*Este é o primeiro post da série ‘Novo Hamburgo integrada’
Com aproximadamente 250 mil habitantes, a cidade de Novo Hamburgo (região metropolitana de Porto Alegre, na região Sul do Brasil) se desenvolveu e se consolidou até a década de 90 como a capital nacional do calçado, fundamentada na indústria do couro. Com a chegada dos produtos chineses ao Brasil nos últimos anos, o mercado nacional foi reorientando seus polos de produção para a região Nordeste, forçando Novo Hamburgo a reavaliar suas vocações econômicas.
O processo de desindustrialização, além de consequências urbanas, provocou um aumento da insegurança, deixando vários bairros da cidade com altas taxas de violência, em particular entre jovens, que se encontraram sem perspectivas profissionais. Essa realidade nos faz refletir sobre como nossas cidades podem ser vulneráveis a mudanças externas ou locais, o que pode gerar períodos de bonança, mas também de vacas magras.
No caso de Novo Hamburgo, o diagnóstico estava claro: a cidade só poderia se reinventar, no mínimo, por meio de uma tripla abordagem – requalificação urbana, revitalização econômica e prevenção da violência. Deste diagnóstico nasceu o Programa de Desenvolvimento Municipal Integrado (PDMI) de Novo Hamburgo, agora em seu último ano de implementação. As intervenções realizadas em cada frente incluem:
Requalificação urbana: corresponde principalmente a obras de infraestrutura urbana e requalificação paisagística do centro, que é o pulmão econômico do comércio e serviços, e no maior parque da cidade, o Parque Henrique Luis Roessler, o ‘Parcão’.
Fotos: Clémentine Tribouillard. A requalificação do Centro e do Parcão.
Revitalização econômica: centrada na criação de um Centro de Inovação Tecnológica (CIT), apoiando a reinvenção da matriz econômica da cidade através da recepção de startups e empresas âncoras, de um laboratório de fabricação digital, de um trabalho em rede com as escolas municipais de familiarização dos alunos com a informática e tecnologias digitais, e de um apoio à nova vocação do município para indústrias criativas, em particular audiovisual e cinema.
Foto/imagem: Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo. As obras de renovação do prédio destinado a receber o CIT.
Prevenção da violência: trabalha em territórios com maiores índices de vulnerabilidade com adolescentes e jovens adultos oferecendo formação profissional, oficinas esportivas, recreativas e culturais, a implementação de um núcleo de justiça comunitária e direitos humanos, além de um trabalho de coleta e gestão de dados, a partir de um novo Observatório de Segurança Cidadã, e do fortalecimento institucional da recém criada secretaria municipal de segurança.
Fotos: Clémentine Tribouillard. Jovens da oficina de música do CRAS Kephas e capacitação em maquiagem oferecida pela ASBEM (Associação do bem-estar do menor), parceira do PDMI.
Implicações da integração
A experiência até o momento tem demonstrado o quanto uma área de intervenção se potencializa e se retroalimenta de outra, uma vez que condições básicas são criadas. Um exemplo é o vínculo entre a renovação física do centro e a revitalização econômica do tecido comercial. Além de obras nas praças e principais ruas da cidade, a Prefeitura desenvolveu uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para apoiar a 50 lojistas do centro em gestão empresarial, apresentação de vitrines, enquanto empresas privadas começam a se interessar em patrocinar melhorias para esses negócios.
Outro exemplo é a ideia do município de considerar a segurança pública um tema intersetorial, colocando os jovens dos bairros mais violentos da cidade no centro da proposta de intervenção pública. O Centro de Inovação Tecnológica não será simplesmente o centro de inovação destinados a empresários, mas também atuará em rede com 20 “mini-CITs” implementados dentro das escolas públicas municipais destes bairros, para propor à nova geração um olhar diferenciado sobre inovação tecnológica e o mundo digital.
No marco da nova dinâmica audiovisual do município, que recebeu um apoio importante da Agência Nacional do Cinema (Ancine), se celebrou em novembro passado a sétima edição da Mostra Curta Inclusão e Diversidade, em que crianças destas escolas realizaram seus curtas-metragens. Agora está sendo avaliada a possibilidade de que os jovens aprendizes oriundos das oficinas de formação laboral possam ser valorizados pelo sistema de compras públicas do município, incentivando especialmente empresas candidatas a editais que os tiverem acolhido no seu quadro de pessoal.
Integrar é fácil? A resposta é não. É muito comum nos deparamos com obras e intervenções que “se esquecem” de falar com as partes relacionadas e interessadas, e com isso, deixam de ganhar escala ou simplesmente não funcionam. A experiência de Novo Hamburgo mostra que é possível uma cidade se reinventar, e muitas vezes a principal inovação necessária está em mudar a atitude diante do desafio, promovendo coordenação e intersetorialidade. Pensar o desenvolvimento de forma integrada não é moda ou opção, é uma necessidade para efetivamente melhorar vidas.
Daniel Vila-Nova diz
Estimados Raoni e Clémentine: primeiramente, meus parabéns pelo interessante artigo.
Chamou a minha atenção o tema do PDMI, como importante ferramenta de diagnóstico dessa abordagem integrada que Vocês detalharam no texto.
Gostaria de saber, do ponto de vista dos instrumentos jurídicos e legislativos, quais foram, na avaliação de Vocês, os principais obstáculos e soluções que Novo Hamburgo enfrentou e, ainda, quais seriam os atuais desafios para que a integração avance ainda mais?
Raoni Teixeira diz
Prezado Daniel.
Os municípios em geral tem dificuldade de instituir políticas publicas de Estado, que se sobreponham as mudanças administrativas que ocorrem entre uma e outra gestão, e também dentro das próprias gestões por trocas de secretários municipais e outros gestores. No meu entendimento este é um dos maiores obstáculos para o sucesso deste tipo de programa, pois pelo seu tempo de execução, desde a preparação até a execução, acaba perpassando por diferentes pessoas que necessitam entender o seu enfoque técnico. No nosso caso, penso que a atual equipe teve esta sensibilidade de, fazendo os ajustes necessários para a recuperação do projeto, respeitar a construção realizada pelo Banco e pela equipe local previamente.
ANTÔNIO ISAÍAS DO ROSÁRIO RIBEIRO diz
No Cairu 2030, que fizemos com o patrocínio do BID e apoio do WWI, em Cairu, Ba., desde 2006, o diagnóstico e proposições se aproximam muito dessa “tripla abordagem – requalificação urbana, revitalização econômica e prevenção da violência” de vocês aí em Novo Hamburgo. Transformado na Lei Municipal nº 241 desde 2008, o programa sofre de grande estagnação do seu item central – a requalificação urbanística, que por ser uma área histórica em tombamento e onde já existem monumentos tombados, passa desde então por aparelhamento político-ideológico do IPHAN na Bahia. Uma pena!
Raoni Teixeira diz
Boa Tarde Antônio, aqui em Novo Hamburgo, nosso Programa junto ao BID, teve que superar inúmeras dificuldades, relacionadas à articulação político-institucional do nosso município para gerenciar todas as dificuldades relacionadas à execução de um projeto tão complexo. Infelizmente, no processo de recuperação do projeto, foi necessário tomar decisões difíceis como a retirada do escopo da revitalização urbana o bairro histórico de Hamburgo Velho, tombado pelo IPHAN. Contudo, tais correções de rumo tornaram possível a viabilização do projeto como um todo. E hoje, com os primeiros resultados aparecendo, vemos que todo o esforço, mesmo as decisões difíceis, não foram em vão.