Em um colóquio sobre as questões mais urgentes das cidades do Brasil e países da região, uma colega nos desafiou com a seguinte pergunta: “Vocês acreditam que as cidades podem comprar sua sustentabilidade?”. Depois de um intenso debate, não conseguimos chegar a uma conclusão. No entanto, a semente da incerteza caiu em solo fértil. Para além das respostas por vezes conflitantes, a verdade é que, sendo a América Latina um dos continentes mais urbanizados do planeta, cada decisão de um país ou uma cidade ao adquirir bens, serviços ou obras implica importantes repercussões econômicas e socioambientais.
De uma perspectiva econômica, as compras públicas atingiram um terço dos gastos públicos globais em 2016, o equivalente a US$ 8,5 trilhões anuais. Por outro lado, de acordo com um estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ineficiências nas compras governamentais, serviços públicos e transferências no Brasil podem custar até US$ 68 bilhões, ou 3,9% do PIB. Na região, US$ 220 bilhões por ano, ou 4,4% do PIB regional.
Um caminho para a sustentabilidade
Em um contexto em que os cidadãos exigem maior transparência e eficiência nos investimentos governamentais, com impactos que beneficiam a sociedade e medidas efetivas para mitigar os efeitos da degradação ambiental e da mudança climática, é essencial reavaliar o papel das contratações públicas.
Além da difícil tarefa de torná-las transparentes e de maximizar seu impacto, o caminho das “aquisições sustentáveis” necessita mudar a perspectiva de curto para longo prazo, integrando suas três dimensões: econômica, social e ambiental. Nas palavras de nossa colega: “Hoje, qualquer cidadão entende muito bem que os temas socioambientais são parte inseparável da equação econômica; em países com tanta desigualdade e sérios desafios ambientais como os nossos, devemos ir além de comprar pensando unicamente na eficiência econômica”.
Compras verdes?
No âmbito das contratações públicas sustentáveis, instituições locais, nacionais e internacionais estão envidando esforços para apoiar a implementação das chamadas “compras verdes”. Em um guia também preparado pelo BID (2018), estas são definidas como aquisições de bens, obras e serviços que causariam os resultados mais inócuos (ou positivos) para o meio ambiente, saúde e segurança humana, em comparação com outros que competem e cumprem a mesma função.
Os governos locais que incentivam a incorporação das compras verdes em seus processos de aquisições têm uma maior probabilidade de mitigar a degradação ambiental in situ, favorecendo padrões de consumo ambientalmente amigáveis e replicáveis. Um exemplo é o caso do Centro de Negócios e Desenvolvimento do Trabalho, um edifício ecoeficiente construído no coração do Bairro 31, um dos mais pobres de Buenos Aires, certificado com a metodologia EDGE.
Devido ao papel cada vez mais importante das compras verdes em nível subnacional, três das maiores redes de cidades existentes no mundo (ICLEI, C40 e o Pacto de Prefeitos para o Clima e a Energia) se comprometeram a implementar estes tipos de aquisições sustentáveis para acelerar a implementação do Acordo de Paris e das Contribuições Nacionais Determinadas (ou NDC, em inglês). Cidades de nossa região já estão orientando suas aquisições nesse sentido como Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Medelín, São Paulo e Santiago, entre outras.
O salto qualitativo para compras inteligentes
As aquisições sustentáveis, que incluem as verdes, são transformadas em “inteligentes ou inovadoras” quando, além de incorporarem as três dimensões mencionadas, são usadas não apenas para uma cidade adquirir bens, obras ou serviços sustentáveis, mas também como plataforma de interação com potenciais empresas dispostas a resolver problemas urbanos via experimentação e uso de tecnologias de informação e comunicação, ou TICs.
De acordo com David Graham, diretor adjunto de Comunidades Inteligentes e Sustentáveis de San Diego, Califórnia, “a tendência é realizar pilotos para aquisições complexas (pilot-to-procurement), onde as cidades compartilham o problema que desejam resolver com um grupo de potenciais fornecedores dispostos a realizar testes antes de oferecer uma solução definitiva (try before you buy)”. Isso implica uma abordagem qualitativamente diferente.
Enquanto contratos públicos são considerados um desafio à inovação, nos últimos anos cidades europeias como Copenhagen, Dublin ou Madrid estão evoluindo de um modelo padronizado de aquisições para outro baseado em pilotos, antes que o produto chegue ao mercado. Neste contexto, a Comissão Europeia acaba de publicar um Guia de Aquisições Inovadoras, no qual casos de negócios são utilizados para orientar os funcionários públicos nas melhores práticas para contratar fornecedores para resolver desafios urbanos complexos por meio das chamadas Tecnologias SMAC em inglês (Social, Mobile, Analytics, Cloud).
Isso significa utilizar a convergência de quatro TICs: sociais, como Twitter, Facebook, Instagram ou Snapchat, para interagir com potenciais beneficiários; móveis, por meio do uso de dispositivos inteligentes, como smartphones e tablets; analíticas, via ferramentas informáticas de alta capacidade de processamento de dados provenientes de um grande número de usuários, como Big Data; e na nuvem, o que permite o acesso e armazenamento de informações oferecidas por vários provedores em qualquer dispositivo e lugar do planeta.
Dada a possibilidade de usar o poder das aquisições públicas e das TICs para transformar os desafios urbanos em oportunidades de mudança sustentável, eu arriscaria dizer que, além das incertezas para sua implementação, é essencial aprender a comprar melhor. Então, voltando à minha colega: você acha que uma cidade pode comprar sua sustentabilidade?
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