No Brasil, uma das problemáticas referentes à ocupação do território é o esvaziamento das áreas centrais. Essa característica marcante das cidades brasileiras decorre da segregação socioeconômica presente no espaço urbano, que acaba abraçando a população de rendas média e alta nos centros, onde há mais oferta de infraestrutura e oportunidades de emprego, e isolando a de baixa renda em áreas periféricas.
Desse modo, cria-se uma bola de neve sob a ótica da segregação espacial, pois formam-se cada vez mais vazios urbanos nas áreas centrais, o que encarece a urbanização, já que o número de deslocamentos aumenta e as redes de infraestrutura e serviços urbanos precisam ser estendidas para que se consiga atender a população que mora nos bairros mais afastados. Essa situação ocorre em diversos municípios brasileiros. Um deles é Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Desde 1960, a cidade de Campo Grande apresenta um aumento das ocupações perimetrais, sendo a maioria dos lotes destinados para a população de baixa renda. De acordo com a Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Campo Grande (Planurb), essa configuração foi resultado de três fatores principais: o crescimento populacional, a disponibilidade de áreas urbanizáveis e a dinâmica imobiliária.
Em 2019, a Planurb apontou que as áreas centrais de Campo Grande concentram famílias com maior renda média mensal por pessoa. Por outro lado, a taxa média de crescimento anual da população é maior em bairros periféricos como Prosa, Segredo e Anhanduizinho. Essa dinâmica está ilustrada nos mapas abaixo.
Além disso, o déficit habitacional do município é maior que 25 mil domicílios, sendo os componentes de coabitação (mais de 11 mil domicílios) e ônus excessivo com aluguel (mais de 9 mil domicílios) os que mais impactam este cenário.
Outro ponto de destaque foi a implementação do antigo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que financiava a construção, aquisição ou requalificação de imóveis habitacionais para a população que recebia entre R$ 1,8 mil a R$ 9 mil reais mensais, e como esse programa influenciou a política habitacional de Campo Grande. Em resumo, grande parte das moradias ficaram localizadas em áreas perimetrais, pois os terrenos tinham um custo menor de aquisição, o que reforçou ainda mais a densificação dos bairros periféricos e sem muita infraestrutura pela população de baixa renda.
E por que destacamos o município de Campo Grande?
A prefeitura de Campo Grande e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) trabalharam em parceria na elaboração de um projeto-piloto para a provisão de moradia acessível nas áreas centrais, como estratégia para diminuir a segregação socioespacial gerada na cidade.
Uma das formas elencadas para reduzir a perda de pessoas residindo em áreas centrais foi a locação, que também foi tema do projeto piloto para a cidade. A locação trabalhada no piloto é uma dentre outras possibilidades de atendimento habitacional, pois, de acordo com Blanco et al. (2014), esse modelo possibilita a provisão de moradia em áreas mais centrais e acessíveis, contribuindo com a redução da segregação territorial.
Já o projeto-piloto foi proposto em 2015 para a área central de Campo Grande, no contexto do programa Viva Campo Grande II, cuja principal intervenção é a requalificação da Rua 14 de julho, uma via tradicional de comércio do centro da cidade.
Uma das garantias para o sucesso da intervenção do espaço público foi também propor medidas de desenvolvimento da política de habitação do centro, de modo a reverter o esvaziamento das moradias na região e evitar a expansão urbana de baixa densidade. Após a análise de sete terrenos indicados pela Prefeitura, a área denominada Fernando Corrêa da Costa foi a selecionada para construção de dois condomínios: o condomínio 1 seria destinado para o empreendedor do Programa MCMV faixa 2 e o condomínio 2, para a Prefeitura promover o futuro parque de locação social. Para definir as características do projeto foram elaborados quatro cenários, nos quais verificou-se a viabilidade tanto econômica como financeira dos empreendimentos. Mais detalhes sobre o projeto-piloto realizado estão disponíveis na publicação ‘Alternativas para viabilizar habitação em áreas centrais: o caso de Campo Grande‘.
A partir do piloto mencionado, foram criadas evidências para melhor apoiar a posterior elaboração de estratégias para o município nos temas de urbanização, adensamento e moradia social. Como resultado, o BID avançou numa segunda fase do programa, apoiando algumas ações como a elaboração do decreto 15.167, de 2022, que regulamenta o Programa de Locação Social no município; a produção de um guia (em andamento) para apoiar a construção de programas de locação social como alternativa para a provisão de moradia; e o apoio na revisão do plano habitacional para incluir soluções mais adequadas às reais demandas de Campo Grande.
O caminho percorrido pelo município de Campo Grande na busca por mitigar a segregação urbana e a falta de moradia para a população de baixa renda nos mostrou diversas possibilidades, desafios e potencialidades. Essas descobertas podem apoiar outras municipalidades na construção das melhores estratégias para reduzir os problemas territoriais.
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