras nessa área, naquela região específica.
Big Data para desenvolver sistemas de alerta precoce
Existem outros desafios que uma abordagem de gestão e planejamento educacional com uma perspectiva de Big Data possibilitaria enfrentar. Nos últimos tempos, a ideia de direcionar ações para evitar a evasão escolar se espalhou na região da América Latina e Caribe. O grande desafio é como determinar a população em risco sem cair no amplo tema das populações vulneráveis.
Um grande passo foi dado quando se detectou que os jovens com dois ou mais anos de atraso escolar constituem um prognóstico razoável dos que poderiam potencialmente desistir. Mas isso, que a priori permitiria antecipar o problema do ponto de vista das intervenções possíveis, já era (e é) uma descoberta tardia: a situação é iminente; é muito difícil remediar ou reverter.
Por isso, um avanço importante, graças ao aprimoramento dos sistemas de informação e registros administrativos dos ministérios da educação, foi o desenvolvimento de mecanismos de alerta precoce (como eram chamados). Atualmente, a utilização conjunta de indicadores não só de atraso escolar, mas de ausências, comportamento escolar, notas e contexto socioeconômico permitem desenhar modelos para conhecer os eventuais alunos que irão abandonar a escola.
Certamente, isso supõe uma gestão e sistematização de uma enorme quantidade de dados. É também uma mudança significativa em relação ao uso da informação. Uma grande vantagem e, por sua vez, uma grande limitação desses sistemas é que eles operam no óbvio, nos dados que as administrações educacionais já possuem. Mas ainda podem ser dados mais dois passos.
Por um lado, bigdatar o problema é pensar que o alerta antecipado é agora um novo dado que podemos analisar. Por exemplo, os sinais ocorrem aleatoriamente no tempo ou em determinadas épocas do ano? Eles ocorrem em algum lugar ou em áreas com características semelhantes (embora não necessariamente próximas)? Acontece em alguma escola ou em escolas com determinadas características?
As respostas a estas questões geram novas informações para orientar as ações de intervenção e desenho de políticas, não só sobre os alertas atuais, mas sobre os potenciais (antecipar ações ao longo do tempo, em determinados locais ou em determinadas escolas).
Na lógica do Big Data, o melhor algoritmo é aquele que transforma e melhora sua capacidade de resposta até que o problema que o originou se torne obsoleto.
Por outro lado, bigdatar um problema é pensar além das fontes tradicionais de informação, geralmente aquelas geradas pelos próprios órgãos governamentais em suas diferentes dependências.
Ética e outros desafios do uso de Big Data na educação
Como muitas vezes acontece, com as soluções vêm novos desafios. Um deles é o da ética no uso de dados. Mesmo sem ter desenvolvido nenhuma dessas ferramentas, aqueles de nós que estão interessados ou vinculados ao assunto preocupam-se com a disponibilidade dessas informações, quem poderia acessá-las e a proteção da privacidade dos destinatários desses desenvolvimentos. Além disso, é interessante saber como os algoritmos que alimentam o Big Data são construídos, de forma que não gerem vieses ou discriminação. A resolução desse problema faz parte das tarefas a serem abordadas.
No entanto, há de ter em conta que, quando falamos de administração dos sistemas educativos, referimo-nos a instituições enquadradas em acordos, declarações e legislações nacionais e internacionais que regulam as ações e que, em última análise, protegem os direitos dos cidadãos. As dimensões filosóficas e jurídicas que esta nova era implica são questões que caminham lado a lado com o desenvolvimento dessas possibilidades tecnológicas. De qualquer forma, o menos proveitoso seria negar o Big Data quando sua existência já é um fato.
Como dissemos, o Big Data oferece muitas oportunidades para explorar sua aplicação em sistemas educacionais. Por si só, não resolverá os problemas, mas poderá fornecer mais evidências para entender melhor suas causas e o contexto em que estão presentes. Isso acabará por permitir a promoção de ações políticas mais informadas. Além dos casos de professores e alunos, poderiam ser abordados o acompanhamento do que é ensinado nas escolas, a liberação de trabalhos administrativos pelos diretores, a simplificação de procedimentos e gestão de documentação, entre outros.
Essas são apenas algumas das dezenas de questões que poderiam começar a ser desenvolvidas para facilitar o desenho e a execução de políticas educacionais. Trata-se de nada mais e nada menos do que ter uma administração que possa antecipar os problemas ao invés de correr atrás deles. Que outras aplicações você vê para Big Data na educação? Deixe nos comentários.
Este texto foi publicado originalmente em espanhol, no blog Enfoque Educación
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