A falta de segurança no trânsito é problema tanto de saúde pública, quanto de desenvolvimento. Além das perdas materiais e de recursos, também tira vidas e causa lesões permanentes, especialmente em crianças e jovens. De fato, as lesões causadas no trânsito são a principal causa de morte de crianças entre 5 e 14 anos, e de jovens entre 15 e 29 anos no mundo. No Brasil, 100 crianças morrem ao mês em decorrência do que chamamos de “acidente de trânsito”. Será mesmo um acidente? Ou situações em grande medida evitáveis? Quando se fala de segurança viária, é preciso considerar que incidem uma série de fatores diferentes e, portanto, tem que ser abordada em múltiplas dimensões.
Tradicionalmente o enfoque de grande parte das políticas públicas sugere que os acidentes de trânsito e a segurança viária são responsabilidade exclusiva dos usuários individuais – motoristas e pedestres. De acordo com essa lógica, a informação, a publicidade e a conscientização deveriam ser a coluna vertebral da prevenção de lesões no trânsito, ao invés de ser um dos elementos em um programa mais amplo.
Entretanto, o comportamento humano acontece no contexto e no entorno. Influências indiretas como a oferta, o desenho e a distribuição viária da cidade, a natureza do veículo e as leis de trânsito e sua aplicação (ou falta de aplicação), afetam o comportamento. Por essa razão, o uso da informação e da publicidade, isoladamente, não conseguem reduzir as colisões, uma vez que os erros sim podem ser efetivamente reduzidos com mudanças no entorno imediato.
O problema é que as pessoas caminham pela rua? Ou que não há vias para pedestres?
Muitas vezes, as pessoas optam por formas menos seguras de transporte, na falta de opções mais eficientes e convenientes, ou de vias adequadas. Por isso, para que as coisas mudem de verdade, precisamos trabalhar ativamente sobre os fatores de risco, que são:
- Fatores econômicos que impedem o acesso a um transporte seguro;
- Fatores demográficos e práticas de planejamento que influem na duração da viagem ou na escolha do meio de transporte;
- Mistura de tráfego de veículos de alta velocidade (e maior peso e dimensões) com usuários vulneráveis (pedestres, ciclistas e motociclistas);
- Articulação da função das vias (para cargas ou pessoas) com a definição dos limites de velocidade;
- Desenho das vias de acordo com o tipo de usuário.
Recentemente, o BID lançou um kit de ferramentas sobre “Caminhos Seguros para a Escola”, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), World Resources Institute (WRI) México e quatro países da região (Chile, Argentina, Equador e Panamá). Ainda que o trabalho seja dirigido a escolas, buscando melhorar os trajetos e segurança das crianças nas vias, seus princípios e metodologia se aplicam a outras edificações, como centros de saúde, hospitais, terminais de ônibus, entre outros.
A estratégia prevê a realização de um diagnóstico da situação e do entorno das escolas para estudar as variáveis e definir as linhas de ação mais convenientes com enfoque comunitário e local. Esta é uma tarefa de escala urbana ou territorial, que envolve diferentes atores, os governos locais, as escolas, os pais e as mães, os professores e professoras, vizinhos e você, como parte da comunidade.
O kit inclui também uma série de medidas de desenho de espaços que, dependendo da análise prévia, podem ser necessárias, organizando-as em cinco grupos:
- Medidas para acalmar o tráfego, entre elas o estreitamento da faixa de rodagem, redutores de velocidade, vias de pedestres e desvios;
- Medidas para cruzamentos, como as interseções e passagens elevadas, as rotatórias pequenas e médias, e os abrigos para pedestres;
- Calçadas, incluindo extensões de calçada, rampas e pontos de ônibus;
- Instalações para bicicletas, como ciclovias, vias de uso compartilhado ou redes para bicicletas;
- Sinalização e outros elementos, como faixas, as paradas e faixas de pedestres e a iluminação
O que mais podemos fazer?
