Pauline Henriquez* e Claudia Suaznábar*
O setor da construção civil é um dos grandes geradores de postos de trabalho no Brasil com mais de dois milhões de trabalhadores formais e possui forte impacto social. Entretanto, sua produtividade é uma das mais baixas em comparação com outras indústrias. Neste blog te apresentamos uma ferramenta que vem permitindo a transformação digital na construção e que pode interessar ao Brasil.
O aeroporto Willy Brandt de Berlim começou a ser construído ao início de 2006. Diante de um fluxo aéreo crescente e com três aeroportos envelhecidos, esperava-se que o aeroporto começasse a funcionar em 2012 e se transformasse no principal centro de tráfego aéreo da cidade. Depois de 12 anos, com gastos acumulados estimados em sete bilhões de dólares (cinco vezes superiores ao orçamento inicial) e mais de 60 mil erros de construção registrados, a fita vermelha ainda não foi cortada e as tesouras devem ficar guardadas até 2021.
O caso de Berlim não é exceção. A nível global, estima-se que os projetos de construção costumam estender-se até 20% mais do que o programado e superam seus orçamentos iniciais em mais de 80%. No Brasil são numerosos os projetos de infraestrutura (aeroportos, hospitais, escolas, rodovias, etc.) que são notícia por seus atrasos e aumento de custos ao ser implementados.
Baixa produtividade ligada ao cimento
A falta de coordenação entre atores e entre as etapas dos projetos, o baixo uso de tecnologias que agilizem o fluxo de informação, a informalidade e baixa capacitação dos empregados estão entre os fatores que fazem com que a produtividade do setor da construção tenha sido a mais baixa de todas as indústrias nas últimas décadas; cresceu apenas 1% nos últimos 20 anos em toda a região. Além disso, falta compreensão acerca da importância dos custos de operação de uma infraestrutura na fase de desenho. Ou seja, não se desenha levando em conta a manutenção da obra, quando os custos de operação e manutenção representam cerca de 80% dos custos totais da vida útil de uma infraestrutura, e apenas 20% corresponde ao desenho e construção.
A consultora McKinsey estima que o atraso na produtividade da construção custa à economia da região cerca de 50 bilhões de dólares ao ano. Não podemos ignorar essa realidade considerando o peso desta indústria no Brasil, que representa 5,3% do valor adicionado bruto nacional e 24,4% do valor adicionado bruto da indústria, segundo dados do IBGE. Essa indústria tem ainda um peso social importante, não apenas pelo número de empregos que gera, mas também porque os imóveis normalmente constituem parte significativa do patrimônio das pessoas, o que ganha peso especial em um contexto de envelhecimento da população e de baixa aposentadoria.
Se escavamos um pouco o cimento, encontraremos, sem grande surpresa, que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P+D) e os gastos em tecnologia da informação e comunicação (TIC) do setor da construção são quase os mais baixos em comparação com outros setores, e que a lenta adoção de tecnologias digitais faz com que o setor esteja entre os piores segundo o índice de digitalização da McKinsey.
BIM: transformação digital na construção
Nessa perspectiva, a associação das palavras “construção e disrupção digital” soa mais como um dos próximos desafios de Elon Musk que uma realidade no Brasil e países vizinhos. Entretanto, a promessa de modernização e melhora da produtividade do setor da construção reside em três letras: BIM, uma realidade em países desenvolvidos como Reino Unido, França e Estados Unidos, e que está começando a ganhar tração no Brasil e região.
Em geral, o Building Information Modelling (BIM) ou Building Intelligence Modelling, como chamado por alguns especialistas, é uma metodologia colaborativa de trabalho que centraliza toda a informação relacionada à construção e gestão da infraestrutura. Onde antes a informação dos projetos estava dispersa em planos 2D, folhetos, relatórios e repartida entre diferentes atores do processo de construção sem vinculação entre as etapas de desenho, construção e operação, agora está centralizada em uma única base de dados digital acessível a todos e atualizada em tempo real.
O que é BIM?
