A vida como conhecíamos mudou drasticamente da noite para o dia como resultado do coronavírus. Em todo o mundo estão sendo tomadas diversas medidas para retardar o aumento exponencial dos casos de infecção e reduzir a pressão sobre a capacidade dos sistemas de saúde em atender esses casos. Nas últimas semanas, muitos países intensificaram seus esforços em adotar medidas de distanciamento social, como fechar escolas, limitar grandes aglomerações de pessoas e fechar fronteiras. Mais recentemente, alguns países implementaram quarentenas obrigatórias, determinando que as pessoas permaneçam em casa, e decretando o fechamento de negócios não essenciais.
Dado que a doença causada pelo coronavírus (também conhecida como COVID-19) atingiu a América Latina e o Caribe mais tarde do que a outras regiões, a adoção de medidas eficazes de distanciamento social logo no início poderia ser decisiva. A região ainda tem chance de achatar a curva da infecção. Hoje, quase todos os países da região adotaram algum tipo de medida de distanciamento social e mais de 10 impuseram quarentenas totais (a Tabela 1 apresenta detalhes).
Mas como saber se as medidas de distanciamento social estão realmente funcionando? Que impacto terão essas medidas em ajudar a América Latina e o Caribe a enfrentar o coronavírus?
Tabela 1. Data dos primeiros casos de coronavírus e da implementação das respectivas medidas de distanciamento social e quarentenas na América Latina e Caribe
Nota: Informações até 25 de março de 2020.
O BID e o BID Invest uniram forças para lançar o Painel de Impacto do Coronavírus com o intuito de acompanhar em tempo real o impacto do vírus nos países da região. O painel acompanha uma série de variáveis para oferecer a formuladores de política pública na América Latina e no Caribe, a epidemiologistas e ao público em geral indicadores do impacto do surto do coronavírus no comportamento das pessoas e na atividade econômica.
A primeira versão do painel apresenta dados diários sobre os casos de infecção e mortes, bem como indicadores proxy do distanciamento social, como a variação da intensidade dos congestionamentos de trânsito e do uso de transporte público. À medida que a crise evolua, atualizaremos continuamente os dados e acrescentaremos variáveis para ajudar a entender e combater o impacto do coronavírus na região.
Por que monitorar os congestionamentos? A variação dos padrões de congestionamento de trânsito pode ajudar a medir a extensão do distanciamento social ao capturar as decisões das pessoas quanto a sua mobilidade, assim como a evolução da atividade econômica. De acordo com um relatório da INRIX, o trânsito pode ser um indício de uma economia saudável, uma vez que mede o deslocamento das pessoas aos seus trabalhos e o movimento do comércio. Embora a capacidade de uma via de modo geral seja constante (a menos que seja melhorada ou ampliada), o número de pessoas e de mercadorias que transitam por uma via flutua, em parte, com a variação da atividade econômica.
Os dados sobre congestionamento de trânsito informados no painel vêm de nossa parceria com o Waze, um aplicativo de navegação que se alimenta de informações fornecidas pelos seus usuários. Como parte dessa colaboração, recebemos dados agregados e geocodificados em tempo real sobre as condições do trânsito, e alertas enviados por usuários do Waze de toda a América Latina e o Caribe a cada dois minutos. Usando esses dados, construímos uma medida de Intensidade dos Congestionamentos de Trânsito (mais detalhes aqui, somente em inglês) para capturar as variações diárias e as medir em relação a um período de referência. Escolhemos a semana de 1 a 7 de março de 2020 como período de referência ou comparação, porque durante essa semana os padrões de tráfego não foram afetados por feriados regionais (por exemplo, carnaval ou férias escolares) e os casos de coronavírus informados na região ainda eram muito poucos. Além disso, as restrições ou recomendações de distanciamento social ainda não haviam sido anunciadas pelos governos.
Os dados indicam que a Intensidade dos Congestionamentos de Trânsito na região recuou consideravelmente desde o início da crise, como mostra a Figura 1. Em média, no período de 8 a 26 de março, os congestionamentos nas regiões metropolitanas de Bogotá, Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Port of Spain, São Paulo e Santiago caiu entre 34% e 63%, com a maior queda registrada em Port of Spain e a menor verificada na Cidade do México (ver o painel para mais dados a nível de áreas metropolitanas e de países). Curiosamente, na semana encerrada em 15 de março, quando quase nenhum país havia implementado medidas de distanciamento social ainda, os congestionamentos já eram mais leves do que o normal em várias regiões metropolitanas, com as maiores diminuições observadas em Port of Spain (33%) e Bogotá (20%).
