Os eventos de clima extremo que vêm afetando grandes e pequenas cidades brasileiras reforçam a importância de reconhecer o papel fundamental que exercem as mulheres lideranças comunitárias na gestão de crises. Elas, que muitas vezes são também as primeiras ocupantes do território, se tornam referência e inevitavelmente assumem a linha de frente da luta por direitos sociais e proteção das suas comunidades.
Nesse contexto, no entanto, o acesso à formação e o fortalecimento dos conhecimentos construídos instintivamente pelo histórico de crises já vivenciadas ainda são desafiantes para mulheres que têm que dar conta de chefiar o lar, cuidar de filhos e netos, gerar renda e participar dos enfrentamentos locais cotidianos.
Recife, capital de Pernambuco com mais de um milhão e meio de habitantes, vem trabalhando em diversas frentes para a construção de resiliência urbana em razão da sua situação crítica de vulnerabilidade a eventos climáticos. Similar a outros grandes centros urbanos da América Latina, a cidade de quase 500 anos apresenta elevada desigualdade social e vulnerabilidade socioambiental.
Os esforços para o desenvolvimento de medidas estruturais e destinadas à redução de risco foram intensificados com a estruturação da operação de crédito ProMorar Recife – Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). E o empoderamento de mulheres é parte vital dessa iniciativa.
O programa segue as recomendações do Marco de Sendai, um documento adotado pelas Nações Unidas com recomendações de 2015 a 2030, que classifica a participação das mulheres como uma etapa fundamental para uma gestão eficaz de riscos de desastres — uma vez que contribuição delas também é crucial na implementação de planos de redução de riscos. Para isso, o Marco estimula a capacitação de mulheres tanto para a preparação contra desastres quanto para o desenvolvimento de modos alternativos de vida após as calamidades.
O ProMorar Recife se baseia em uma perspectiva integral, entendendo que as obras de infraestrutura devem ser acompanhadas pelo fortalecimento de políticas, capacidades e instrumentos para gestão proativa de riscos e transformação socioambiental, de modo a não apenas mitigar os impactos dos eventos climáticos nas áreas de maior exposição e vulnerabilidade às ameaças, mas também atingir com prioridade as próprias causas desta vulnerabilidade extrema.
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Intensificar a prevenção
Desde 2014, a Prefeitura de Recife intensifica os trabalhos de prevenção. Somente naquele ano foram mapeadas 545 comunidades de interesse social. Estas são predominantemente ocupadas por populações de baixa renda e com precariedade de infraestrutura urbana, especialmente a de saneamento ambiental. Tal situação evidencia a necessidade de intensificar as medidas de prevenção, de fortalecimento da resiliência e da capacidade de adaptação às mudanças climáticas na capital pernambucana, em especial nessas comunidades.
Em maio de 2022, chuvas intensas resultaram em deslizamentos de encostas e inundações, provocando desastres físicos e perdas de vidas, sendo a população das áreas de vulnerabilidade socioambientais uma das mais impactadas.
Durante a etapa de preparação do ProMorar Recife, portanto, entendeu-se que não se pode construir uma cidade mais resiliente sem a perspectiva interseccional de inclusão de gênero e diversidade, para garantir a superação dos obstáculos que impedem o empoderamento das mulheres como lideranças climáticas. Assim, foi definido um indicador para monitoramento dos avanços do programa vinculado à capacitação dessas mulheres na gestão de riscos climáticos.
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O que é o NUPDEC Mulheres?
Como fruto de uma parceria municipal entre a Secretaria da Mulher, a Secretaria Executiva de Defesa Civil e o ProMorar Recife, surge o NUPDEC Mulheres. O Núcleo de Proteção e Defesa Civil Comunitário – NUPDEC é parte da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e existe no Município desde 2022. Este núcleo é eixo fundamental para o fortalecimento das ações de gestão de risco e resiliência no Município. Foram formadas até o momento, 48 pessoas, sendo 12 mulheres.
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Por entender ser necessário e urgente abarcar o recorte de gênero nas tratativas sobre eventos extremos, foi realizado em Recife, entre os dias 18 e 21 de setembro, o Módulo de Gênero e Políticas Públicas, que contou com a participação de 27 mulheres. Este módulo representa a implementação do projeto piloto do NUPDEC Mulheres.
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A proposta deste módulo adicional sobre perspectiva de gênero foi complementar a formação das mulheres já aprovadas nos cursos de NUPDECs ocorridos nos anos de 2022 e 2023, além de capacitar a equipe técnica da Defesa Civil. Participaram também das aulas mulheres líderes das comunidades que serão urbanizadas pelo ProMorar e onde já foi iniciado o processo participativo através da equipe da coordenação social do Programa.
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O principal objetivo do NUPDEC Mulheres é abordar as temáticas de desastres e gestão de riscos sob a perspectiva de gênero e participação social. Este módulo de Gênero e Políticas Públicas é composto por quatro temáticas, sendo elas: Relação entre mulheres e direitos humanos; Políticas públicas e participação das mulheres; Gênero e desigualdade estrutural; Violência contra a mulher e Lei Maria da Penha. A metodologia envolveu aulas expositivas, debates sobre temas trazidos pelas participantes e momentos de construção coletiva.
Ao final do curso, foram entregues os certificados em uma pasta impermeável, destacando a importância da organização e preparação em diversos sentidos, como no armazenamento de documentos em local seguro, pensando nas ocorrências de inundação ou outros eventos hidrológicos extremos.
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Nas próximas edições do curso, previstas para o primeiro semestre de 2024, a transversalidade entre os temas de gênero e desastre irá ocorrer através de aulas expositivas e dinâmicas de grupo, e as mulheres já formadas em edições anteriores poderão participar do curso como agentes multiplicadoras.
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Saiba mais sobre o tema de inclusão de gênero nos espaços urbanos, não deixe de acessar o Guia prático e interseccional para cidades mais inclusivas.
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