O BIM não é uma tecnologia específica, mas um conjunto de metodologias, tecnologias e padrões que permitem desenhar, construir e operar uma edificação ou infraestrutura de forma colaborativa em um espaço virtual. Por um lado, as tecnologias permitem gerar e gerir informação mediante modelos tridimensionais em todo o ciclo de vida de um projeto. Por outro, as metodologias, baseadas em padrões, permitem compartilhar esta informação de maneira estruturada entre todos os atores envolvidos (arquitetos, engenheiros, construtores e outros atores técnicos), fomentando o trabalho colaborativo e interdisciplinar, agregando assim valor aos processos da indústria. (Definição de Planbim Corfo – Chile, baseada na definição de Bilal Succar)
Nos últimos anos, os governos do Reino Unido, Hong Kong e Coreia do Sul apostaram fortemente em iniciativas de adoção do BIM com ótimos resultados, assim como países escandinavos como Noruega, Dinamarca e Finlândia, que já vêm usando a metodologia há mais de uma década. Em 2011, o Reino Unido estabeleceu a meta de reduzir os custos de infraestrutura no setor público em 20% por meio de um mandato que requer o uso de BIM em todos os projetos públicos. Estima-se que no período 2011-2014 foi possível alcançar uma redução de custos entre 12 a 20%, gerando economias de 2,3 bilhões de dólares, assim como uma diminuição significativa de prazos. Leia mais sobre a estratégia do Reino Unido em Construction 2025.
Uso do BIM nos países vizinhos
O Chile tem sido um dos pioneiros ao adotar um Plano BIM, sob a liderança da Corporación de Fomento de la Producción (CORFO), com o objetivo de incorporar como requisito obrigatório a metodologia BIM em todas as licitações públicas de construção para 2020.
Com exceção do Chile, apesar de um interesse crescente dos países da região, quem tem adotado a metodologia é a iniciativa privada, tipicamente ligada a projetos de grande envergadura com grandes empresas de engenharia, deixando de lado obras de menor amplitude como escolas ou casas, ou construtoras menores (PMEs) que também podem se beneficiar da adoção do BIM.
Pode-se explicar a baixa adoção do BIM no Brasil e países vizinhos em grande parte pelas limitações do capital humano qualificado com conhecimento da plataforma/metodologia. Outros fatores como o custo inicial de implementação vinculado ao investimento em software e hardware, assim como pela falta de uso da ferramenta por todos os atores chave da cadeia de valor da construção limitam sua adoção.
Leia mais: Adoção do BIM na Argentina (2016), Pesquisa Nacional BIM Chile (2016)
Os exemplos do Reino Unido e outros países exitosos no desenvolvimento de uma estratégia de fomento do BIM demonstram o papel crucial do Estado em impulsionar sua adoção por meio do seu poder de compra. Ou seja, que o Estado introduza o uso do BIM como requerimento técnico nas licitações de obras públicas para gerar efeitos de rede em todos os atores da construção.
Mas o papel do Estado não termina aí. Além disso, é necessário construir um ecossistema que facilite a colaboração entre os distintos atores públicos, privados e acadêmicos, a partir do desenvolvimento de padrões, a criação de um marco legal e regulatório adequado, a formação de capacidades nos setores público e privado sobre a nova metodologia de trabalho BIM e o desenvolvimento de uma oferta de formação nesses temas. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está impulsionando uma iniciativa que promove o uso do BIM na região tanto em operações de investimento em infraestrutura que financia nos países, como a nível de geração de políticas públicas para propiciar a transformação digital do setor da construção.
Em maio deste ano, foi publicado no Brasil um decreto que institui o uso do BIM como estratégia de promoção do ambiente adequado ao investimento da tecnologia, além de incentivar seu uso em âmbito nacional. A iniciativa prevê que haja um aumento de 10% na produtividade do setor e uma redução de custo que pode chegar a 20%, de acordo com estudos contratados pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
O caso do BIM é apenas um exemplo em que incorporar tecnologias digitais tem o poder de modernizar setores inteiros da nossa economia, além de oferecer mais transparência e eficiência. Estamos preparados no Brasil para navegar firmes nessa onda digital? Quanto antes começarmos, melhor.
Pauline Henriquez é consultora da Divisão de Competitividade, Tecnologia e Inovação do BID focada em temas de economia digital. Antes do BID, trabalhou no setor de finanças, em bancos de investimento e fundos de investimento. Possui dois mestrados, um em engenharia pela Ecole Centrale de Lille (França) e outro em administração de empresas (MBA) da Universidade de Colúmbia (EUA).
Claudia Suaznábar é Especialista Líder na Divisão de Competitividade e Inovação no Banco Interamericano de Desenvolvimento, onde trabalha desde 2003. Claudia é licenciada em Ciências Econômicas e Empresariais do Colégio Universitário de Estudos Financeiros (CUNEF) (Espanha) e possui mestrado em Gestão Pública e Desenvolvimento Internacional pela Kennedy School of Government da Universidade de Harvard (EUA). Antes de somar-se ao Banco, trabalhou no Banco Santander Central Hispano e como consultora de organismos internacionais. Entre suas áreas de especialização estão temas de inovação, competitividade e desenvolvimento empresarial, e conta com ampla experiência de trabalho em vários países da América Latina e o Caribe.
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