* Por Benjamin Lessing
No dia 4 de janeiro, São Luiz, capital do Maranhão, sofreu uma onda de ataques a ônibus e delegacias ordenados de dentro dos presídios do estado por uma facção criminosa. A morte de uma menina de seis anos, tal como a revelação das execráveis condições carcerárias –demonstradas por um chocante vídeo de presos decapitados – causaram enorme repercussão dentro e fora do Brasil.
O aspecto mais perturbador destes ataques, contudo, é que as táticas usadas são familiares: já vimos esse filme antes.
Voltemos a 2006. Em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa surgida nas prisões do estado, paralisou a cidade por dias com centenas de ataques estrategicamente planejados. O PCC simplesmente aperfeiçoou o modus operandi do Comando Vermelho (CV), facção mais velha que inspirou o PCC. O CV, nascido nos porões da ditatura militar no Rio de Janeiro dos anos 70, observou de perto as técnicas de ação coletiva empregadas pelas militantes de esquerda presos pelo regime ditatorial. O CV adaptou tais técnicas para, primeiro, controlar o sistema prisional e, em seguida, projetar seu poder além das grades para dominar as favelas e o lucrativo negócio do tráfico de drogas.
Sem dúvida, os telefones celulares têm facilitado a expansão destas organizações. Porém, como mostra o caso do CV, o ingrediente principal é o know-how coletivo, uma tecnologia de organização criminal que se aprende, se adapta, e se espalha. As gangues tomam controle das prisões, impõem suas próprias leis e punem aqueles que não as seguem. Com isso, ganham poder sobre aqueles na rua que antecipam voltar a ser presos. “Fazer o que for aqui fora,” me explicou um ex-traficante carioca, “lá dentro tu vai ter que prestar contas”.
Embora preocupante, não surpreende que as redes criminosas baseadas em presídios continuem a se expandir. Em 2013, o Primeiro Comando Catarinense, até então quase desconhecido, lançou mais que 100 ataques a ônibus e delegacias em Santa Catarina. Os líderes, soubemos depois, haviam passado tempo em penitenciarias controlado pelo PCC paulista. Tampouco surpreende que uma das facções que agora luta pela hegemonia dentro dos presídios do Maranhão, o Primeiro Comando do Maranhão, também tenha suas origens no PCC. E mais casos podem estar por surgir : segundo um levantamento feito em 2011, o PCC paulista tem alianças ou “franquias” próprias em pelo menos 16 estados brasileiros.
Estudos recentes mostram duas maneiras como tais ‘gangues de prisão’ promovem uma reviravolta na lógica do encarceramento.
Em primeiro lugar, as facções consolidam seu poder criando um sistema de ordem, proteção e benefícios para os detentos dentro dum sistema prisional caótico e brutal. Isso continuará a ser assim mesmo depois que a disputa atual pela hegemonia no Maranhão acaba, quando uma das facções vence, reduzindo a violência (como ocorreu em São Paulo) e fazendo com que o assunto desapareça das manchetes.
Segundo, facções consolidadas têm apreendido projetar seu poder além das grades, comandando a lealdade não só dos detentos, mas também de gente na rua, inclusive jovens que nunca foram presos, mas buscam “seguro-cadeia”. Esse poder é frequentemente usado para organizar o tráfico varejista de drogas ou, no caso centro-americano, redes de extorsão. Mas também permite orquestrar ataques que aterrorizam cidades inteiras e pressionam políticos—ou pelo outro lado, impor medidas que reduzam a violência, como a lei do crime do PCC ou a trégua das maras em El Salvador—, o que confere poder de barganha frente ao estado.
Resultado: tanto as altas taxas de detenção como a piora nas condições carcerárias acabam fortalecendo o poder das gangues.
Mas então o que fazer? Melhoras na política de segurança podem ajudar: concentrar nos criminosos mais perigosos ao invés de encarcerar qualquer jovem que pareça suspeito. Implementar penas mais curtas, porém bem administradas, para infrações menos graves. Cadeias menores, e com melhor vigilância, também podem ajudar a reduzir o poder das facções.
Progresso real, contudo, provavelmente requer a redução nas elevadas taxas de encarceramento. A situação no Maranhão é um lembrete de que, muitas vezes, os problemas do estado começam, e não terminam, ao trancafiar aqueles que violam a lei.
* Lessing é professor assistente de Ciência Política na Universidade de Chicago
** Este post foi originalmente publicado no Sin Miedos, o blog do BID sobre segurança cidadã
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