Dos municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes, 93% já foram atingidos por alagamentos e 62% por deslizamentos. Apesar disso, mais da metade deles não têm planos de gestão de risco, e apenas 25% consideram no Plano Diretor medidas de prevenção de enchentes e enxurradas. Essa realidade se repete para outros países na América Latina e Caribe.
Dados do relatório do Escritório de Assuntos Humanitários da ONU indicam que a América Latina e o Caribe são a segunda região mais propensa a desastres naturais no mundo. Desde 2000, 152 milhões de latino-americanos e caribenhos foram afetados por 1.205 desastres, incluindo inundações, furacões, tempestades, terremotos, secas, avalanches, incêndios, temperaturas extremas e eventos vulcânicos.
Uma análise mais atenta dos fatores que transformam um fenômeno natural em um desastre humano e econômico revela que os entraves fundamentais ao desenvolvimento na região são os mesmos que contribuem para a vulnerabilidade às ameaças naturais e aos impactos das mudanças climáticas. As principais causas da vulnerabilidade da região são:
- a urbanização rápida e desregulada
- a persistência da pobreza urbana e rural generalizada
- a degradação ambiental causada pela má administração dos recursos naturais,
- políticas públicas ineficientes, e
- deficiências nos investimentos em infraestrutura.
Todas essas vulnerabilidades ficaram ainda mais evidentes durante a atual crise sanitária. A necessidade de impor confinamentos nacionais, fechamento de fronteiras e distanciamento social – medidas essenciais para conter a propagação do vírus – afetou diretamente a América Latina e Caribe. Grande parte dos trabalhadores nessa região (45%) atuam nos setores de contato intenso (hospitalidade, entretenimento, transportes, educação, alimentação, turismo e empregos domésticos). Além disso, fatores estruturais como o alto nível de informalidade, aglomeração urbana e falta de recursos fiscais, contribuíram para o avanço da pandemia e agravamento dos problemas econômicos na região.
Expostas pela pandemia, essas vulnerabilidades podem também ser agravadas pelas mudanças climáticas. Neste sentido, o Brasil e a região possuem uma grande oportunidade de propor políticas públicas para administrar as perspectivas socioeconômicas ruins e os riscos de desequilíbrios fiscais. Os países têm agora a oportunidade de melhorar o acesso aos serviços públicos básicos, desenvolver mercados formais e promover uma infraestrutura resiliente a mudança climática e digitalizada para contribuir com a coesão social e avançar rumo a uma economia de baixo carbono. Tudo isso faz com que a região esteja preparada para as mudanças já em curso na economia global, especialmente devido as mudanças climáticas.
Gestão de Riscos de Desastres ganha espaço
Neste contexto, o BID vem ampliando cada vez mais sua participação nas ações de Gestão de Riscos de Desastres (GRD) na América Latina. Para atuar na recuperação e na resposta a esses desastres, o BID aprovou US$1,5 bilhão em novos financiamentos nos últimos quatro anos, multiplicando por 10 a média anual de empréstimos relacionados a desastres naturais dos 15 anos anteriores.
Além disso, o Banco desenvolveu uma Metodologia de Avaliação dos Riscos de Desastres e Mudanças Climáticas em Projetos para unificar o processo de identificação, avaliação e gestão de riscos de desastres para seus projetos. A proposta é atuar em todas as fases do ciclo de projeto, a partir de três etapas:
- verificação e classificação;
- avaliação qualitativa;
- avaliação quantitativa.
O Banco tem investido também em metodologias que avaliam esses riscos no nível do sistema, como a análise de Blue Spot. A partir dela, é possível priorizar soluções de adaptação com melhor custo-benefício e adequadas as ameaças locais para um portfólio de análise. Os projetos de infraestrutura de transporte também estão acompanhando a evolução. O uso de ferramentas de geoprocessamento e modelagem climática estão sendo usadas para identificação de áreas prioritárias para investimentos de requalificação viária. O setor de transportes tem atuado no desenvolvimento de mapas de risco em escala de engenharia, e adequados a realidade local, para que os projetos sejam cada vez mais preparados para as mudanças climáticas e, como consequência, os custos de recuperação sejam menores.
Além disso, o setor tem traçado estratégias para que os conceitos de GRD sejam cada vez mais inseridos nos projetos de infraestrutura de transportes. Complementando as ações de preparação e planejamento, foi desenvolvido um sistema de gestão de risco integrado que permite que os municípios avaliem riscos futuros, gerencie as ocorrências atuais e criem um banco de dados de conhecimento local. Esse sistema é uma plataforma colaborativa, onde a população é parte ativa na construção das iniciativas de resiliência.
O cenário atual da América Latina confirma a necessidade de investimentos em GRD, especialmente em setores chaves para o desenvolvimento, como é o de transportes. Neste sentido, os organismos multilaterais têm uma grande oportunidade de atuar com estratégias de GRD, preenchendo esta lacuna que prejudica o desenvolvimento sustentável – especialmente nos projetos de infraestrutura de transportes, que afetam diretamente o desenvolvimento socioeconômico da região. Em função da grande variabilidade geográfica, socioeconômica e climática, a América Latina pode se tornar exemplo em GRD para o resto do mundo.
Como ter cidades mais resilientes?
Como sugestão para os próximos passos rumo à resiliência da infraestrutura urbana, recomenda-se:
- Implementar ações intersetoriais de acordo com a realidade de cada região;
- Criar mecanismos para quem sejam adotadas estratégias permanentes para os governos;
- Incluir totalmente estratégias de GRD nos processos de investimento dos governos e nos projetos de infraestrutura de transporte;
- Criar e manter banco de dados dos eventos, consequências e soluções dadas;
- Identificar e monitorar constantemente as ameaças;
- Desenvolver mapas de risco em escala de engenharia e acessível aos gestores públicos;
- Criar canais de comunicação dos gestores públicos com a população, para que o conhecimento local seja valorizado e a população se torne parte ativa do processo;
- Capacitar a população e os gestores públicos em gestão de riscos;
- Desenvolver metodologias para quantificação financeira das consequências dos desastres, para que soluções técnica e economicamente viáveis sejam propostas.
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