A paisagem montanhosa do Estado do Rio de Janeiro é marca registrada de uma das mais belas regiões do mundo. Entretanto, essa paisagem também representa uma difícil realidade dos habitantes do Estado – a convivência com territórios de alta vulnerabilidade ambiental, que vêm sofrendo ainda mais nos últimos anos pelo aumento dos impactos da mudança climática.
O desastre natural, resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causa danos humanos, materiais e ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais. Em um cenário de desastre, os principais atores são os agentes de Proteção e Defesa Civil e a própria população.
Vulnerabilidades ambientais e a resposta do PRODUIS
No Brasil, a Defesa Civil atua sob cinco pilares: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. A estrutura da Defesa Civil brasileira, tal como existe hoje foi alavancada a partir de um gerenciamento sistêmico de risco, após uma sequência de desastres, com destaque aos episódios de enchentes sucedidos em Santa Catarina (2008), o deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, Rio de Janeiro (2010), e os deslizamentos ocorridos na Região Serrana do Rio de Janeiro (2011). Em 2012 foi instituída a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), autorizando a criação de um sistema de informações e monitoramento de desastres, fundamental para que as autoridades e as comunidades se antecipem a potenciais tragédias.
No Estado do Rio de Janeiro, os desastres relacionados às enchentes e às inundações, ocasionando deslizamentos de terra, são recorrentes. Como o lembra o biólogo Sune Holt, a responsabilidade de resposta é de todos, tanto para a mitigação dos impactos como para a adaptação. Em Niterói, a partir do desastre do Morro do Bumba, um conjunto importante de medidas foram implementadas, com políticas públicas municipais visando mitigar os riscos das áreas ainda vulneráveis.
Foi neste contexto que o Programa de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Social de Niterói (PRODUIS), iniciado em 2014 por meio de uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dedicou-se a organizar a urbanização de quatro comunidades do Complexo Caramujo particularmente vulneráveis a riscos e desastres: Vila Ipiranga, Capim Melado, São José e Igrejinha do Caramujo, sendo as duas últimas localizadas na região afetada pelo deslizamento do Morro do Bumba.
Gestão de riscos e desastres em ambiente comunitário
Nesse Programa, são previstas a execução de obras de macrodrenagem, pavimentação, requalificação de calçadas e escadarias assim como contenção de encostas, além da construção de quadras poliesportivas e campo de futebol. As obras estão sendo acopladas com um intenso trabalho social, que inclui informações e capacitações aos moradores e seus representantes sobre técnicas e localização de construções, para conscientizá-los sobre o risco de construir em encostas perigosas. Cerca de 100 famílias que vivem em habitações identificadas em áreas de risco pela Defesa Civil serão removidas, com soluções de reassentamento no mercado privado.
Em parceria com o PRODUIS, os agentes de Defesa Civil municipais desenvolveram ao longo de 2019 campanhas dedicadas a conscientizar a população local quanto às ações que podem ser tomadas para prevenir riscos socioambientais e a mitigar os efeitos de desastres. Os moradores aprenderam estratégias para identificar queimadas e como podem auxiliar os agentes da Defesa Civil a preveni-las. Também aprenderam sobre o processo de contenção de encostas com capim vetiver, e como preservar esse vegetal.
Em São José e em Igrejinha do Caramujo, foram formados os Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDEC’s), em parcerias com os especialistas do PRODUIS. O NUDEC possui o objetivo de capacitar agentes voluntários da população local, fomentando a integração de comunidades, estabelecimentos de ensino e instituições interessadas na garantia de uma ação conjunta na prevenção de desastres. A capacitação dos voluntários é realizada por meio de palestras ministradas pelos próprios agentes de Defesa Civil. Os principais assuntos abordados são sobre as ações de prevenção, mitigação, resposta de acidentes domésticos e de desastres socioambientais de grandes proporções, tais como enchentes, inundações e deslizamentos de terra. Ao longo da formação dos NUDEC’s, também foram realizadas atividades de capacitação sobre técnicas e localização de moradias, de forma a conscientizar a população sobre a vulnerabilidade em construir em locais de risco, tais como em encostas íngremes.
Regularização fundiária e melhoria habitacional
Em complemento à estas intervenções, o PRODUIS prevê ainda a regularização fundiária de diversas residências dessas comunidades. É provável que a titulação do imóvel terá um impacto indireto na resiliência das famílias, frente aos riscos de desastres, bem como às suas respectivas adaptações a enchentes, inundações e deslizamentos de terra frequentes. A segurança jurídica da posse do imóvel é um elemento fomentador de investimento privado em moradia para diversas famílias, que optam por realizar obras de benfeitoria após receberem o título do imóvel.
No Brasil, propostas como a da empresa Vivenda, um dos negócios premiados no âmbito da chamada ICE-BID Lab em 2017, propõem contornar a carência de microcrédito para reforma com um modelo financeiro inovador que permite propor às famílias pacotes de obras dentro de casa a baixo custo e com pagamento parcelado. O próprio PRODUIS incluiu na comunidade do Capim Melado apoio familiar a pequenas reformas nos sanitários das casas, para conjugar mitigação de riscos e melhoria dos espaços públicos com maior qualidade de vida e dignidade nas casas individuais dos moradores da região.
Controle urbano e proteção ambiental
Para completar estas intervenções com ações preventivas, o município de Niterói desenvolveu uma ferramenta eficiente para controlar a expansão urbana em área de risco. O GECOPAV (Grupo Executivo para o Crescimento Ordenado e a Preservação das Áreas Verdes) é responsável por minimizar a construção de residências em áreas consideradas de risco pela Secretaria de Defesa Civil e Geotecnia, a partir da delimitação de áreas de preservação ambiental.
Pioneiro no Brasil, o conceito consiste em instaurar uma articulação institucional inédita permitindo reagir rapidamente a construções informais em zonas de risco, sendo considerado tanto o risco da edificação em si como o risco que ela faz correr às edificações vizinhas. Articulando e organizando as intervenções, frequentemente concomitantes ou consecutivas, entre as Secretarias de Ordem Pública, Meio Ambiente, Assistência Social, Conservação, Defesa Civil, e outras dependendo das necessidades. O GECOPAV viabiliza um controle urbano sem precedente protegendo áreas de preservação ambiental e zonas de risco. Desde 2017, quando começou a funcionar, foram instaurados mais de 500 processos de investigação de irregularidades em áreas preservadas, e mais de 100 demolições foram executadas.
A abordagem do programa de Niterói nos ensina a importância de uma resposta multifacetada aos desafios da mudança climática: intervenções físicas, trabalho social, comunicação cidadã e articulação institucional são ingredientes que precisam um dos outros para construir um caminho de adaptação à nova realidade brasileira e mundial.
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