Após mais de três décadas de sua concepção, criação e operacionalização, o Sistema Único de Saúde (SUS), que é responsável por um extenso hall de ações e serviços de saúde pública de caráter universal e irrestrito, continua tendo que enfrentar um dos seus maiores desafios: o de ainda precisar ser defendido.
O SUS é uma herança da conquista popular e social da Constituinte de 1988, marcado pelo processo de redemocratização do Brasil, no qual a saúde adquiriu status de direito universal e atribuiu ao Estado responsabilidade indelegável. Naquela ocasião, o nosso sistema de saúde nacional nasceu com vocação e características de seguro social e com uma relevância pública que exigiria, desde então e para sempre, um compromisso estratégico de Governo em todas as suas instâncias.
O sistema público de saúde brasileiro, com previsão de participação complementar do setor privado, está centrado em três pilares fundamentais: universalização, integralidade e equidade. Entender melhor a abrangência desses conceitos é importante para compreendermos mais adiante o tamanho dos desafios do nosso sistema de saúde. Vejamos:
Universalização. Saúde é direito social de todos os cidadãos e responsabilidade do Estado.
Equidade. Oferecer serviços que atendam às necessidades distintas das pessoas, ou seja, reconhecer a pluralidade e diversidade dos grupos populacionais buscando reduzir as desigualdades, promovendo igualdade e justiça.
Integralidade. Oferecer assistência à saúde em todas as dimensões do cuidado (promoção, prevenção, tratamento, reabilitação) com foco no indivíduo como um todo, em todas suas demandas.
Para operacionalizar a rede pública de saúde, em todo o país, a estrutura organizativa do SUS conta com quatro principais princípios doutrinários, que servem para tornar o SUS realidade. São eles:
Juntos, os pilares e princípios do Sistema delimitam e resumidamente caracterizam o SUS como política de Estado e direito do cidadão. Há muito mais no arcabouço jurídico e técnico do SUS; além das seções específicas na Constituição, existe um conjunto consistente de Leis, Normas Operacionais, Decretos, Portarias Ministeriais que são um ordenamento estruturante e conferem ao Estado, gestores públicos e profissionais de saúde, definições essenciais e ferramentas de gestão estratégicas do Sistema. Para saber mais acesse: SaudeLegis
Tratando-se de suas dimensões, segundo dados da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (2017/2018), o SUS acumula números que impressionam e merecem reflexão.
O SUS é o maior sistema público de saúde do mundo, gratuito e universal, para países com mais de 100 milhões de habitantes. Possui excelência mundialmente reconhecida na área de transplantes de órgãos, resposta à epidemia de HIV/Aids, amamentação materna e imunização. É impossível não reconhecer sua relevância, o importante volume, variedade e complexidade da oferta e prestação de serviços à população, que coleciona conquistas com altos impactos coletivos.
Segundo especialistas nacionais e internacionais em recente publicação, as principais contribuições foram para a redução das desigualdades na saúde por meio do aumento na cobertura e acesso aos serviços de saúde (sobretudo na Atenção Primária com o Programa Saúde da Família ampliando a prestação de 4% para 62% da população), com impacto positivo em importantes indicadores de saúde da população, como mortalidade infantil, redução de hospitalizações dentre outros.
No entanto, nem os avanços podem ser esquecidos e tampouco os desafios adiante devem ser subestimados. O Brasil precisará desenvolver medidas consistentes para enfrentar desafios relacionados a:
- Financiamento e alocação dos recursos no âmbito do SUS;
- Governança e estrutura organizativa (três níveis de governo);
- Qualificação e eficiência da gestão pública do Sistema;
- Coordenação assistencial e integração dos serviços de saúde;
- Consolidação das redes de atenção à saúde;
- Regulação e fortalecimento das parcerias público-privadas no SUS;
- Judicialização da Saúde;
- Envelhecimento populacional, aumento das doenças crônicas e demandas crescentes por cuidados socio sanitários às pessoas com dependências funcionais;
- Formação profissional alinhada para as necessidades do mercado da saúde;
- Incorporação tecnológica e inovação transformadoras das práticas em saúde.
O cenário futuro será extremamente desafiador, sobretudo devido às inúmeras fragilidades no cenário nacional político, econômico, às transições socio demográficas e epidemiológicas já iniciadas e, também, o próprio crescente engajamento dos pacientes, ampliação do acesso à informação, aumento nas demandas por qualidade dos serviços e atendimento às necessidades individuais e coletivas de saúde.
Considerando que os desafios são complexos, é preciso que ocorra um movimento ordenado entre decisão política, estratégica, técnica, gestão de mudanças, muita criatividade e transparência para dialogar com a sociedade e entregar o que esta precisa e espera.
Para garantir a sustentabilidade do SUS nas próximas décadas será imprescindível desenvolver investimentos estratégicos em infraestruturas essenciais, apostar nas tecnologias de informação e comunicação, utilizar dados confiáveis para tomada de decisão gerencial e clínica, reduzir desperdícios e eliminar duplicidades no Sistema, melhorar os padrões de eficiência em toda a rede de serviços e ações de saúde, sejam eles públicos ou privados.
Consolidar conquistas e implementar melhorias contínuas deve ser o compromisso público para que o SUS não precise mais se defender dos seus próprios usuários.
É preciso conquistar o espaço onde a população brasileira poderá um dia reconhecer no SUS uma política social amplamente inclusiva, de qualidade e potencialmente redutora das desigualdades sociais no Brasil.
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