Sérgio I. Campos G.*
A América Latina e o Caribe contêm mais de 30% da água doce do planeta, dos glaciares nas montanhas dos Andes às florestas dos vulcões na América Central. No entanto, um quarto do território da região é coberto por zonas áridas. E, embora sejamos apenas cerca de 6% da população mundial, os efeitos da mudança climática sentidos em inundações e secas aumentaram em intensidade e frequência, afetando perigosamente as fontes de água, tanto nos povoados como nas cidades. Portanto, proporcionar acesso a serviços de água e saneamento de qualidade para populações a cada dia mais urbanas não será um trabalho fácil.
Nas duas últimas décadas, a região da América Latina e Caribe esteve à altura dos desafios em termos de acesso: entre 1990 e 2015, mais de 220 milhões de pessoas (de um total de 600 milhões) foram incorporadas aos serviços de água e saneamento. A porcentagem de pessoas com acesso a melhores serviços de água passou de 85% a 95% e, em saneamento adequado, a porcentagem subiu de 67% para 83%.
Mas não podemos parar por aí. Hoje há ainda 34 milhões de pessoas sem acesso a água e os números são mais alarmantes para saneamento: 106 milhões não têm acesso a saneamento adequado e 19 milhões defecam ao ar livre. Como é de esperar, as estatísticas são ainda piores para os mais vulneráveis e para as áreas mais remotas do continente. A grande disparidade urbana-rural se traduz em uma cobertura de serviços de água e saneamento rural em 2015 (84% e 64%, respectivamente) semelhante à cobertura das áreas urbanas 25 anos atrás.
Por que persistem essas desigualdades na cobertura? Poderíamos pensar que se trata de um problema de financiamento. De fato, como região, temos investido nos últimos 25 anos menos de meio ponto percentual de nosso produto interno bruto em nova infraestrutura de água e saneamento. Enfrentamos também um desafio na manutenção de nossas redes já existentes. Por exemplo, do total da água produzida, cerca de metade se perde nas redes devido, principalmente, a fugas físicas.
A este cenário soma-se o desafio de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, adotados no final de setembro na 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que propõem uma agenda de desenvolvimento sustentável ambiciosa para 2030. O Objetivo 6 está centrado em assegurar a disponibilidade e o manejo sustentável de água e saneamento para todos. O que significa que os governos não só precisam trabalhar para garantir a qualidade do serviço, mas também devem reduzir a contaminação das águas residuais, fortalecer a governança da água, melhorar a eficiência no uso de nossos recursos hídricos e proteger nosso capital natural.
Para alcançar acesso universal à água em 2030, a região precisaria investir, no mínimo, 28 bilhões de dólares
De quanto financiamento estamos falando para alcançar esse objetivo nos próximos 15 anos? Estes são alguns números: apenas para alcançar acesso universal à água, a região precisaria investir, no mínimo, 28 bilhões de dólares, e o investimento em saneamento teria que ser ainda maior, de 49 bilhões. Isso representaria um ritmo de investimento de cerca de 5,1 bilhões de dólares por ano.
No tratamento de águas residuais, ainda estamos muito atrasados: em nível regional, estima-se que são tratados apenas 18% dos esgotos gerados, em comparação com 60%, em média, nos países de alta renda. Para 2030, teríamos que reduzir pela metade a porcentagem de águas não tratadas, o que exigiria um investimento, só nos grandes centros urbanos, de mais 30 bilhões de dólares.
Além de alcançar o acesso universal, temos o desafio de melhorar a qualidade do serviço para os que já estão conectados à rede. Calcula-se que cerca de 200 milhões de pessoas recebam um serviço descontínuo de menos de 24 horas por dia. Salvo exceções, a região também não tem dados sobre a qualidade/potabilidade da água.
Como, então, a América Latina e o Caribe podem implementar, medir e monitorar efetivamente esse novo Objetivo 6? Felizmente, contamos com experiências de sucesso com as quais podemos aprender, como é o caso de Medelin e outras grandes cidades, como Montevideu, Monterrey, Quito, São Paulo ou Santiago, onde se tem conseguido trabalhar com êxito para garantir acesso sustentável e de qualidade para todos os cidadãos.
A chave está em fortalecer as instituições do setor para assegurar uma boa prestação de serviços e conservação da água, além de garantir fontes de financiamento tanto públicas como privadas, nacionais e internacionais. O desafio que enfrentamos é grande, mas não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem proporcionar água e saneamento de qualidade para todos.
*Sergio I. Campos G. é chefe da Divisão de Água e Saneamento do BID.
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