A América Latina e o Caribe estão no processo para se tornar uma região envelhecida. As projeções populacionais das Nações Unidas não deixam margem para dúvidas: nas próximas décadas, a região enfrentará um cenário de baixas taxas de natalidade e aumento da longevidade. Em 2050, a estrutura populacional da região já não terá a forma de pirâmide, mas sim de coluna. E, por volta de 2060, a população deverá deixar de crescer, ou poderá até diminuir.
E, como está acontecendo em outras regiões do mundo, o processo de envelhecimento da população na América Latina e no Caribe também traz desafios para os sistemas previdenciários. O aumento da longevidade alterará o equilíbrio entre a capacidade de proporcionar aposentadorias dignas para grandes parcelas da população e de manter esse benefício ao longo do tempo. Em alguns casos, os valores das aposentadorias podem diminuir em relação aos níveis atuais, ou as taxas de contribuição podem ter que aumentar para níveis que dificultariam a criação de empregos formais. Diante deste cenário, como nossa região pode se preparar para transformar o desafio do envelhecimento em uma oportunidade?
Ainda que a América Latina e o Caribe tenham atualmente realidades muito diferentes das de países com processos de envelhecimento mais avançados, como Japão, Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia ou Cingapura, podemos aprender com a experiência desses países e adaptá-las à nossa realidade.
Japão, o país mais envelhecido do mundo
O Japão está mergulhado no processo de envelhecimento mais expressivo da história. De acordo com as projeções oficiais do governo, a população deverá diminuir em 44 milhões de pessoas entre 2008 e 2100, como resultado da baixa fertilidade e da migração compensatória insuficiente. Ao mesmo tempo, o Japão ostenta a maior expectativa de vida do mundo – 85 anos de estimativa ao nascer – sendo que seus cidadãos gozam do maior tempo de aposentadoria, com uma média de quase 25 anos.
Essas tendências representam um grande desafio para a sustentabilidade do sistema previdenciário do país. Embora as aposentadorias proporcionadas sejam relativamente modestas e precisem ser complementadas por meio de recursos privados, por si só elas representam um gasto público equivalente a 10,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Estima-se que o envelhecimento da população poderia levar a um aumento adicional nos gastos sociais de cerca de 5 pontos percentuais do PIB entre 2020 e 2060.
Diante disso, o Japão implementou uma série de reformas para manter a solvência financeira do seu sistema previdenciário:
- Em 2004, reduziu o valor das aposentadorias de forma generalizada e incorporou um fator de ajuste de acordo com a evolução da taxa de dependência. Além disso, introduziu um aumento progressivo para a idade de se aposentar, de 60 para 65 anos. Atualmente, há discussões que propõem aumentar a idade para 70 anos.
- Em 2006, foi instituída a possibilidade de combinar o recebimento de uma aposentadoria com a renda de um emprego remunerado, desde que não seja ultrapassado um limite estabelecido, a partir do qual a aposentadoria é reduzida.
- Em 2015, os pagamentos de aposentadoria foram disponibilizados após 10 anos de contribuições, mas, para receber o valor máximo, são necessários 40 anos de contribuições. Também se aplica uma penalidade de 6% ao ano para a aposentadoria antecipada, enquanto o adiamento dela rende um adicional de 8,4% ao ano.
Apesar desses esforços, o último relatório oficial do governo, de 2019, afirma que é necessário um corte adicional de 30% na aposentadoria básica para alcançar a sustentabilidade financeira até 2050. Diante desse cenário, o Fundo Monetário Internacional enfatizou a necessidade de implementar reformas o mais rápido possível em resposta ao envelhecimento, principalmente em áreas sensíveis como aposentadoria, saúde e cuidados de longo prazo:
- Modificar o financiamento da seguridade social, passando do imposto sobre a folha de pagamento para o imposto sobre o consumo;
- Implementar reformas voltadas para a flexibilização do mercado de trabalho;
- Introduzir um esquema de Crédito Fiscal por Remuneração Recebida (sigla em inglês: EITC) que incentiva a poupar para a aposentadoria e amparar os aposentados de baixa renda;
- Impulsionar ainda mais o aumento da produtividade;
- Adotar estratégias de envelhecimento ativo para favorecer as oportunidades e a qualidade de vida das pessoas em processo de envelhecimento.
Como Suécia, Holanda e Dinamarca garantem um sistema previdenciário equilibrado?
Suécia
A Suécia é conhecida por suas reformas previdenciárias pioneiras. Seu sistema atual combina contas “nocionais”, isto é, contas virtuais que registram todas as contribuições previdenciárias de um trabalhador ao longo da vida, as quais são levadas em conta no cálculo da aposentadoria, e capitalização individual, com valores baseados nas contribuições e na expectativa de vida ao se aposentar.
