“Para saber que sabemos o que sabemos, e saber que não sabemos o que não sabemos, há que se ter certos conhecimentos” – Copernicus Nicolaus
Três lições básicas para lidar com os sobrecustos em projetos de infraestrutura
Em muitas ocasiões, os projetos de infra estrutura sofrem de subestimação de seus custos e superestimação dos seus benefícios. E, como se pode imaginar, esses desvios são quase sempre na mesma direção: quase nunca há superestimação de custos ou subestimação de benefícios. Isto acontece em absolutamente todos os setores desde sempre. E por último, mas não menos importante, as estimativas de custo não melhoraram com o aperfeiçoamento das técnicas de estimativa nem como resultado do incremento exponencial da capacidade de cálculo ao qual temos visto nas últimas décadas.
Há duas explicações para o fenômeno dos sobrecustos sistemáticos que resistem à evidência empírica. A primeira é baseada no trabalho do Prêmio Nobel de Economia, Daniel Kanneman, e sustenta que os projetistas têm um viés cognitivo, pelo qual tendem a ser otimistas em suas estimativas. De acordo com esta explicação, há um erro involuntário da máquina humana ao analisar o projeto.
A segunda explicação provem da economia política e sustenta que o viés é do tipo estratégico, o que significa que o executor do projeto superestima a rentabilidade de seu projeto para obter a aprovação do mesmo, confiando em que uma vez iniciada a execução aparecerão de alguma parte recursos para executá-lo. Assim, de acordo com esta explicação, não haveria nenhum erro mas simplesmente uma mentira estratégica.
Qualquer que seja a explicação (e possivelmente se trata de um mistura de ambas, numa proporção difícil de determinar) o efeito é uma distorção do processo de alocação de recursos comuns, que no caso dos gastos em infra estrutura envolvem uma parte muito importante do investimento de diferentes países. Em alguns casos, a distorção é tão importante que alguns autores falam de darwinismo inverso: quanto mais se subestimam os custos de um projeto, voluntária ou involuntariamente, maior a probabilidade de ser implementado.
A pergunta que surge é: será que não há nenhuma penalidade para os que erram ou mentem? A realidade é que, em geral, isto não acontece, porque sempre há amparo em argumentar de que se trata de estimativa de um futuro que é, por definição, incerto. E, claro, no campo das previsões, vale tudo.
Na área acadêmica (Kanneman) houve a sugestão de planificar e avaliar projetos utilizando o que se denominou de visão externa. Isto significa que se os planejadores têm a tendência a subestimar os custos, eles devem ser substituídos pelos custos de projetos semelhantes executados anteriormente. Em suma, os planejadores não têm que supor que o projeto que estão preparando terá resultados melhores do que projetos semelhantes que ocorreram antes. Esta informação de projetos anteriores (denominada de classe de referência) oferece uma faixa de valores em que o projeto em análise poderia estar.
Por outro lado, na área de avaliação de projetos em que há incerteza, se sabe que os eventos futuros (tais como o custo de um projeto de infra estrutura ou sua demanda) não devem ser apresentados como um único valor, mas como intervalo de valores valores possíveis associados à probabilidade de ocorrência dos mesmos, que no jargão estatístico é definido como uma distribuição de probabilidade. Neste sentido, o valor médio do custo estimado é tão importante quanto a variância do mesmo em torno do valor médio.
Para os tomadores de decisões públicas e para um banco de desenvolvimento como o BID, surgem algumas lições básicas que podem ser resumidas nestas três:
1- Que o fato do futuro ser incerto não dá carta branca para que qualquer estimativa seja válida.
2- Os custos do projeto, bem como seus benefícios, devem ser expressos como distribuições de probabilidade e não como valores determinísticos. Caso contrário, se perde informação chave, se pode tomar decisões erradas e há riscos que poderiam ser evitados.
3- Para evitar vieses na estimativa de custos e benefícios devem ser usados dados de projetos similares (vista externa). Além disso, deve-se usar a distribuição de probabilidade desses dados (classe de referência).
A este respeito, o Professor Flyvbjerg, da Universidade de Oxford, desenvolveu um extenso trabalho sobre este tema apaixonante, dando conta da amplitude e profundidade do fenômeno dos sobrecustos nos mega projetos de infra estrutura e desenvolveu as bases para a incorporação de melhores práticas na estimativa de custos, considerando a incerteza inerente às previsões e nos deixando a salvo das principais vieses na estimativa.
Seguindo essas idéias, o BID desenvolveu um Manual para Estimativa e Seguimento do Custo Final de um Programa de Infra Estrutura, que constitui um guia para agentes do governo ou analistas de projetos que procurem uma ferramenta prática para incorporar a visão externa na avaliação dos seus projetos. E assim poderem valorar o nível de viés que possa existir nas estimativas feitas na forma tradicional.
* Co-autor: Hugo Monteverde, é consultor do BID, Engenheiro Civil, Mestre em Administração de Empresas e pós-graduado em Logística Empresarial pela Universidad de la República Oriental del Uruguay. Ele iniciou sua carreira há 28 anos na Dirección Nacional de Vialidad (DNV). Durante os últimos três anos de sua permanência na instituição, ele integrou a Comisión Asesora de Adjudicaciones de Obras de la DNV. Em 1992 ele se juntou a uma das mais importantes empresas de construção rodoviária do Uruguai, onde se tornou Gerente Geral, cargo que ocupou durante sete anos. Desde 2003, ele tem atuado como consultor de diversos projetos financiados pelo BID, pelo Banco Mundial e da Corporación Andina de Fomento na Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Paraguai e Uruguai. Nos últimos dois anos, ele tem trabalhado na implementação da primeira chamada de licitações feitas no Uruguai de um conjunto de corredores rodoviários sob a forma de Participação Público Privada.
Leave a Reply