Humberto Laudares[1]
Em novembro do ano passado, o Diretório Acadêmico da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo se colocou a favor das cotas para negros na faculdade. E sofreu represálias, tanto de alunos como de professores[2].
Quando fiz o curso de graduação na Fundação Getúlio Vargas, havia somente um estudante negro; um para 1.600 alunos em um país em que 50,7% da população considera-se preta ou parda, segundo o IBGE (2010). Era um claro retrato da desigualdade de oportunidades que atrasa tanto este país e perpetua uma sociedade que ainda é, infelizmente, marcada com cicatrizes profundas do período escravagista.
A discussão de políticas afirmativas não dá para ser tratada como ideologia – ou futebol. Sobretudo em um ambiente acadêmico. Até por que é somente um meio – e uma modalidade – para se reduzir as desigualdades de oportunidades de maneira focalizada. Como toda política pública, a questão merece mais pragmatismo e evidência empírica.
A pesquisa do Latin Barômetro em 2012[3] registrou que 43,7% dos brasileiros eram favoráveis a políticas afirmativas. Umas das taxas mais baixas da América Latina, mas ainda superior a países que têm cotas há mais tempo como os Estados Unidos (26%) e Canadá (28%). O mais curioso é que aqueles que mais se opõem a tais políticas são os brancos com educação superior[4].
De fato, há uma evidente tensão entre equidade e eficiência na questão das políticas afirmativas no ensino superior. As universidades querem os melhores alunos – e quem dirá que os beneficiados pelo sistema de cota ou bônus serão os melhores? Se os alunos beneficiados pelo programa se desempenharem tão bem quanto os demais alunos ao final da universidade, significa que o sistema funciona.
Professores da Universidade Federal do Paraná[5] estimaram o impacto do sistema de cotas implementado nas universidades públicas sobre as notas nos conhecimentos específicos da prova ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. Dos 59 cursos superiores, para apenas 5 cursos os resultados foram estatisticamente significativos. Para os cursos de Medicina Veterinária e Agronomia, o impacto das cotas foi positivo, sendo negativo para os cursos de Pedagogia, História e Física. A análise dos dados dos estudantes da Universidade de Brasília[6] mostra que a política melhorou a equidade, mas nem tanto a eficiência. Alguns economistas acham o sistema de bônus implementado pelas universidades paulistas melhor do que o sistema de cotas das federais[7].
As evidências mostram, de modo geral, que os resultados das políticas afirmativas adotadas nas instituições de ensino superior têm sido mais positivos do que negativos.
É por isso que sou a favor de ações afirmativas nas universidades que dão oportunidades de estudo de qualidade a camadas da sociedade que não as teriam se as cotas não existissem. Mas não nos esqueçamos, como toda política social bem sucedida, ela está fadada à autodestruição. Com o tempo, não será mais necessária. A pergunta é: quanto tempo? Certamente estamos falando de longo prazo.
[1] É economista.
[2] Folha de São Paulo. “Diretório acadêmico da FGV se diz a favor de cotas e enfrenta resistência”. 30/11/2014
[3] Vanderbilt University (2012). The Political Culture of Democracy in the Americas, 2012: Towards Equality of Opportunity
[4] Smith, Amy (2010). Who Supports Affirmative Action in Brazil? In Americas Barometer Insights: 2010, Number 49
[5] Pereira, J., Bittencourt, M., Silva Junior, M. Análise Do Impacto Da Implantação Das Cotas Na Nota Enade 2008. Anpec, 2013.
[6] Francis, A. e Tannuri-Pianto, M. Using Brazil’s Racial Continuum to Examine the Short-Term Effects of Affirmative Action in Higher Education.
[7] Menezes Filho, N. Cotas: eficiência ou equidade?. Valor Econômico, 17/05/2013.
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