Figura 1. Variação da Intensidade dos Congestionamentos de Trânsito em regiões metropolitanas selecionadas da América Latina e do Caribe
Nota: Variação percentual medida em relação à semana de 1 a 7 de março. Baseado nos dados do Waze for Cities. Fonte: Painel de impacto do coronavirus do BID e do BID Invest.
É evidente que o comportamento das pessoas está mudando rapidamente. Embora isso possa ser explicado parcialmente pelo medo, pelo desejo de evitar o contágio ou pelo compromisso pessoal de ajudar a reduzir a propagação da doença, as reações mais extremas parecem ser decorrentes das medidas impostas pelos governos. Por exemplo, na semana de 16 de março teve início um declínio acentuado do indicador de Intensidade dos Congestionamentos de Trânsito, momento em que quase todos os países da região já haviam implementado algum tipo de medida de distanciamento social. As regiões metropolitanas que se destacam são Lima (diminuição de 86%) e Port of Spain (diminuição de 83%). Embora possa ser cedo demais para determinar o impacto total das quarentenas e de outras medidas, até 26 de março Bogotá, Buenos Aires, Lima, Port of Spain e São Paulo haviam registrado uma diminuição de cerca de 90% ou mais nesse indicador.
A análise dos dados de transporte público sugere padrões semelhantes. A Figura 2 mostra dados do uso do Metropolitano, o sistema de corredores exclusivos para ônibus (BRT) de Lima, onde a utilização do transporte público diminuiu cerca de 80% em comparação com os níveis normais. Além disso, dados do Moovit, um aplicativo de mobilidade urbana, mostram reduções que vão de 41% a 88% em cidades da América Latina (Figura 3).
Figura 2. Variação da utilização do transporte público, Metropolitano, Lima, Peru
Nota: Variação percentual medida em relação à semana de 15 de janeiro. Dados do Município de Lima.
Figura 3. Variação do uso do transporte público em cidades selecionadas da América Latina com base no Moovit
Nota: Variação percentual medida em 26 de março em comparação com a semana de 15 de janeiro. Dados do Moovit. Fonte: Painel de impacto do coronavirus do BID e do BID Invest.
Outras análises também começaram a estimar os efeitos do distanciamento social na região. Um blog recente do BID mostrou como o número de buscas por “Netflix” explodiu na maioria dos países da América Latina e do Caribe (47% em média), enquanto as buscas por “cinema” (-42%) e “restaurante” despencou (–34%), um reflexo de que as pessoas estão ficando em casa cada vez mais.
Essas análises não são meramente curiosidades acadêmicas; acreditamos que é muito importante monitorar os efeitos do distanciamento social. Existe evidência de surtos anteriores, incluindo a pandemia de gripe de 1918 e o surto de Ebola de 2014, de que o distanciamento social pode efetivamente limitar a propagação da infecção. As restrições impostas pelos governos em todo o mundo refletem um consenso de que essas são ações dolorosas, mas necessárias. Prover evidência sobre onde e quando essas restrições estão funcionando bem (ou quando e onde não estão) pode orientar respostas de política imediatas que poderiam salvar vidas.
Nas próximas semanas, provavelmente começaremos a observar outros impactos além daqueles no tráfego. Convidamos governos e empresas que coletam dados de alta frequência a se associarem a nós no Painel de Impacto do Coronavírus para que possamos continuar a conscientizar sobre os efeitos do coronavírus e ajudar a disseminar essas informações na América Latina e no Caribe.
São tempos extremamente desafiantes para os países de todo o mundo, mas os efeitos do coronavírus podem ser potencialmente piores nos países em desenvolvimento, onde a infraestrutura dos sistemas de saúde é limitada e as desigualdades econômicas preocupantes. Zelar para que os cidadãos da América Latina e do Caribe se mantenham em casa e sigam rigorosamente as recomendações de distanciamento social pode efetivamente fazer a diferença na capacidade da região em enfrentar esta pandemia.
* Este artigo foi elaborado pela equipe do BID e do BID Invest encarregada do Painel de Impacto do Coronavírus. A equipe é comandada por Oscar Mitnik e Patricia Yañez-Pagans. A equipe técnica é formada por Beatrice Zimmermann, Daniel Martinez, Edgar Salgado, João Carabetta, Luciano Sanguino, Maria Paula Gerardino e Mattia Chiapello.
O conteúdo foi publicado originalmente em espanhol e em inglês
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