Não é necessário esperar que a escola ou o centro de saúde estejam funcionando para começar a pensar na segurança viária. Alguns exemplos concretos do que fazer desde a concepção do projeto:
Escolher uma localização segura:
Em 2018, o BID publicou Onde Sim, Onde Não, Guia para a seleção de terrenos para construir projetos de infraestrutura social, onde propõe uma metodologia para selecionar os terrenos. Três aspectos são essenciais nesta etapa de planejamento:
- Demanda ou necessidade
- Acessibilidade
- Ameaças e riscos
Como os projetos de infraestrutura social implicam no translado de um grande volume de pessoas, a análise da acessibilidade, incluindo a proximidade com os beneficiários, cobertura do transporte público e acessos para veículos e pedestres é sumamente relevante. Para desenvolver essa análise na etapa de planejamento, pode-se considerar o estudo de diagnóstico de segurança viária proposto no kit Caminhos Seguros para a Escola.
Buscar apoio da comunidade:
Um diagnóstico de segurança viária pode ser útil para os gerentes do projeto de infraestrutura social, uma vez que lhes permite conhecer como irá se comportar o entorno da escola, e definir o alcance das obras necessárias para que os usuários possam ter acesso em condições seguras.
Provavelmente, a maioria dessas obras irão exceder o alcance de seus próprios projetos, devendo-se recorrer a outros atores-chave ou interessados em aportar e dotar o entorno de condições seguras. Sem dúvida, a abordagem da segurança viária tem uma escala territorial, de forma que o principal parceiro poderia ser a municipalidade. O diagnóstico também permitiria ter elementos sólidos para convencer a comunidade e o setor privado a colaborar com o esforço conjunto de fazer com que os caminhos sejam mais seguros para todos. Aqui uma DICA: se as ruas são acessíveis e seguras para as crianças, elas são seguras para todos e beneficiam a toda a comunidade.
Oportunidades antes da construção:
É possível colaborar com a segurança viária se, ao momento de fazer os desenhos do edifício e do espaço exterior, incorporarmos algumas obras menores que, com um custo relativamente mínimo, podem gerar um grande aporte ao projeto.
Se vamos licitar a construção de uma escola ou centro de saúde, por que não incluir que a empresa contratada pinte as faixas de pedestre ou construa o ponto de ônibus? E se somos mais ambiciosos, por que não incluir a construção de alguns trechos de ciclovia, da extensão da calçada ou a colocação de redutores de velocidade e avisos luminosos?
Assim, a fase da realização do desenho, prévia à construção, é outro momento de oportunidade, já que podemos incorporar ao alcance do projeto alguns elementos básicos, mesmo que estejam fora do terreno específico do edifício. Essa estratégia de incorporar nos projetos de infraestrutura social elementos que tradicionalmente não seriam considerados ou que não estavam incluídos foi desenvolvida pelo BID no Guia Incorporação de serviços públicos em projetos de infraestrutura social. Nesse guia, propõe-se incorporar, nos casos em que seja necessário, o abastecimento de água, saneamento, energia, internet, tratamento de resíduos e acessos aos projetos, garantindo a integração e a coordenação das ações.
Conceber os projetos de infraestrutura social com um enfoque multissetorial, de integralidade e prevenção, brinda muitas oportunidades de maximizar esforços e evitar falta de coordenação com intervenções posteriores isoladas. A possibilidade de incorporar a segurança viária desde o início do projeto é algo simples e possível que, com pequenas práticas, é possível gerar grandes impactos, e seguros.
Se você acredita que essas mudanças são possíveis e quer ser parte dessa transformação em sua comunidade ou tem alguma ideia inovadora de como podemos expandir e implementar esse conhecimento e ferramenta, escreva para BIDtransporte@iadb.org e compartilhe a informação. O acesso a uma infraestrutura de forma segura é um direito de todos.
Continue essa conversa no Twitter @BIDtransporte
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