Devido às suas extensões continentais e desenvolvimento viário tardio1, o Brasil enfrenta vários desafios para a evolução de sua infraestrutura de transportes. As oportunidades de investimentos na expansão das malhas existentes, principalmente, com a participação da iniciativa privada são uma delas – conforme proposta de governo do Ministério da Infraestrutura. Contudo, a manutenção da infraestrutura existente tornou-se ainda mais essencial, uma vez que a demanda logística nos próximos meses será um fator importante para a retomada do crescimento do país.
Nesse sentido, o principal dilema é como equalizar os investimentos no setor. A vantagem em considerar a manutenção dos ativos existentes está nos valores despendidos nesses serviços comparados ao volume de investimento necessário em novas infraestruturas. Porém, quais fatores devem ser levados em consideração?
Situação da malha rodoviária brasileira
As rodovias dominam a matriz de transportes no Brasil, sendo responsável por aproximadamente 61% da movimentação de mercadorias e 95% de passageiros (CNT, 2019). A curto e médio prazos, a infraestrutura viária paga e produz muita riqueza para o país, sendo essencial para o desenvolvimento econômico.
Atualmente, de um total de 1.720.700 km de rodovias, 213.453 km (12,4%) são pavimentadas e 1.349.938 km (78,5%) são não pavimentadas. Dentre as rodovias pavimentadas, 30,6% são federais e 69,4% são estaduais (CNT, 2019). Nos últimos dez anos, a malha rodoviária federal pavimentada teve um crescimento de 6,7%, saindo de 61,3 mil km para 65,4 mil km.
Nos últimos dez anos, em função de programas governamentais em parceria com organismos multilaterais e bancos públicos, houve uma melhora na qualidade dos pavimentos, conforme diagnosticado pelo índice de condição da superfície do pavimento (ICS)2. Essa melhora, porém, preocupa muitos especialistas, pois as ações nesse período foram voltadas para intervenções funcionais, isto é, serviços que visam manter condições mínimas de trafegabilidade e não atuam nas necessidades estruturais dos pavimentos – que são cada vez mais necessárias em função do crescimento do tráfego.
Esses dados são extremamente relevantes para a gestão da malha rodoviária do Brasil, especialmente para a avaliação da durabilidade dos serviços. Isto porque intervenções funcionais impactam nas vias em prazos menores que 5 anos. Já intervenções estruturais abrangem serviços de reforço ou reabilitação visando uma vida útil de 10 anos.
Entretanto, nos últimos anos, o país vem investindo menos nas atividades de manutenção (Figura 1), o que gera um consequente reflexo na qualidade do serviço. Um comparativo entre os anos de 2017 e 2018 mostra a queda na qualidade das rodovias, avaliado pelo Índice de Condição da Manutenção (ICM) (Figura 2).
Figura 1. Valor investido em manutenção por ano nas rodovias federais não concedidas.
Figura 2. Índice de Condição da Manutenção (ICM) das rodovias federais não concedidas.
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2017 |
2018 |
Fonte: DNIT, 2018.
Estimativas apresentadas pelo DNIT, antes da atual crise sanitária e econômica, já indicavam um cenário pessimista para as rodovias brasileiras nos próximos anos, onde 42% das delas seriam classificadas como ruins em 2021. Caso nenhuma ação seja tomada, essa situação pode piorar ainda mais diante da anunciada instabilidade dos próximos anos.
Impactos da qualidade das rodovias no “custo Brasil”
A ineficiência dos sistemas produtivos brasileiros impacta no Custo Brasil, termo que descreve o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem e comprometem novos investimentos e pioram o ambiente de negócios. Isso quer dizer que quando há gastos desnecessários no sistema de transporte, toda a sociedade paga.
Rodovias com más condições aumentam o custo Brasil, já que levam a um maior consumo de combustível, desgaste dos veículos, tempo de viagem e risco de acidentes rodoviários, aumentando o custo operacional do transporte e dos serviços logísticos associados (especialmente importante para o transporte de cargas que é feito majoritariamente pelas rodovias). Por outro lado, vias com boa qualidade não só trazem economia, como incentivam o desenvolvimento do setor.
Uma estimativa da CNT apresenta dados relevantes nesse sentido: o estado péssimo de um pavimento pode praticamente dobrar o custo operacional do transporte de cargas, já que o aumento pode chegar até 91,5% (Figura 3).
Serviços de manutenção podem ajudar a aquecer a economia
Investir na recuperação e na manutenção da infraestrutura viária existente é uma excelente oportunidade para, de maneira eficaz e eficiente, impulsionar o crescimento econômico e a criação de empregos em um contexto de restrições devido à crise sanitária e econômica produzida pela COVID-19. Estudo do Banco Mundial sugere que um aumento equivalente a 1% do PIB na infraestrutura viária brasileira levaria a um crescimento da economia de 1,5% a 3% após uma década, e de 4% a 8% após 30 anos.
Dessa forma, o potencial desses investimentos, no curto prazo, são:
- manter o sistema de transporte existente funcionando de maneira adequada e com custos operativos competitivos;
- alavancar a economia a partir da reativação da indústria da construção civil; e a médio e longo prazo
- manter uma rede que gere oportunidades econômico-produtivas para o setor privado e bem-estar para a sociedade.
Estima-se que 3 milhões de brasileiros trabalhem nas rodovias e nos aeroportos (em canteiros de obras e na manutenção das estruturas). Além disso, das 195 mil empresas atuantes no setor de transportes, 81,3% são no setor rodoviário, as quais empregam cerca de 1,7 milhão de pessoas com carteira assinada. É inegável, portanto, o potencial do setor de transportes, considerado essencial para superar os desafios da crise sanitária, para ajudar a recuperar também o crescimento econômico.
[1] Na década de 40, o Brasil possuía apenas 423 km de rodovias federais e estaduais pavimentadas.
[2] Esse índice varia de 1 a 5 e é obtido a partir de resultados de IRI (International Roughness Index) e LVC (levantamento visual contínuo).
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