A urbanização de comunidades em áreas de risco é um dos grandes desafios das cidades, especialmente quando envolve populações vulneráveis e condições geológicas críticas. No caso de Niterói, o Programa de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Social (PRODUIS), uma parceria entre a Prefeitura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fornece um exemplo concreto de como intervenções urbanísticas bem planejadas podem transformar áreas de risco em espaços públicos de qualidade, melhorando a vida da comunidade e mitigando os riscos de desastres naturais.
Áreas Remanescentes: Espaços de risco que se tornam soluções urbanas com foco na primeira infância
A Prefeitura Municipal de Niterói promoveu através do PRODUIS obras de urbanização nas Comunidades de São José e Igrejinha do Caramujo. Foram selecionadas áreas específicas que apresentavam alto risco geológico, para a implementação de projetos de geotecnia com objetivo de mitigar as consequências dos desastres naturais.
Nos locais em que a execução de contenções de encostas e drenagem não resultaram em mitigação dos riscos, foi necessário realizar o reassentamento de famílias para áreas seguras, através da medida compensatória Compra Assistida. A experiência foi analisada na publicação Reassentamento involuntário com compra assistida: a experiência de Niterói. Por sua vez, as áreas antes ocupadas pelas residências em risco, se tornaram “Áreas Remanescentes”.
Essas áreas tornaram-se públicas e receberam equipamentos urbanos como praças, bolsões de retorno (cul-de-sac), ou áreas de recomposição vegetal. Uma das espécies plantadas durante o projeto foi a vetiver, conhecido por suas propriedades de retenção do solo, com suas raízes a mais de cinco metros de profundidade. Nessas áreas de recomposição vegetal, o trabalho foi acompanhado por ações socioambientais junto à comunidade.
Veja alguns exemplos abaixo:
Conceito Urban95 e a Primeira Infância
Um dos principais conceitos aplicados ao projeto das áreas remanescentes foi o Urban95, uma iniciativa da Fundação Van Leer, que propõe o planejamento urbano a partir da perspectiva de uma criança na media de altura de uma criança de três anos (95 cm de altura).
A ideia é criar cidades que promovam o desenvolvimento infantil, com espaços públicos seguros, acessíveis e que incentivem o contato com a natureza.
Ao transformar áreas de risco em praças voltadas para a primeira infância, a prefeitura de Niterói não só promoveu a segurança dos moradores, mas também trouxe melhorias significativas para a qualidade de vida, especialmente das crianças. Esses espaços não foram apenas planejados para mitigar riscos, mas para proporcionar um ambiente que apoia o crescimento saudável das crianças e sua comunidade.
Promovendo o senso de pertencimento através de Ações Socioambientais
As intervenções não se limitaram à infraestrutura física. Uma parte fundamental do processo foi o desenvolvimento de ações socioambientais, planejadas pela Prefeitura de Niterói e executadas por uma empresa especializada, que envolveram diretamente a comunidade. O objetivo foi sensibilizar os moradores sobre a importância de preservar e recuperar o ambiente ao redor, garantindo que as áreas remanescentes não fossem reocupadas de maneira irregular.
Essas ações incluíram plantio e recomposição vegetal, e promoveram a educação ambiental, incentivando o cuidado com os novos espaços. O engajamento resultante do projeto não só ajudou a transformar os espaços, como também criou nos próprios moradores um sentimento de responsabilidade pela manutenção e preservação das áreas públicas.
Obstáculos e Oportunidades: Enfrentando os desafios da urbanização inclusiva
Niterói tem sido pioneira na implementação de políticas voltadas à primeira infância. Em 2018, a prefeitura lançou o Plano Municipal pela Primeira Infância, um marco fundamental que estabeleceu diretrizes para o desenvolvimento de crianças de 0 a 6 anos, com foco em saúde, educação e urbanismo. Entre os principais decretos e marcos legais, destaca-se o Decreto nº 13.744/2018, que formalizou a criação do plano, promovendo o planejamento de políticas públicas intersetoriais para essa faixa etária.
A política pública da primeira infância em Niterói está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Esses princípios nortearam ações que buscam integrar o cuidado com as crianças ao desenvolvimento urbano, contribuindo para a criação de cidades mais justas e inclusivas.
Como em qualquer iniciativa pioneira, a transformação das áreas remanescentes com base no conceito Urban95 trouxe desafios. Um dos principais obstáculos foi a implementação de brinquedos e equipamentos que seguissem as diretrizes dessa abordagem inovadora. Sendo uma política relativamente nova no Brasil, foi necessário encontrar fornecedores capazes de adaptar suas linhas de produtos às exigências de segurança e desenvolvimento infantil propostas pela iniciativa.
A superação desse desafio foi possível graças à colaboração entre a equipe técnica da prefeitura e consultores da Urban95. O projeto original passou por revisões para se alinhar plenamente ao conceito, enquanto fornecedores ajustaram seus produtos para atender às especificações exigidas. Esse processo colaborativo garantiu que as áreas transformadas oferecessem ambientes seguros e estimulantes para as crianças, promovendo o desenvolvimento infantil.
Além disso, o pioneirismo de Niterói foi reconhecido em âmbito nacional e internacional. Os projetos implementados foram incluídos na Plataforma Arbotecnológica, uma iniciativa do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) que visa divulgar e conectar boas práticas em projetos, programas e políticas públicas voltados à arquitetura. A plataforma aceita projetos nas áreas de primeira infância, qualidade de espaços públicos, mobilidade urbana, meio ambiente e habitação de interesse social. Dessa forma, os projetos de Niterói se tornaram referências tanto no Brasil quanto em outras cidades da América Latina.
Com essas iniciativas, Niterói estabelece como diretriz a implementação de espaços voltados à primeira infância não apenas em Áreas Remanescentes do Reassentamento, mas também em revitalizações ou execuções de novas praças, projetos esses que além de melhorarem a qualidade de vida das crianças e suas famílias, promovem a interação social, a segurança, o desenvolvimento infantil e contribuem para a redução das desigualdades.
Para saber mais sobre o tema de inclusão de gênero nos espaços urbanos, não deixe de acessar o Guia prático e interseccional para cidades mais inclusivas do BID.
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