O cenário atual de recessão global vem resultando em uma enorme pressão fiscal e pede urgência para repensar como devemos combinar soluções financeiras públicas e privadas para alavancar investimentos necessários para responder à crise climática e ambiental e à transição para um desenvolvimento mais sustentável.
O Fórum Econômico Mundial estimou que o custo de transição das economias para se tornarem carbono neutras até 2025 esteja em torno de USS 3,5 trilhões adicionais por ano.
Não por acaso, a necessidade de repensar o sistema global de financiamento do desenvolvimento a fim de mobilizar recursos para acabar com a pobreza extrema e mitigar os efeitos da mudança do clima vem sendo central em todos os recentes fóruns globais.
O papel do financiamento privado criativo nesse cenário deixa de ser apenas uma opção e passa a ser fundamental. Para isso, os países em desenvolvimento terão que fazer melhor uso dos recursos públicos para catalisar e engajar o investimento do setor privado em larga escala, para que sua transição a uma economia sustentável, de baixo carbono e resiliente seja possível.
Blended finance, a mistura necessária
Nesse contexto, o blended finance, que combina diferentes tipos de capital, como público e privado, se torna fundamental para instrumentalizar, em escala, formas inovadoras de alavancar investimentos sustentáveis. Os recursos advindos da filantropia – mais ágil e propensa a testar modelos e assumir riscos – têm enorme potencial de promover inovações financeiras quando combinados com recursos privados, dos organismos multilaterais, ou de fundos governamentais e de bancos de desenvolvimento.
O recurso global advindo de fundações filantrópicas espalhadas por 22 países e Hong Kong foi avaliado em US$ 1,5 trilhão em 2018. Considerando-se que a estimativa não foi exaustiva na cobertura dos países nem na inclusão de todas as fundações atuantes nos países avaliados, e que muitas organizações optam por não divulgar amplamente seus números, devido a questões de privacidade e segurança, pode-se tranquilamente afirmar que o montante real é muito maior. Desse total, US$ 300 milhões seriam provenientes do Brasil. De acordo com a mesma fonte, US$ 103 trilhões seriam atribuídos ao investimento tradicional do setor privado, o que dá uma dimensão do potencial de alavancagem que a estratégia de blended finance pode alcançar.
Os recursos filantrópicos, combinados com recursos públicos e privados, podem maximizar recursos e impacto, minimizar custos, taxas de juros e riscos e desenvolver veículos de investimento, via equity, empréstimos concessionais e garantias e estruturas financeiras que maximizam o poder de alavancagem do setor privado e otimizam o uso de fundos filantrópicos. Reduz-se, com isso, o risco de projetos de alto impacto que, de outra forma, não seriam vistos como passíveis de investimento.
Apetite de entidades filantrópicas por blended finance é crescente
Cerca de 680 operações de blended finance já foram estruturadas mundo afora (2007-2018), sendo que o total mobilizado chegou a cerca de US$ 160 bilhões em 2020 (Convergence, 2021). Por outro lado, o valor investido em negócios de impacto socioambiental por outros meios, neste mesmo ano, chegou a US$ 715 bilhões, somando os esforços de 1.700 investidores de impacto em todo o mundo (Global Impact Investing Network), o que reforça o potencial ainda muito pouco explorado de investimento coletivo.
O uso do blended finance vem sendo reconhecido como grande oportunidade para alavancar os investimentos sustentáveis por filantropias globais. No Brasil, observamos um crescente interesse por parte da filantropia em potencializar seu impacto por meio desse mecanismo para impulsar os investimentos sustentáveis
Segundo a OCDE, 89% das instituições filantrópicas realizam aportes por meio de doações; 49% implementam seus próprios projetos; 40% fazem match de seus recursos (quando se aporta um montante equivalente ao de um parceiro financiador); 28% trabalham com equity; 26% trabalham com empréstimos e 15%, com garantias. O Censo GIFE de 2020 indica um volume total investido de R$ 5,3 bilhões por parte de 131 respondentes entre seus associados.
