As compras públicas podem fazer muito pela equidade de gênero e a inclusão. A inclusão e a equidade de gênero podem fazer muito pelas compras públicas.
A construção de sociedades inclusivas é um dos grandes desafios do nosso tempo. O reconhecimento da diversidade de gênero e a necessidade da inclusão nas mais distintas atividades são hoje importantes diretrizes para qualquer organização, empresa ou instituição. As compras e contratações públicas, por sua vez, tem demonstrado ser uma importante ferramenta para a implementação de políticas públicas, e para promover o desenvolvimento econômico. Dessa forma, é possível fazermos mais para que a inclusão ajude a atingir de melhor maneira os objetivos das compras públicas – a melhor qualidade inclusive, e também utilizar a compra pública como uma ferramenta efetiva para promover a inclusão de gênero.
Nos últimos 20 anos, as compras e contratações públicas têm se consolidado como um setor de conhecimento e gestão dentro da administração pública. A busca pela economia, eficiência, igualdade de oportunidades, transparência e qualidade faz parte de todo sistema de compras públicas moderno. Entretanto, quando se trata de inclusão, não é bem assim ainda, pelo menos não de forma explícita. O certo é que a gestão pública tem muito a ganhar se começar a utilizar critérios de inclusão de gênero nas compras e contratações.
A estratégia institucional do Banco inclui o foco em gênero e a inclusão como um dos principais pilares de ação nos próximos anos. As políticas de aquisições do Banco também estão sendo ajustadas para possibilitar aos seus mutuários a utilização de fórmulas explícitas de inclusão nos critérios de seleção e de qualificação que atendam às necessidades de igualdade de oportunidades e de conscientização da inclusão.
Consciência do problema
Na economia da linguagem é muitas vezes criticado o uso de vocativos masculino e feminino para abranger ambos os sexos. O uso de masculino e feminino nos discursos pode ser linguisticamente desnecessário e contrário a um princípio tácito das línguas naturais. Entretanto, fora as considerações linguísticas, não há dúvidas de que o uso explícito estabelece uma mensagem de consciência sobre a existência de um problema, que por vezes pode passar despercebido.
Assim, da mesma forma que o uso ex profeso de linguajem inclusiva é necessário para dar ciência sobre a existência do problema, a compra pública pode fazer muito a favor da equidade de gênero para tornar explícitas as intenções de inclusão. Um edital de licitação que manifeste a inclusão de gênero como um dos seus objetivos promoverá maior concorrência, maiores possibilidades de atingir qualidade, e consequente melhor eficiência e economia, palpável nas contas do governo.
Integrando critérios objetivos de inclusão nas avaliações de seleção e contratação
A consciência do problema é um primeiro e importante passo, mas podemos avançar mais. Existem várias formas de incorporar a equidade de gênero nas contratações públicas, e neste guia você pode conhecer em detalhes como fazê-lo. Aqui apresento as três principais práticas:
Usar critérios de políticas de inclusão. Usar critérios de participação que visem promover nos participantes o cumprimento de requisitos ou políticas de inclusão é possível em mercados que já incorporam políticas de gênero. Provavelmente fazer uso desses critérios em todos os âmbitos poderia não ser a melhor opção, por passar a ser um critério restritivo antes que inclusivo. Nesses casos, em setores ou indústrias onde ainda não existem práticas de inclusão, é preferível optar por outras das alternativas seguintes.
Utilizar critérios ponderados de pontuação que priorizem a equidade de gênero. Neste caso, o equilíbrio na ponderação é bastante sensível e deve ser feito tomando em consideração um potencial aumento nos custos. Uma regra prática e de bom senso que se pode utilizar é outorgar até 5% para os critérios de inclusão de gênero, mas sempre avaliando o caso particular do trabalho a desenvolver, o benefício esperado e os custos associados*.
Requerimentos que visem inclusão de gênero. Colocar como requerimentos nos termos de referência do contrato atividades que visem a inclusão de práticas de equidade de gênero durante a execução dos trabalhos. Nem todos os trabalhos podem incluir tais atividades, mas existem exemplos brilhantes de inclusão em casos em que tipicamente parecia não haver alternativas à execução tradicional, como foi o caso deste projeto que previu a contratação de mulheres para operação de máquinas pesadas.
Avanços no Brasil
No setor privado existem vários esforços para incorporar políticas de equidade de gênero nas contratações. Como parte do reconhecimento das melhores práticas na promoção de equidade de gênero e inclusão social, a ONU Mulheres no Brasil** tem destacado iniciativas de inclusão nas contratações em empresas de diversos setores, muitas delas também fornecedoras do setor público.
A atual lei de contratações do governo e o projeto de lei em discussão para substituí-la incorporam a adoção de critérios de julgamento objetivos, que em nada impedem a promoção da equidade de gênero e, pelo contrário, a promovem, com a designação da igualdade como um dos princípios das contratações. No entanto, pode ser necessária uma guia complementar específica para compradores, que facilite a implementação e oriente a adoção de critérios de seleção e requerimentos possíveis e desejáveis.
Que não seja mais o caso de termos um edital de licitação que atinge economia na linguagem, mas maximiza essa economia apenas com um grupo restrito de participantes. Bem-vindos todos e bem-vindas todas a participar das concorrências públicas!
*A forma de equilibrar os critérios de pontuação deve ser objeto de análise caso a caso. Para referências adicionais deste tipo de ação direta, consulte este guia para promover as mulheres nas compras públicas.
**O Prêmio WEPs Brasil está em sua terceira edição anual.