Mais de um bilhão de pessoas vivem em bairros informais ao redor do mundo. Esses bairros são chamados de barriadas ou vilas miserias ou favelas no Brasil. Neles não há acesso a sistemas de água potável e saneamento e os moradores vivem em moradias inadequadas e superlotadas. Em 1995, o programa Favela Bairro (FB) no Rio de Janeiro Brasil, nasceu com o objetivo de conectar as favelas aos bairros da cidade, equipando os bairros com serviços urbanos por meio de aprimoramentos de infraestrutura e melhoria da prestação de serviços. A nova abordagem da FB recebeu grande reconhecimento internacional. Em 2000, ganhou o Prêmio Veronica Rudge Green em Design Urbano de Harvard, reconhecendo-o como um “projeto que contribui significativamente para a qualidade da vida urbana”.[1]
Quais foram os resultados do programa, 10 anos depois?
As intervenções melhoraram a vida dos residentes a longo prazo? Um relatório publicado recentemente: Bairro: 10 anos depois, examinou o estado da infraestrutura de 88 favelas aprimoradas pelo programa Favela-Bairro Fase II (FB2) entre 2000 e 2008, a fim de estudar a sustentabilidade dessas intervenções.
Este relatório é oportuno devido à preocupação imediata com as condições sanitárias em bairros informais devido à pandemia do COVID-19. Um estudo recente da Índia mostrou que os moradores de bairros informais têm 44% mais chances de transmitir doenças infecciosas como a gripe em comparação com as pessoas que vivem em outras áreas da cidade. As condições de superlotação aumentam as taxas de infecção, enquanto a desnutrição e a falta de condições sanitárias aumentam a probabilidade de propagação de doenças infecciosas. O status atual das intervenções do programa é especialmente importante em meio à pandemia do COVID-19 e pode fornecer orientação para futuras intervenções.
A pesquisa apresentada neste relatório utilizou duas metodologias complementares realizadas em paralelo:
- Um estudo qualitativo baseado em grupos focais para capturar a percepção dos beneficiários diretos sobre as atualizações. A principal conclusão mostra que, embora imediatamente após as intervenções no FB II, houve uma melhora na qualidade de vida dos moradores. (Atuesta y Soares, 2016) No entanto, com o tempo, a infraestrutura e os serviços públicos se deterioraram e estavam em condições abandonadas, quase como estavam em seu estado original ou semelhantes às condições de favelas que não foram abrangidas pelo programa (grupo de controle). Os entrevistados reclamaram do excesso de esgoto, acúmulo de lixo, falhas de energia e lâmpadas públicas quebradas nas ruas, entre outros problemas. Metade dos moradores entrevistados expressou opiniões positivas em relação ao transporte público, mas atribuiu esse resultado às suas próprias ações. Os moradores consertaram alguns dos buracos nas ruas enchendo-os de areia para permitir a circulação, evitando inconvenientes para carros e motos, e consertaram a fiação elétrica sempre que possível.
- Uma análise padronizada do estado de manutenção da infraestrutura nas 88 favelas atualizadas pelo FB II. Essa inspeção formal consistiu em um exame técnico do estado da infraestrutura. Uma equipe de especialistas técnicos verificou visualmente e classificou o status da manutenção. O resultado após dez anos de conclusão do projeto, mostrou que o grupo da favela interveniente (o grupo tratado) obteve uma pontuação semelhante ao grupo controle. De fato, o grupo tratado obteve uma pontuação significativamente menor em três tipos de infraestrutura: sistema de esgoto, coleta de lixo e eletricidade. (veja a tabela abaixo).
