Luana Ozemela*
A última conferência do Instituto Ethos, realizada neste mês, aprofundou as discussões sobre como viabilizar negócios sustentáveis e como fazer com que estes compromissos se materializem em verdadeiro impacto social e ambiental. Estamos falando de um modelo de empresas em que o lucro se torna um meio para se atingir impacto social. E como viabilizar estes negócios? Eis algumas iniciativas que estão em curso:
– Empresas devem medir o impacto de suas ações utilizando métodos rigorosos: Através de um estudo da John Hopkins, a empresa Grameen-Danone em Bangladesh conseguiu provar que o seu produto, o iogurte fortificado, teve impacto positivo no estado nutricional e no desempenho cognitivo das crianças em idade escolar. A metodologia usada para estimar o impacto foi a mesma que se utiliza para analisar o impacto de políticas públicas – a análise econométrica quase experimental ou os experimentos controlados randomizados.
– Criar um ambiente favorável para as parcerias público-privadas a fim de aumentar a inclusão produtiva de pessoas vulneráveis: O setor privado tem aí uma oportunidade inexplorada, não apenas de vender um produto ou serviço de impacto, mas de causar uma mudança estrutural nas comunidades do entorno dos empreendimentos ou aquelas atreladas à cadeia de valor. As empresas precisam ser mais agressivas com relação à busca ativa de pessoas vulneráveis que possam se beneficiar do seu modelo negócio não só como consumidores, mas como possíveis fornecedores e parceiros numa cadeia de valor. A oportunidade é enorme: existem hoje cerca de 82 milhões de pessoas no cadastro único de transferências condicionadas no Brasil, das quais mais de 80% sem carteira assinada segundo dados da Pesquisa de Acompanhamento de Programas e Ações de Desenvolvimento Social (PADs) de 2013 do Ministério de Desenvolvimento Social.
– Desenvolver instrumentos de financiamento inovadores para os produtos e empresas com impacto social: Os títulos de impacto social estão sendo testados no Reino Unido, na Austrália e nos EUA, e em fase de desenho em 11 países, sendo a Colômbia o único país da América Latina. Esses títulos permitem que empresas sociais ou até governos consigam levantar recursos de investidores que estão interessados em financiar projetos de grande impacto social. Esses instrumentos complementam políticas públicas porque ajudam a financiar áreas onde é difícil obter o financiamento regular.
Eles funcionam da seguinte maneira. Suponhamos que o governo queira reduzir a taxa de reincidência de presidiários em 10% nos próximos dois anos e está disposto a pagar pelo resultado um valor equivalente ao retorno social e fiscal obtido com a queda na reincidência. Uma agência intermedia as negociações contratuais entre o governo, provedores de serviço e investidores e apoia com a concepção e implementação do processo de aquisição de títulos de impacto social. Por sua vez, para obter os resultados esperados pelo governo, a agência intermediadora, juntamente com os investidores, identifica o provedor de serviços de impacto.
O recurso captado dos investidores é usado como capital de giro pela empresa social para o provedor de serviços poder implementar o programa com os ex-presos. Ao término do programa, o governo utiliza um avaliador independente para verificar se houve ou não resultado social e economia para os cofres do governo.
Havendo resultado, o governo paga a agência intermediadora por desempenho que, por sua vez, paga a dívida com os investidores com juros. Se não houver resultado, tanto o governo como os investidores saem perdendo. Por um lado, os investidores não recebem o dinheiro de volta. Do outro o governo, não consegue obter a economia nos cofres públicos que estava buscando.
O modelo transfere o risco associado com o financiamento do serviço aos investidores. Ele só se aplica a áreas de intervenção prioritárias para o governo, onde há a expectativa que o impacto social gere uma redução significativa de custo para os cofres públicos. Se a redução de custo é mais alta que o pagamento do bônus haverá um incentivo para o governo querer esse tipo de programa.
Este esquema produz um incentivo muito grande por parte dos investidores para obtenção do impacto social e permite criar incentivos para atores públicos, privados e não governamentais trabalharem em prol do impacto social. A seguir uma demonstração da lógica dos títulos:
A conferência Ethos deste ano comprovou que as empresas brasileiras caminham na direção certa, mesmo que a passos lentos. Falta criar um ambiente favorável e muito ainda pode ser feito tanto pelo setor privado quanto pelo setor público. Destaco ainda a adoção de definição para os produtos e empresas de impacto, métricas mais robustas para análise de impacto social, o desenvolvimento de mecanismos de financiamento inovadores e tributação diferenciada para produtos e empresas que resolvam desafios sociais e ambientais.
*Associada Sênior da Divisão de Mercados de Capitais e Instituições Financeiras do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
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