O tema de ambiente natural e sustentabilidade recebe 37% de atenção, ocupando a 10ª posição na lista de focos temáticos. Participação em iniciativas com blended finance passaram a ocupar 13% da estratégia de mobilização de recursos das organizações em 2020, sendo apontada como uma das estratégias com maior margem de crescimento no segmento de investimento social privado.
Desenvolver soluções de blended finance no Brasil pode ser uma oportunidade única. O país tem potencial para ser protagonista de um novo modelo de produção e competitividade baseado no seu potencial único de ativos verdes e numa trajetória para se transformar em um país carbono neutro.
Blended finance no Brasil: um caminho verde de oportunidades
O Brasil conta com o maior potencial de restauração de áreas degradadas do mundo – são 100 milhões de hectares no país, segundo a Embrapa. Essa agenda poderia se beneficiar de mecanismos de blended finance para lidar com elevados custos que dificultam o processo de recuperação – o custo médio por hectare pode variar entre US$ 2 mil na Amazônia e US$ 3 mil no Cerrado. Além disso, faltam insumos, como sementes e mudas de qualidade e mão de obra para aplicar o conhecimento técnico-científico de ponta.
Segundo a The Nature Conservancy (TNC), considerando áreas degradadas na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, seria necessário um investimento entre US$ 700 milhões e US$ 1,2 bilhão por ano para cumprir a meta até 2030. Arranjos produtivos como sistemas agroflorestais (SAFs), em que espécies perenes convivem com culturas agrícolas e/ou animais, têm sido implementados com experiências bastante exitosas, mas que ainda estão longe de atingir escala. O blended finance poderia catalisar o investimento filantrópico necessário para apoiar instituições capazes de organizar o trabalho das redes de sementes já estruturadas em cada bioma.
Nessa agenda, muitos atores tem um papel complementar a cumprir. Governos precisam fomentar e regulamentar políticas e medidas de descarbonização em alinhamento com a velocidade e rigor sugeridos pela ciência. Empresas devem reduzir suas emissões diretas e indiretas e investir na restauração e proteção de ecossistemas nos locais que abrigam suas operações. Emissões residuais inevitáveis podem ser compensadas por meio da aquisição de créditos de carbono verificados e oriundos de projetos que promovam a remoção segura e permanente, complementando sua estratégia de abatimento direto de carbono.
É preciso fomentar o uso de mecanismos de financiamento mais sofisticados como o de blended finance, indo além de uma simples combinação de recursos de fontes distintas. Bancos privados não tomam risco para determinados projetos e poderiam aprimorar sua estrutura para promover crédito de forma mais inovadora, com linhas de financiamento diferenciadas ou como repassadores de última milha de instituições financeiras de desenvolvimento. Filantropias ainda exploram o mecanismo de forma tímida e pouco sofisticada. Investidores privados precisam priorizar investimentos de impacto socioambiental positivo. Family offices podem redirecionar suas carteiras de investimento. Empresas privadas com capacidade de dar escala às soluções podem investir na sua construção desde o início do processo.
Uma estrutura financeira robusta remove barreiras típicas de custo elevado de tecnologia e inovação e retorno inicial insuficiente, viabilizando investimento em estratégias como a do hidrogênio verde e eólicas offshore, ou fazendo com que o crédito chegue a um custo menor (seja via redução de taxa de juros ou por meio de garantias e promoção de crowdfunding) em comunidades que moram em áreas passíveis de restauração, mas que por não terem histórico creditício, não conseguem financiamento.
A solução precisa ser coletiva na sua construção, implementação e monitoramento. Os resultados precisam ser acompanhados do ponto de vista econômico, ambiental e social. E todos os setores precisam estar envolvidos e cumprir com sua responsabilidade, que é compartilhada. Não por altruísmo, ganho de imagem ou posicionamento perante o mercado. Temos sete anos para reduzir as emissões em 43% para limitar o aumento da temperatura média na superfície terrestre em 1,5ºC. Precisamos trabalhar como velocidade e senso de urgência para implementar essa agenda de projetos transformadores.
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