As diferenças de gênero têm um peso quando se fala em financiamento acadêmico no Brasil. A probabilidade de mulheres obterem bolsas de produtividade em pesquisa (aquelas destinadas a quem se destaca entre seus pares) é, em média, 3,7 pontos percentuais menor do que a de pesquisadores homens. Se forem avaliadas somente pesquisas nas áreas STEEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática e Economia), a diferença aumenta para 5,6 pontos percentuais.
As conclusões estão na publicação Diferenças de gênero no financiamento acadêmico: evidências do Brasil. Nosso levantamento analisou dados do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para verificar tanto diferenças relacionadas com o acesso ao financiamento para pesquisa como ao montante de recursos destinados para homens e mulheres.
Os resultados apontam que doutoras mulheres têm chances menores de obter bolsas de produtividade do CNPq, mesmo atuando na mesma área e instituição e apresentando quantidade e qualidade média de publicações semelhantes às de candidatos homens. Essas descobertas são mantidas e intensificadas quando se considera somente as áreas STEEM.
No caso da FAPESP, não foram encontradas diferenças significativas na probabilidade de aprovação de financiamento de projeto, mas observou-se que os valores solicitados e recebidos por pesquisadoras são mais baixos.
Segundo a análise, há um equilíbrio de gênero entre o total de doutores no Brasil (48,5% são mulheres). Contudo, nas áreas STEEM, a presença de pesquisadoras é menor (40%). Se forem consideradas apenas bolsistas de produtividade CNPq, o desequilíbrio se acentua: 34,6% do total e 26,8% nas áreas STEEM.
No recorte que avaliou os auxílios concedidos pela FAPESP, nosso levantamento observou que as pesquisadoras solicitam e recebem valores mais baixos (4,9% e 5,5%, respectivamente, para montantes em reais e 9,3% e 12,3% para valores em dólares).
Prováveis causas das diferenças verificadas entre as instituições
Uma possível explicação para o estudo ter identificado uma diferença de gênero maior na concessão de bolsas do CNPq, em comparação com a FAPESP, pode estar ligada à forma como as duas instituições avaliam as candidaturas.
No caso das bolsas de produtividade do CNPq, o processo tem maior foco no histórico dos candidatos, avaliando publicações passadas e o desempenho já observado. No caso da FAPESP, a aprovação depende fortemente da qualidade e do potencial inovador do projeto submetido.
Outros estudos também apontaram nesta direção, indicando que as mulheres são menos favorecidas em processos de avaliação baseados no desempenho dos candidatos e não nas propostas científicas.
Outro ponto que chama a atenção é que as bolsas de produtividade concedidas a pesquisadoras são, em sua maioria, as da categoria 2, a mais baixa do CNPq: 60,49% das bolsistas mulheres estão nesta categoria, contra 55,81% de bolsistas homens.
Como funciona o financiamento à pesquisa no Brasil
O CNPq é o orgão federal responsável pelo financiamento à pesquisa no Brasil. Como mencionado, sua modalidade de financiamento de maior prestígio, por representar um reconhecimento da contribuição do pesquisador para sua área, são as Bolsas de Produtividade em Pesquisa. Os bolsistas desta modalidade (PQ) também atuam como avaliadores não só dos pedidos de novos bolsistas, mas também de outros pedidos de financiamento, como bolsas de doutorado, sanduíche no exterior, pós-doutorado e outras linhas de recursos específicas.
As bolsas PQ são concedidas por meio de uma chamada pública anual. São elegíveis à bolsa pesquisadores cadastrados na plataforma Lattes, detentores de título de Doutor ou Livre-Docência, com vínculos formais a uma instituição de pesquisa ou desenvolvimento. As bolsas são divididas em categorias, sendo estas, em ordem crescente de importância, nível 2 e níveis 1D, 1C, 1B e 1A.
Os critérios de seleção envolvem a produção científica do pesquisador, a capacidade comprovada de formação de recursos (mestres, doutores e supervisão de pós-doutores) e a capacidade de liderança em pesquisa, medida principalmente pela coordenação e participação em projetos de pesquisa. Junto com o pedido de bolsa, os candidatos e as candidatas devem apresentar um projeto de pesquisa a ser julgado por pares.