Esses mecanismos têm se mostrado sustentáveis do ponto de vista financeiro. Em 2010 e 2011, foi observada uma redução de 3,4% nos valores das aposentadorias, e, em 2014, foi registrada uma redução de 2,7%. Embora essas reduções sejam relativamente moderadas, geraram um importante debate sobre o regime de previdência na Suécia. No futuro, espera-se que o aumento da longevidade diminua as aposentadorias, levando a um aumento na idade de se aposentar e a uma indexação parcial à expectativa de vida.
Holanda
A Holanda manteve a idade de aposentadoria em 64 anos entre 1957 e 2012. Depois disso, decretou que a idade aumentará ano a ano, até atingir 66 anos em 2024. Portanto, a partir de 2025, o aumento será recalculado com base na expectativa de vida aos 65 anos e será anunciado cinco anos antes de entrar em vigor, com o objetivo de dar a cada geração um fase de desacumulação (ou seja, de pagamento de aposentadorias acumuladas durante o período produtivo) semelhante, de 20 anos.
Dinamarca
A Dinamarca foi um dos primeiros países a legislar o aumento da idade de aposentadoria e sua indexação à expectativa de vida; o objetivo era manter um período de aposentadoria constante de 14,5 anos. As mudanças na idade de aposentadoria nesse país são anunciadas 15 anos antes de ocorrerem e não podem ser inferiores a 6 meses ou superiores a 1 ano a cada período de 5 anos. O primeiro aumento foi definido em 2015 e será implementado em 2030, elevando a idade de aposentadoria de 67 para 68 anos. O mecanismo de indexação incorpora diretamente um fator de gênero (tabelas de mortalidade unissex). Optou-se por incorporar um esquema de aposentadoria antecipada que compensa as diferenças de longevidade para atender às diferenças socioeconômicas.
O sistema dinamarquês, no qual a idade para a aposentadoria aumenta de forma lenta e constante, ajuda a reduzir a resistência à mudança, permite um planejamento adequado e garante uma transição mais suave para uma vida profissional mais longa. A Dinamarca implementou um conjunto de medidas complementares com o objetivo de garantir a aceitação social dessa política, como proporcionar flexibilidade na transição de um emprego de tempo integral para um de meio período (até a aposentadoria) e oferecer alternativas para aqueles que não podem continuar trabalhando por motivos de saúde. A estratégia garantiu que o aumento da idade de aposentadoria fosse visto não apenas como necessário, mas também como equitativo e viável, contrastando, por exemplo, com o recente caso da França.
O enfoque integrado de Cingapura
Cingapura é uma das sociedades de renda alta que envelhecem mais rapidamente. Com efeito, espera-se que o crescimento populacional seja negativo entre 2030 e 2035 e que a taxa de dependência (o número de pessoas que dependem da população economicamente ativa) aumente dos 12% de 2020 para 61% em 2050.
Os cingapurenses têm uma expectativa de vida longa no nascimento (84,8 anos) e costumam se aposentar aos 65 anos. O país é representa uma referência de política pública porque não ficou apenas nas questões de previdência, mercado de trabalho e saúde, mas adotou uma ampla abordagem integrada que engloba política habitacional, infraestrutura e cuidados de longo prazo, tecnologia e ambiente de negócios inclusivo para as pessoas idosas:
- O valor das aposentadorias é ajustado para responder ao aumento da expectativa de vida. Também ficou decidido aumentar a idade de aposentadoria para 70 anos em 2030;
- Existem programas complementares para investir em habilidades para o trabalho e capital humano, em infraestrutura (com moradias, saúde e tecnologia adaptadas à idade) e em capital organizacional por meio da promoção de redes de serviços sociais compatíveis com a idade;
- Há uma ampla gama de serviços digitais e tecnologias financeiras adaptadas para idosos;
- As contribuições para a aposentadoria foram aumentadas recentemente. No entanto, foram aprovados subsídios de contribuição para famílias de baixa renda e estão sendo introduzidos mecanismos para incentivar a poupança voluntária;
- Estão sendo implementadas medidas para facilitar o prolongamento da vida profissional mediante um programa de reemprego e a reformulação dos planos de saúde.
Cenário na América Latina e no Caribe
É evidente que nenhum sistema previdenciário está imune aos efeitos do aumento da longevidade. As despesas com previdência social representarão uma parcela cada vez maior dos gastos públicos e a região deve promover reformas profundas o quanto antes para lidar com os impactos da mudança demográfica iminente.
Cabe à nossa região aprender com as experiências internacionais e antecipar medidas para ajustar a idade de aposentadoria de acordo com as variações da expectativa de vida, promover o trabalho digno para os idosos e preparar o terreno para que essa mudança ocorra com altos níveis de aceitação social.
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