Múltiplos fatores foram determinados como a causa da deterioração da infraestrutura, não necessariamente associada ao programa FB II; Crescimento populacional, por exemplo: entre 2000 e 2010, a população das favelas do Rio cresceu quase 27%, enquanto no resto da cidade cresceu apenas 3,4%. [2]
Embora a manutenção insuficiente e o monitoramento adequado possam ter um efeito negativo nos resultados, o vandalismo e topografia acentuada também contribuíram para a deterioração da infraestrutura. Os engenheiros que trabalham nesses locais notaram que as gangues frequentemente destruíam as luzes da rua para facilitar o seu esconderijo. As gangues do narcotráfico também fizeram buracos nas ruas (ver imagens) ou construíram barreiras nas estradas de acesso às favelas para criar barricadas e bloquear a entrada de carros da polícia e gangues rivais. Esses grupos também destruíram estruturas de mobilidade interna, como escadas e rampas públicas, para dificultar o acesso a seus esconderijos.
Lições aprendidas
O desenho dessas intervenções pode resistir ao tempo, desde que os materiais que requerem manutenção mínima sejam escolhidos e incorporem um elemento de despesas recorrentes para o reparo regular da infraestrutura, enfatizando recursos adicionais para áreas montanhosas e densamente povoadas. Para melhores resultados, é importante envolver e educar os moradores na preservação das intervenções, reconhecendo que os bairros intervenientes atraem mais pessoas e, portanto, isso aumenta a demanda pela infraestrutura construída. É importante entender que as intervenções construídas não são sustentáveis em bairros que enfrentam violência local crônica, ou em locais onde há uma notável ausência de autoridades ou governo, uma vez que exigem monitoramento constante de todas as partes interessadas para garantir a durabilidade dos projetos.
Guest Author: Janice Perlman. A Dra. Perlman é pesquisadora, autora, palestrante e consultora de políticas urbanas. Seu livro mais recente, Favela: quatro décadas de vida à beira do rio (OUP, 2010), traça a história de vida de centenas de migrantes urbanos ao longo de quatro gerações. É um acompanhamento de seu livro seminal, The Myth of Marginality (UC Press, 1976). Atualmente, está finalizando pesquisas sobre megaeventos, políticas públicas e o futuro das favelas cariocas. O livro intitulado “A Importância de Ser Gente” completará a Trilogia da Favela. Seus prêmios incluem o Prêmio Guggenheim; C. Prêmio Wright Mills; Prêmio Chester Rapkin; dois prêmios Fulbrights e Publishers PROSE por “Contribuição extraordinária ao campo das ciências sociais. Ela é presidente do The Mega-Cities Project, uma organização global sem fins lucrativos projetada para “reduzir o tempo de atraso entre idéias e implementação na solução de problemas urbanos”. Agora em seu trigésimo ano, está apoiando / premiando jovens líderes urbanos como em sua nova iniciativa, MC2. Foi professora titular de planejamento urbano e regional da UC Berkeley e lecionou na Columbia, NYU, Trinity College e UFRJ. Dirigiu Planejamento Estratégico na The NYC Partnership; Ciência, Tecnologia e Políticas Públicas na Academia de Ciências de NY; e a Força-Tarefa de Bairros da Política Urbana Nacional.
Paulo Cesar Greenhalgh de Cerqueira Lima diz
Excelente análise; concisa, traz luz às questões envolvendo o fracasso do programa Favela -bairro, que no início chegou a entusiasmar alguns setores /pessoas.
Paola Siclari diz
Dear Colleagues: Congrats for this study. What can I do for having it?
Many thanks!
Francisco Jose de Toledo Piza diz
A maior dificuldade de programas dessa natureza é a forma da execução, Uma alternativa para mitigar o problemas, são as frentes de trabalhos, remunerada, com os próprios beneficiados, Outro aspecto são as lideranças ligados ao crime e a contravenção, cuja solução está bem longe de ocorrer, o local Cidade do Rio de Janeiro não tem empregos para todas as pessoas que lá moram, O turismo, uma das principais fontes de empregos, não tem para onde expandir, propor um programa de redução da população, com abertura de novos polos de desenvolvimentos no Brasil, pode gerar crescimentos negativos nas principais regiões do Pais. A busca coletiva da qualidade de vida, de veria fazer parte do planejamento estratégico.