Vicente Fretes Cibils e Andrés Muñoz*
Quando Teresa Ter-Minassian e eu nos propusemos a observar o desempenho fiscal na América Latina e Caribe nas últimas décadas, esperávamos encontrar uma série de referências como: “As coisas poderiam ser diferentes se…” ou “Se tivesse sido feito de outra maneira…”. Muitos acadêmicos e jornalistas frequentemente qualificam a América Latina como a “região do futuro”. Isso tem algo de verdade porém, ainda resta um grande obstáculo que a região deve superar conjuntamente para alcançar um crescimento sustentável e inclusivo: o desempenho da arrecadação deve melhorar consideravelmente.
O livro “Descentralizando los Ingresos Fiscales en América Latina: Por Qué y Cómo”, publicado recentemente, analisa os níveis em que sete países – Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, México, Peru e Venezuela – conseguiram descentralizar seus sistemas tributários, aumentando sua arrecadação. O livro também examina por que muitos países ainda se encontram longe de chegar a seu potencial máximo de arrecadação. A resposta mais sensível é que em muitos países da região, os impostos seguem sem estar desenhados para impulsionar o desenvolvimento e o crescimento.
Na medida em que o processo de descentralização se aprofundou na região, o gasto por parte dos governos subnacionais como porcentagem do gasto público total, aumentou de 20% em 1985, para em torno de 30% em 2010. Ao mesmo tempo, a porcentagem de arrecadações de fontes próprias mobilizado por estes governos permaneceu em aproximadamente 10% do total nacional.
O ritmo de descentralização incomum da região gerou uma crescente brecha entre o gasto subnacional e as arrecadações por fontes próprias, comumente denominada “desequilíbrio vertical”. Tais desequilíbrios tem gerado nos governo subnacionais da América Latina uma forte dependência dos governos centrais, que efetuam transferências para cobrir seus gastos. Infelizmente, esta dependência trouxe resultados adversos para a responsabilidade fiscal, a provisão dos serviços públicos socialmente significativos, e os incentivos políticos para oferecer estes serviços com baixos padrões de qualidade e eficiência aceitáveis.
Em nível regional, pelo menos três quartos dos impostos subnacionais são transferidos dos governos centrais, aumentando a vulnerabilidade e imprevisibilidade das finanças e dos governos subnacionais da região. O desequilíbrio vertical médio da América Latina é significativamente mais elevado que os países da OCDE, e da Europa do Leste e Ásia, como se observa aqui:
Neste contexto, o Brasil se caracteriza por um grau elevado de descentralização de receitas no nível estadual, que representam mais de 9% do PIB. Entretanto, no caso dos municípios, este nível alcança apenas 2% do PIB e estes entes federativos acabam dependendo fortemente de transferências fiscais intergovernamentais.
Fontes de Impostos Subnacionais
O relatório mostra que os desequilíbrios verticais podem variar enormemente em um mesmo país, dependendo de características econômicas e sociais tais como nível e composição setorial do PIB subnacional, incidência de pobreza, nível de urbanização e estruturas demográficas. Estas diferenças afetam a distribuição das bases tributáveis subnacionais de cada país, e, dependendo de fatores institucionais e políticos, podem afetar também os esforços dos diferentes governos subnacionais por elevar seus impostos de fontes próprias.
Como se observa na Tabela 1.2, todos os países da região com exceção do México, possuem uma forte dependência de impostos indiretos, especialmente aqueles sobre o volume de negócios (Argentina e Colômbia), valor agregado (Brasil) e impostos especiais (Colômbia e Venezuela) como suas principais fontes de renda própria. Existem encargos sob a propriedade (imóveis e veículos) na maioria dos países. Apenas o México possui um imposto subnacional sobre a folha de pagamento.
Já o sistema tributário subnacional brasileiro apresenta falhas que afetam negativamente a eficiência, equidade e competitividade do país. A forte dependência dos estados do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o qual possui uma ampla variedade de taxas impositivas para distintos bens e serviços, tem produzido uma “guerra fiscal” feroz entre os estados e tem aumentado o custo das obrigações tributárias para o contribuinte. E do seu lado, os governos municipais não aproveitam, por exemplo, as bases tributárias dos impostos prediais e de serviços.
Oportunidades Políticas
A análise do livro sugere que os sistemas de receita de fontes próprias subnacionais da América Latina diferem significativamente tanto no nível de cargas impositivas, distribuição entre tipos diferentes de governos intermediários e locais, peso dos diversos encargos, seus efeitos sobre a eficiência produtiva e a equidade, e efetividade da administração dos recursos. Estas diferenças requerem estratégias de reforma e prioridades diversas entre os países.
O livro também demonstra que a maioria dos países combina mecanismos de partilha das receitas baseados em fórmulas, com uma variedade de grupos de subsídios ou operações especiais. A magnitude de cada mecanismo frente às transferências totais, o critério para a distribuição horizontal de partilha das receitas e o nível de discriminação dos subsídios, variam de país a país e podem afetar os esforços dos governos subnacionais por mobilizar suas receitas próprias.
Entre as opções de políticas e oportunidades a serem consideradas pelos governos da região, se encontram: os países devem permitir que os governos subnacionais estabeleçam sobretaxas sobre os impostos nacionais existentes, como ganhos pessoais ou vendas no varejo, evitando guerras fiscais entre entidades subnacionais como as ocorridas no Brasil; e que os governos apoiem iniciativas para prevenir a erosão da arrecadação fiscal imobiliária pelos governos locais. Tais medidas poderiam incluir investimentos na modernização dos sistemas de gestão impositiva que garantem a correta informação de securitização e estabeleçam processos transparentes para estimar os valores dos imóveis.
Com o objetivo de estimular os governos locais a aumentar sua fonte de receita, os governos centrais deveriam assegurar-se de que os montantes de transferência considerem as necessidades financeiras de cada entidade subnacional, e que os recursos transferidos sejam direcionados a gastos específicos em nível subnacional.
Conclusão
Em suma, o livro enfatiza que a descentralização das receitas fiscais varia enormemente entre os países, porém em termos gerais, a região sofre um forte desequilíbrio na descentralização impositiva que leva a sérias consequências para o desenvolvimento local. A carência de uma base tributária estável debilita a autonomia dos governos subnacionais na seleção e implementação das políticas mais convenientes de acordo com suas necessidades e preferências. As lições decorrentes do estudo oferecem aos países da região importantes achados para continuar avançando em suas agendas de descentralização fiscal.
Baixe a publicação gratuitamente em www.iadb.org/descentralizacion
*Vicente Fretes Cibils é Chefe da Divisão de Gestão Fiscal e Municipal do Setor de Instituições para o Desenvolvimento do BID. Colaboração de Andrés Muñoz.
Este post foi originalmente publicado por Recaudando Bienestar.
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