Cristina Margarita Wittlmer*
Nunca havia pensado que um de nossos projetos poderia combater vampiros. Sim. Ouviram direito. Vampiros. Não falo das figuras míticas vindas da Transilvânia. Falo de morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) conhecidos como vampiros e que vivem na selva equatoriana.
Esses animais só atacam à noite e mordem as suas vítimas, que são geralmente crianças. Por isso no Equador uma das causas da disfunção infantil é a raiva.
O tratamento para esta doença deve ser administrado imediatamente. A mordida desses animais ataca o sistema nervoso central e para anular seus efeitos é necessária a aplicação de vacinas que estão disponíveis apenas em centros de saúde de difícil acesso para estas comunidades.
Estamos falando de comunidades isoladas na Amazônia, onde não há comunicação e onde não se lida com dinheiro formal. Para deslocar-se é necessário pagar uma passagem de avião de pequeno porte, algo impossível para estas famílias. A única alternativa é caminhar por cerca de três dias seguidos, mas com as crianças vítimas desse ataque, a caminhada se torna inimagniável.
Aprendi isso quando fizemos uma visita à comunidade Shuar de Tupaim em Morona Santiago para conhecer as necessidades de energia dos habitantes na selva do Equador.
Queríamos entender a realidade desta região para determinar a importância do nosso projeto, que consistia no fornecimento de energia renovável para essas comunidades.
E ainda que o acesso à energia pudesse ter efeitos importantes sobre o desempenho das crianças nos estudos, o desenvolvimento de novas atividades produtivas, e até mesmo a criação de novos hábitos em horários diferentes, não esperávamos que o maior benefício fosse justamente tratar as crianças com mordida “vampiro”.
O fato de poder contar com um pequeno refrigerador comunitário que permite manter as vacinas na temperatura ideal e os antídotos para os infectados com a raiva se converteu no efeito positivo mais importante do projeto.
Os paineis solares gerariam energia suficiente para alcançar esse objetivo, que apesar de estudos e pesquisas, não estava contemplado por nenhum de nós.
Assim, um projeto de energia teve um novo significado: salvaria vidas e não apenas levaria luz, comunicação, educação e produção.
*Consultora do FUMIN no Equador desde 2012, Cristina é economista graduada pela Universidad San Francisco de Quito (Equador). Antes de ingressar no BID participou como consultora júnior do estudo “Impacto Econômico das mudanças climáticas na agricultura de subsistência, no Equador” financiado pela Fundação Carolina e já realizou trabalho comunitário em várias organizações em áreas rurais do Equador, como Unicef e Techo.
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