O vírus causador da COVID-19 continua se espalhando pelo Brasil, interrompendo vidas e provocando prejuízos econômicos. Controlar a doença e mitigar seu impacto econômico é de vital importância. Nesse contexto, o país também precisa discutir e implementar planos para flexibilizar as restrições de movimento, restaurando fontes de renda e emprego, bem como planos que apontem ao crescimento sustentado sem render-se a acelerações econômicas de fôlego curto.
Embora não exista fórmula mágica, com planejamento e políticas baseadas em evidências e em experiências internacionais exitosas é possível encontrar um caminho para os desafios que se colocam. E é nesse sentido que se dão as recomendações contidas no documento “América Latina e Caribe Pós-COVID-19: Desafios e Oportunidades”, publicado pelo Departamento de Países do Cone Sul do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
É importante reconhecer que as medidas adotadas hoje, mesmo que motivadas por razões emergenciais, ajudarão a definir o legado da crise e as oportunidades de crescimento no médio prazo. Desta forma, é importante evitar ações (e também inações) cujos efeitos colaterais levem ao agravamento duradouro de vulnerabilidades macroeconômicas, produtivas e sociais no médio prazo.
Para mitigar impactos imediatos
As restrições de movimento necessitam estar acompanhadas de políticas públicas efetivas e fiscalmente viáveis capazes de desacelerar os contágios e mitigar o impacto imediato do colapso da renda. A resposta também requer coordenação entre distintos níveis de governo, ministérios e agências. É importante gerenciar diferenças de visões de uma forma construtiva para alcançar um plano coerente e potente, tarefa que envolve todas as partes.
A comunicação transparente com a sociedade também é chave para induzir a internalização dos riscos por parte dos cidadãos. Na medida em que a epidemia se prolonga, as decisões individuais se tornam relativamente mais impactantes do que determinações legais sobre a restrição de movimento. Estratégias de testagem e tecnologia, desde que não se infrinjam limites éticos aceitos pela sociedade, são grandes aliadas na produção de informações e na promoção de políticas públicas que promovam comportamentos conscientes.
Desafios de médio prazo
No médio prazo, encontrar o caminho do crescimento sustentado irá requerer consensos políticos para avançar com reformas fiscais e de produtividade alinhadas com uma agenda moderna e transformadora de políticas sociais.
Primeiramente, não há como ignorar o delicado cenário fiscal. Será importante oferecer um plano crível de estabilização da dívida pública para o médio prazo. Isto significa que manter gastos extraordinários criados em 2020 requereria uma solução explícita e realista sobre fontes de financiamento. O Brasil não possui o poder de fogo para se financiar como economias avançadas que emitem moedas de reserva (como Dólar estadunidense). Se não houver perspectiva de estabilidade para a dívida pública no médio prazo, as taxas de juros domésticas tenderão a se elevar para compensar o risco, e o país se tornará mais vulnerável a choques. Tudo isto joga contra o crescimento sustentado.
Para além da dinâmica da dívida em si, a pandemia reafirmou a necessidade de reformas estruturais na gestão fiscal brasileira para corrigir problemas como o excesso de rigidez orçamentária, a falta de planejamento de médio prazo e o federalismo não cooperativo. Além disso, a competitividade do país se beneficiaria da adoção de um sistema amplo de avaliação de políticas públicas, de uma maior digitalização dos serviços públicos e de uma reforma tributária que simplifique a vida das pessoas e firmas.
Reformas fiscais, embora necessárias, não irão sozinhas estabilizar a dívida sem crescimento econômico sustentado. Aqui entra a agenda de produtividade que segue pendente e que irá interagir com cenários de um mundo pós-COVID-19. Neste mundo, haverá transformações tecnológicas em ritmo acelerado, reconfigurações produtivas globais e disputas geopolíticas mais acirradas.
O Brasil não está preparado. Grande parte do setor privado brasileiro há muito se caracteriza pela baixa produtividade e falta de competitividade internacional devido a uma série de fatores: excesso de burocracia e regulação ineficiente, um ambiente de negócios oneroso e altas barreiras ao comércio internacional, além de deficiências em infraestrutura, capital humano e no mercado de crédito. Nesse cenário, será preciso promover a adaptabilidade e a flexibilidade do setor privado, o que aumenta ainda mais a relevância de reformas de produtividade nesta etapa. Encontrar um equilíbrio entre o papel destacado do Estado durante a recuperação—por exemplo, através de estratégias eficientes para lidar com risco de crédito no setor real—e permitir que incentivos de mercado atuem na realocação de recursos será chave para uma recuperação sustentada.
Finalmente, será fundamental redesenhar a rede de proteção social brasileira. Articular os programas com maior racionalidade e promover melhorias no sistema aumentará a eficiência e a progressividade das ações. Políticas públicas sociais na etapa de recuperação devem combinar proteção social com estímulos à adaptação produtiva da força de trabalho. Iniciativas centradas na requalificação, treinamento e formação de capital humano deverão estar articuladas com esquemas focalizados de seguro de renda mínima e transferências condicionadas.
A tecnologia necessitará estar no centro deste esforço para permitir o levantamento de informações granulares sobre potenciais beneficiários e avaliar o impacto dos programas, subsidiando seu contínuo aperfeiçoamento. Somente assim o sistema de proteção social será justo e solidário, além de bem articulado com as transformações produtivas e fiscalmente sustentável.
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