Rafael Crochemore Ney, Raul Jimenez e Arturo Alarcon*
As perdas de eletricidade nos sistemas de transmissão e distribuição são um dos principais desafios na América Latina e Caribe. Apesar de vários esforços, seus níveis continuam elevados, constituindo uma das principais ineficiências do setor elétrico. Em 2016, as perdas na região representaram mais de 240 Terawatts-hora (TWh), praticamente três vezes o consumo de eletricidade da América Central naquele ano.
Embora as perdas elétricas sejam inevitáveis para qualquer sistema, estes níveis são alarmantes. Em média, a região perde cerca de 17% da energia gerada, quase o triplo da taxa observada nos países de alta renda da OCDE. Além disso, é uma situação generalizada: 21 dos 26 países da América Latina apresentaram níveis de perdas superiores a 10% entre 2015 e 2016.
Essa situação se traduz em deterioração da geração de renda que afeta não apenas a sustentabilidade financeira das empresas, particularmente de distribuição de energia, mas também afetam o déficit fiscal de alguns países, constituindo num alto e injustificado custo de oportunidade social. No nível regional, essa situação representa um custo anual de 0,3% do PIB, comparável ao investimento em programas sociais como o Bolsa Família no Brasil ou o Prospera no México.
A situação no Brasil não é diferente à média latino-americana, com perdas que estão na ordem de 19,3% para os segmentos de transmissão e distribuição, segundo o último anuário da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), podendo ainda, atingir mais de 25% em algumas regiões do país. Esta constatação, impacta em sérios desafios para a sustentabilidade de algumas empresas, e cria dificuldades para o fornecimento de energia com níveis adequados de qualidade e segurança para a população.
Apesar do cenário exposto, existem boas notícias e iniciativas. A digitalização do setor elétrico e as novas tecnologias de controle e medição podem trazer soluções de ótima relação custo-benefício para combater este problema, tanto nas perdas técnicas (perdas de energia nos condutores e equipamentos da rede), quanto nas perdas “não técnicas” ou comerciais (perdas na medição, faturamento, conexões ilegais, etc.).
Algumas dessas soluções foram apresentadas nos dias 23 e 24 de abril durante o Seminário Internacional de Smart Metering no Setor Elétrico, organizado pelo Grupo CEEE e com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), que contou com a presença de mais de 160 participantes de diversas nacionalidades. Apresentamos abaixo três tendências tecnológicas que podem ajudar a resolver o problema das perdas elétricas:
Os sistemas de medição inteligente (ou “Smart Metering”)
Permitem contar com dados em tempo real sobre o consumo dos usuários. Estes dados possibilitam, por um lado, identificar as áreas críticas da rede onde existem perdas elétricas (focam nas campanhas de fiscalização), e por outro, planejar estratégias de controle de demanda e configuração das redes de distribuição para otimizar seu uso em tempo real. Um ponto importante das conclusões é que um “Smart meter” que não tem seus dados coletados e analisados, nada mais é que um medidor “burro” disfarçado.
Sistemas de computação decentralizada, Edge Computing, relacionados aos Smart Meters
Permitem a coleção e análises de grandes quantidades de dados, apoiando a detecção de perdas elétricas no último quilômetro da rede. Estes sistemas utilizam o conceito de descentralização que envia fisicamente a capacidade de computação na rede de distribuição. Aliada com os Smart Meters e novas tecnologias de comunicação, a Edge Computing permite a coleta e análise de mais dados, e outorga ao sistema de medição maior solidez do que se o sistema fosse centralizado em um só equipamento de computação. O aspeto crítico para o funcionamento destes sistemas é a comunicação, resultando na necessidade de os sistemas terem a capacidade de interligar diferentes protocolos e tecnologias, com altos níveis de confiabilidade.
Os novos sistemas de análises e planejamento de expansão e operação de distribuição
A rede de distribuição, antes uma entidade passiva, agora está se tornando um ente ativo: religadores automáticos, geração distribuidora, sistemas de medição e autuação “inteligente”, levantam um desafio matemático de grandes proporções para o planejamento da expansão da rede, e de sua operação em tempo real. Porém, novas ferramentas para análises avançadas de redes, que utilizam técnicas de aperfeiçoamento heurístico e inteligência artificial, e a crescente capacidade de computação, proveem soluções poderosas. No futuro, podemos esperar que a rede de distribuição seja otimizada e reconfigurada segundo a segundo, de acordo as necessidades da demanda, para garantir o fornecimento com qualidade e confiabilidade.
O encontro foi uma grandiosa oportunidade para trocar experiências, não apenas pela a apresentação dessas novas tecnologias, mas também a apresentação de representantes das maiores concessionárias de energia do Brasil, Equador e República Dominicana. Cada vez mais percebemos que é necessário compreender o combate às perdas elétricas, antes de qualquer coisa, como um problema de ordem social: como promover o acesso universal e seguro à energia elétrica, além da busca por melhores resultados financeiros nas concessionárias de energia.
É nesse contexto que os órgãos de financiamento se apresentam como fundamentais na busca por soluções pertinentes, e sobretudo, no intercâmbio de experiências exitosas na região. Os problemas são comuns e trabalhando juntos as soluções podem ser encontradas mais rapidamente.
Outro ponto destacado foi a criticidade da adequação dos marcos regulatórios, a fim de criar incentivos corretos para à implementação destas novas tecnologias, e garantir a sustentabilidade do setor. Porém, esse é um tema para uma discussão mais profunda, numa próxima publicação. Vamos em frente!
* Rafael Crochemore Ney é engenheiro eletricista, com especialização em Gerenciamento de Projetos e mestrando em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Santa Maria na área de novas oportunidades de modelos de negócios em Geração Distribuída. Possui 18 anos de experiência no gerenciamento de projetos. Atuou na Coordenação Executiva Estratégica para o atendimento energético da Copa do Mundo FIFA 2014. É coordenador dos programas de financiamento com BID e AFD no Grupo CEEE, com foco em projetos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
* Raul Jimenez realiza pesquisas na Divisão de Energia do BID. Suas áreas de interesse incluem economia de energia, avaliação de impacto e econometria aplicada. Raúl é PhD (c) em Economia pela Universidade de Roma Tor Vergata. Possui mestrado em Econometria pela Universidade Torcuato Di Tella e em Economia pela Universidade de San Andrés.
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