Eu tinha quase 10 anos quando comecei a jogar futebol. Naquele ano, meu pai viajou para a França a trabalho e voltou para casa com lembranças para mim e meu irmão da Copa do Mundo de 98. Ele me trouxe um boneco de pelúcia da mascote da competição e deu a bola oficial para o meu irmão. A verdade é que meu irmão nunca havia praticado a modalidade de forma competitiva. No ano seguinte, o time de futebol da minha escola ficou em terceiro lugar no primeiro campeonato do qual participamos. Nos deram bonecas Barbies como troféu, enquanto a equipe masculina recebeu equipamentos e patrocínio para a temporada seguinte.
Foi só aos 16 anos que finalmente contei aos meus pais que eu jogava futebol. Nos 6 anos anteriores, para poder treinar, eu dizia que estava fazendo outras atividades extracurriculares. Isso porque, quando mencionei pela primeira vez meu interesse pelo esporte, a resposta foi: “Futebol não é para meninas. Garotas não deveriam ficar chutando por aí.” Estereótipos como esses afetam mulheres e meninas em todos os esportes (e outras indústrias) há décadas. Por isso, mesmo que receber um bichinho de pelúcia ou uma boneca Barbie certamente não seja um crime, é uma metáfora de como as sociedades veem nosso lugar no esporte. E a discriminação, a desigualdade salarial e o abuso sexual são comportamentos que as sociedades devem condenar, julgar e procurar mudar.
Copa do Mundo Feminina: alguma coisa mudou?
A nona Copa do Mundo Feminina de Futebol é o primeiro torneio em que as mulheres serão pagas à medida que avançam para as próximas rodadas da competição. De acordo com a Bloomberg, “o fundo de prêmios para as mulheres passou de zero, há 20 anos, para US$ 110 milhões este ano. Desse valor, a equipe vencedora deste torneio receberá US$ 10,5 milhões”.
Percorremos um longo caminho. Os Estados Unidos, a Noruega, a Austrália e a Holanda estão entre os países cujas federações de futebol se comprometeram a acabar com a disparidade salarial entre homens e mulheres. Lionel Messi agora promove o futebol feminino. No entanto, as desigualdades para as mulheres no esporte ainda persistem. A mídia esportiva ainda está pagando quantias insuficientes pelos direitos de transmissão da Copa do Mundo Feminina. E, na América Latina e no Caribe, jogadoras que denunciam as más condições de trabalho no esporte frequentemente sofrem represálias.
O esporte como ferramenta de promoção da igualdade
Uma avaliação de impacto realizada pelas Nações Unidas indica que o esporte é uma ferramenta poderosa para envolver as comunidades e prevenir o crime, a violência e o uso de drogas entre jovens de países em desenvolvimento. O esporte também pode ser uma ferramenta crítica para o desenvolvimento de habilidades do século XXI que serão exigidas pelos empregadores no futuro do trabalho.
Segundo uma publicação do BID, praticando esportes, “uma pessoa pode aprender sobre cooperação, comunicação, respeito, resolução de conflitos, liderança, valor do esforço, fair play, autoestima, honestidade, amor próprio, tolerância, perseverança e disciplina”. Todas essas habilidades são essenciais em uma sociedade digital. Além disso, algumas dessas habilidades socioemocionais podem ter um impacto positivo em questões como a redução das taxas de gravidez na adolescência. No entanto, são necessárias mais evidências sobre o impacto desses programas, especialmente no que diz respeito aos resultados diferenciais entre mulheres e homens, meninas e meninos.
Jogar pela igualdade e inclusão
O BID tem promovido o esporte como ferramenta de inclusão por meio de alianças com instituições como o Real Madrid e o Comitê Paraolímpico Internacional. Este trabalho baseia-se na ideia de que o esporte pode ser um motor de igualdade e inclusão não apenas para meninas e mulheres, mas também para populações diversas e vulneráveis.
Então, vamos curtir o Mundial Feminino – eu certamente estarei torcendo para o meu país. Mas vamos fazer isso lembrando que:
- Nem todas as mulheres nesse cenário têm as condições de trabalho que deveriam ou o apoio institucional que merecem.
- O que dizemos sobre a participação das mulheres no esporte é importante.
- As mulheres que aparecem nas transmissões são modelos a serem seguidos, que também deveríamos promover com nossos filhos e filhas.
Não esqueçamos que o futebol, assim como a Copa do Mundo, pode ser muito mais do que um jogo para mulheres e meninas.
Texto disponível também em inglês e espanhol, no blog sobre Gênero e Diversidade.
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