O financiamento à pesquisa no país também é feito por instituições de fomento estaduais, sendo a FAPESP a principal delas, responsável por distribuir, em 2020, 43% de todos os recursos de agências estaduais do Brasil. A Fundação recebe projetos de forma contínua, destinando recursos a pesquisadores com titulação mínima de doutor e vinculados a instituições de ensino paulistas. Os recursos são concedidos em três modalidades principais: Auxílios à Pesquisa Regular; Projetos Temáticos e Programa Jovem Pesquisador.
A modalidade Auxílio à Pesquisa Regular visa apoiar projetos a serem desenvolvidos individualmente ou sob a responsabilidade de um pesquisador com título de doutor ou qualificação equivalente. O Projeto Temático apoia pesquisas com objetivos suficientemente ousados, que justifiquem a duração de até cinco anos, enquanto a modalidade Jovem Pesquisador está voltada a apoiar projetos de pesquisa que favoreçam a nucleação de novos grupos e a descentralização do sistema estadual de pesquisa.
Por que diferenças de gênero no financiamento merecem atenção?
O tratamento desigual das mulheres na área acadêmica assume várias dimensões, sendo uma das principais a promoção ao longo da carreira, o que faz com elas tenham uma participação muito pequena nas posições universitárias de maior prestígio e reconhecimento. Isso gera um ciclo vicioso, dado que a menor participação em posições mais elevadas leva a um menor acesso a financiamento para pesquisa, menor produtividade e, consequentemente, à perpetuação do cenário de baixa representatividade.
A distribuição desigual dos recursos entre os pesquisadores é, em grande parte, decorrente do reconhecimento desproporcional do trabalho dos cientistas homens e mulheres. Evidências mostram que as contribuições científicas das mulheres são mais creditadas aos homens ou desconsideradas completamente, o que foi denominado efeito Matilda. Por outro lado, há um reconhecimento desproporcional do trabalho de cientistas homens, principalmente os renomados, sendo seus esforços mais visíveis do que suas contribuições, o que ficou conhecido como efeito Mateus.
A sub-representação feminina na carreira acadêmica chama bastante atenção nas áreas STEM, mas uma enorme literatura tem destacado a presença minoritária das mulheres também em Economia, por isso o estudo abrangeu as áreas STEEM.
O levantamento é o primeiro a avaliar econometricamente os resultados de processos de avaliação de concessão de financiamentos à pesquisa científica. Além disso, analisou dados de duas agências de fomento distintas, ambas muito relevantes no contexto nacional e com critérios rigorosos de seleção, mas com editais de distintos níveis de competitividade e critérios de avaliação. O trabalho pretende contribuir com o debate sobre a existência de viés de gênero na distribuição de recursos à pesquisa acadêmica, para que os processos sejam cada vez mais diversos e inclusivos, beneficiando a todas e todos.
Vanderleia Radaelli é economista com mestrado e doutorado em Política Científica e Tecnológica. Especialista líder em Ciência, Tecnologia e Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), trabalha com temas como: sistemas nacionais, regionais e setoriais de inovação, políticas de C&T&I e propriedade intelectual, ambientes de inovação, startups, competitividade industrial, clusters industriais, cadeia de valor global e cidades inovadoras.
Nathália Pufal é consultora na divisão de Competitividade, Tecnologia e Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Doutora em Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, trabalha com temas como: ambientes de inovação, capacidades de inovação, competitividade industrial, cadeias de valor, políticas de CTI e gestão da inovação nas esferas pública e privada. Antes de ingressar no BID, foi gerente de projetos de inovação nos níveis municipal e estadual no Brasil, professora de Administração, pesquisadora visitante na George Washington University e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Inovação NITEC.
Paula Pereda, Maria Dolores Diaz e Fabiana Rocha são professoras da Universidade de São Paulo na área de Economia e pesquisadoras do grupo EconomistAs.
Jesús Mena-Chalco é professor da Universidade Federal do ABC na área de Ciência da Computação e Ciência da Informação.
Gabriel Facundes Monteiro é mestre em Economia pela Universidade de São Paulo e doutorando em Economia pela Carnegie Mellon University.
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