Em meio à pandemia que assola nossa região, o noticiário tem pouco espaço para boas notícias, mas há uma revolução silenciosa em curso no Brasil, que traz um importante alicerce para o desenvolvimento sustentável de longo prazo do país: o avanço dos programas de participação privada em infraestrutura.
Somente este ano, o Brasil fez uma série de licitações bem-sucedidas para a concessão de projetos para o setor privado que gerarão investimentos da ordem de R$ 50 bilhões nos próximos anos. Mais importante, mesmo com os problemas econômicos que o país vem enfrentando, vários projetos vêm sendo capazes de atrair competição, inclusive de grupos internacionais – um fator fundamental para atrair investimento e tecnologia estrangeira.
A participação privada em infraestrutura não é nova no Brasil. Segundo o Private Participation in Infrastructure Data base (PPI) do Banco Mundial, o Brasil respondeu por cerca de 25% de todo o investimento privado em infraestrutura de energia, água telecomunicação e transporte de todo o mundo em desenvolvimento e quase 50% da América Latina entre 1995 e 2020.
O que está acontecendo neste momento, contudo, é diferente tanto sob o aspecto quantitativo como pelo qualitativo. Primeiro, os projetos estão mais numerosos, e mais vultosos. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, acaba de fazer a maior privatização da história do País com a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE) arrecadando R$ 22 bilhões e atraindo investimentos de R$ 27 bilhões.
Quando partimos para uma análise da perspectiva qualitativa, verificamos outra diferença: PPPs e concessões estão sendo utilizadas cada vez mais para gerar valor para usuários em setores não tradicionais, como projetos de saúde, parques e até mesmo penitenciárias. Esta diversificação setorial vem sendo acompanhada de diversificação regional, com mais estados e municípios buscando instrumentos de PPPs e concessões para sua política de investimento e serviços.
Neste cenário composto por projetos em maior quantidade e qualidade, bem como mais diversificados setorialmente e territorialmente, a infraestrutura terá um papel central nos próximos anos no Brasil para promover investimento, gerar empregos, reduzir os custos logísticos e melhorar a qualidade de serviços no país.
Este sucesso, entretanto, não é oriundo do acaso ou de sorte. Ao contrário, é fruto de um árduo esforço de diversas instituições no Brasil que, por vários anos, vêm se dedicando a aprimorar o ambiente brasileiro de PPPs e concessões. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o Ministério da Economia, o Ministério da Infraestrutura, de Minas e Energia e do Desenvolvimento Regional; as agências reguladoras, o Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal (CEF), os diversos programas estaduais e municipais além dos Bancos Multilaterais vem se dedicando, há vários anos, para que PPPs e concessões funcionem bem no Brasil.
Todos estes esforços parecem estar convergindo para os resultados positivos alcançados no momento atual. Sem dúvidas, fatores como a aceleração de reformas regulatórias fundamentais – como a do novo marco do saneamento –, o fortalecimento do papel do BNDES, da Caixa Econômica Federal e de outros bancos na preparação de projetos, entre outras ações, vêm contribuindo para a missão de movimentar o mercado de infraestrutura para ajudar a retomada econômica no Brasil.
O que precisamos saber sobre nossa infraestrutura?
A infraestrutura no Brasil ainda está atrasada sob vários aspectos, estamos na posição 78 do ranking de Infraestrutura do Fórum Econômico Mundial, atrás de todos os outros membros do BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul) e de vários países da América Latina como a Argentina, a Costa Rica e o Panamá. Nosso estoque de infraestrutura corresponde a 37% do PIB enquanto deveríamos estar entre 50% e 60%, e investimos historicamente menos de 2% do PIB em infraestrutura, quando deveríamos estar entre 3,5% e 4%. Para chegar próximo aos países desenvolvidos, devemos investir algo entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões ao ano durante os próximos 15 a 20 anos, aponta o Relatório Infra 19.
Devemos lembrar ainda, que do ponto de vista de serviço público, o fator mais importante da participação privada não é o investimento, mas sim a eficiência e modernização que precisamos alcançar. Para citarmos um exemplo, 16% das de pessoas não têm acesso à água tratada e 46% não tem acesso à rede de esgoto no Brasil. Além disso, milhões de reais são desperdiçados todos os anos em infraestrutura ineficientemente operada e a qualidade dos serviços sociais, que também dependem de infraestrutura, é apontada por analistas como um tema crítico para o desenvolvimento sustentável no Brasil. Essa mudança de paradigma – de volume de investimentos, a qualidade de serviços – e o que realmente irá gerar impactos de longo prazo e um maior valor pelo mesmo dinheiro investido.
O que falta para avançar mais?
Os números falam por si e devemos celebrar, mas não podemos descansar, porque para atingir o nível de investimento esperado, é necessário avançar mais:
- É preciso criar um marco fiscal de longo prazo que reduza as incertezas associadas ao pagamento dos compromissos públicos, diretos e contingentes.
- É preciso fomentar e amadurecer os instrumentos de coordenação horizontal (entre ministérios) e vertical (entre entes federativos), que alinhem interesses para a implementação de projeto de interesse comum. Esta coordenação pode permitir o desenvolvimento de modelos de negócios comparáveis e um ritmo de projetos constante no longo prazo.
- Diversificar a estrutura de capital das concessionárias, alavancando a participação de bancos públicos no financiamento dos projetos. Há trilhões disponíveis em fundos de pensão no mundo que podem fluir para investimentos de infraestrutura.
- Continuar fortalecendo os aspectos ambientais e sociais dos projetos que podem introduzir os resultados socioambientais como parte dos objetivos dos projetos de infraestrutura. Podemos parar de tratar este tema como “compliance” e tratar como um diferencial competitivo nos projetos do Brasil.
A solução definitiva para a carência de infraestrutura no Brasil depende de uma visão de longo prazo, mas os primeiros trechos foram percorridos e temos que continuar nessa estrada, com um projeto de Estado para o Brasil, que terá sempre no BID um parceiro pronto para contribuir com conhecimento técnico e soluções financeiras adaptadas às necessidades locais.
Síntese consistente e instigante.. O BID tem um ativo reputacional singular que pode alavancar a consolidação do processo de PPPs e Concessões no Brasil ao longo desta década. As capacidade dos principais agentes públicos intervenientes estão ampliando e a economia política e ambiente institucional estão jogando a favor. O importante é manter o esforço e não perder tração! Parabéns aos autores e ao BID