No segundo webinário da série promovida pelo BID sobre o enfrentamento da crise pelo ecossistema de startups, investidores de venture capital, com atuação em diferentes regiões, setores e estágios de desenvolvimento de startups, discutiram sobre impactos e ações de enfrentamento da crise pelo setor. Ocorrido dia 24/03, o debate contou com a participação de Maria Rita Spina da Anjos do Brasil; Laura Constantini da Astella Investimentos; Izabel Gallera da Canary, Rodrigo Baer, da Redpoint eVentures; Fabio Biagini do BNDES; João Kepler da Bossanova Investimentos; e Clovis Benoni Meurer, da ABVCAP.
Maioria das startups investidas entraram em “modo sobrevivência”, com controle de caixa para aumentar runway
Runway é uma métrica usada no mercado financeiro para estabelecer o tempo de vida de uma empresa com o dinheiro que tem em caixa, considerando suas expectativas de despesas e receitas. O primeiro passo adotado pelos investidores junto à suas empresas investidas foi tomar medidas para aumentar a “pista”, permitindo que as empresas pudessem atravessar a crise, buscando maior controle do caixa. Os impactos foram muito variados, dependendo do setor da empresa, com algumas apresentando inclusive crescimento de receita.
Planos de contingência miram cenários de redução em prazos de 3, 6 e 12 meses
Os planos de contingência de forma geral têm buscado construir cenários conservadores, considerando redução de receitas nos próximos 3, 6 e 12 meses e traçar medidas para ampliar o runway nesses períodos. Empresas com dinheiro em caixa para cobrir os próximos 12 meses estão em vantagem, enquanto aquelas com menos de 3 meses em caixa estão em situação mais crítica e precisarão realizar cortes mais severos. Destacou-se a boa capacidade de adaptação das startups, que é um ponto positivo no cenário.
As startups estão com dificuldade em acessar crédito
Na avaliação da maior parte dos investidores, as empresas têm tido dificuldade na obtenção de crédito. Lentidão, excesso de burocracia, dificuldade na precificação das linhas de crédito foram algumas das situações citadas. As condições oferecidas pelos bancos têm sido pouco favoráveis, especialmente na exigência de garantias reais das empresas em bens ou caixa disponível, os chamados collaterals. Opções mais adequadas para o modelo de negócios de startups, como venture debt, em que a garantia pelo pagamento é dada em equity (ações da própria startup), são escassas.
Outro problema apontado é que as regras para que as empresas possam utilizar o benefício emergencial do governo para cobrir parte da folha de pagamentos não permitem que ele chegue a startups investidas. Isso porque, por terem como sócias fundos de investimento, são consideradas como parte de um grupo econômico de faturamento maior, que não tem direito ou tem limitações para obter o benefício.
Preocupação com a capacidade de empreendedores retomarem novos negócios após a possível morte de startups
Uma preocupação colocada também é com a forma com que muitas startups poderão vir a fechar as portas, já que o processo de fechamento de uma empresa pode levar para os empreendedores problemas com créditos de ordem trabalhista e tributária para o resto da vida, que impediriam que voltassem a abrir novos negócios. É preciso ajudar os empreendedores a avaliar os riscos e, se necessário, ter os recursos adequados para um fechamento correto das empresas e formas de evitar efeitos perversos desse momento.
Há impacto em novos investimentos e follow-on rounds, especialmente nos estágios mais maduros. Valuations devem cair
A disponibilidade de novos aportes desacelerou com a crise, tanto para aportes em novas empresas, como para follow-ons, como são chamados novos aportes em empresas que já estão no portfólio de investidas, especialmente nos estágios mais avançados, para empresas maiores. Os valuations – valor de avaliação da empresas – devem cair em comparação aos últimos dois anos, quando estavam valorizados pelo aquecimento do setor.
Já nos estágios iniciais, de investimento anjo, pre-seed e seed, o impacto parece estar sendo menor. O fundo Bossanova, por exemplo, notou seu portfólio mais resiliente e preparado que o esperado e continua realizando novos investimentos, embora também estejam mais cautelosos no follow-on.
Fundos garantidores, vouchers, revisão das regras de definição de grupo econômico, mais acesso à informação e fortalecimento das fintechs foram algumas soluções apontadas
Como possíveis ações de governos e órgãos de fomento para remediar os efeitos da crise, foram apontados a criação e ampliação de fundos garantidores, que substituam as garantias reais exigidas para acesso a crédito. Também foi citada a iniciativa de Portugal de criar um startup voucher, em que o governo cobre parte dos salários dos empregos mantidos por startups durante a pandemia. A questão da forma como empresas investidas são consideradas parte de grupo econômico dos seus investidores também precisa ser revista, já que ela impede startups de acessarem diversas linhas de apoio. Outro ponto levantado foi a dificuldade de acessar informações de forma clara sobre as soluções de socorro disponíveis para as empresas. Finalmente, destacou-se a importância das fintechs como alternativas aos bancos tradicionais no provimento de serviços financeiros a empresas. Elas poderiam servir como veículos mais ágeis para a implantação de ações emergenciais de suporte.
Reformas mais estruturais e com efeito de longo prazo seguem sendo muito necessárias
Investidores de capital de risco, por definição, operam pensando no longo prazo. E nesse sentido, há diversos problemas estruturais no ambiente regulatório brasileiro que precisam ser enfrentados, como questões tributárias e riscos jurídicos. No lado fiscal, por exemplo, investidores de startup pagam tanto ou mais impostos por seus ganhos que os de investimentos especulativos em bolsas de valores, apesar de correrem mais risco, levarem mais tempo para obter retorno e gerarem maior ativação da economia real, em comparação. Existem ainda riscos de ações de cobrança atingirem o patrimônio de investidores por questões trabalhistas ou fiscais das empresas investidas. Essas e outras questões já estão sendo enfrentadas com um Projeto de Lei que cria o Marco Legal das Startups, em tramitação no Congresso Nacional e que é da maior importância para o setor.
Apesar da crise, há um otimismo cauteloso com a retomada
Os investidores estão otimistas no longo prazo, com a retomada da economia, que deve ocorrer após o controle da pandemia, apesar das incertezas sobre como e quando isso ocorrerá. Destacaram que há casos de crescimento de empresas e muitas ações de startups usando suas tecnologias como ferramentas para o combate de efeitos da crise, em diversos setores, de aplicativos de delivery à produção de respiradores. As transformações sociais decorrentes deste momento criam também novas oportunidades para o ecossistema.
Confira a íntegra do webinar:
O impacto da crise sobre os investimentos em Startups promovido pelo BID no Vimeo.
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