
Imagine cortar as águas do poderoso rio Amazonas, ouvir a selva sussurrar ao cair da noite e acordar com o canto de pássaros que não existem em nenhum outro lugar da Terra. Quando você chega à Ilha dos Macacos, dezenas de pequenos e curiosos macacos e saltam de galho em galho para te receber.
Aqui, no coração da Amazônia, onde duas nações se encontram e suas culturas e geografias se entrelaçam, a integração dos setores produtivos apresenta uma oportunidade única para promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental na região. Como destacado no recente estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) “Regiões Fronteiriças da Amazônia: Rumo ao Desenvolvimento Produtivo Sustentável” (2025), as cidades gêmeas de Letícia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil) demonstram como o turismo sustentável pode se tornar um motor de integração e desenvolvimento em regiões fronteiriças.

O BID está implementando uma iniciativa de bem público regional (BPR) na Amazônia, projetada para fortalecer as instituições locais, impulsionar os setores produtivos da região e aprofundar a cooperação transfronteiriça.
Transformando o turismo nas cidades gêmeas fronteiriças
No centro deste projeto está uma iniciativa para desenvolver o turismo em Letícia e Tabatinga. O plano busca aproveitar o potencial turístico da Amazônia — enraizado em sua extraordinária biodiversidade e riquezas culturais — para tornar o setor de turismo um catalisador do desenvolvimento sustentável e da integração transfronteiriça.
Letícia e Tabatinga podem oferecer experiências que não existem em nenhum outro lugar da Terra: caminhar pelas trilhas do Parque Nacional Amacayacu em busca de plantas medicinais, compartilhar uma refeição tradicional com a comunidade Magüta em San Pedro de los Lagos, ou participar de uma oficina de artesanato indígena enquanto ouve mitos da Amazônia dentro de uma maloca (casa comunitária tradicional) iluminada por fogo.

Para chegar a esse ideal, é importante transformar o atual modelo de turismo, ainda emergente e fragmentado, em um modelo mais colaborativo e sustentável. Hoje, o setor é formado principalmente por pequenos negócios familiares que trabalham de forma independente, prestando oferecendo turísticos básicos ou sendo parte de roteiros limitados. Definir uma visão compartilhada para o setor e aumentar a colaboração entre todos os atores da cadeia de valor do turismo em ambos os lados da fronteira ajudará a desenvolver uma oferta turística mais diversificada e integrada. Isso ressaltará a identidade e os atrativos únicos da região e garantirá benefícios equitativos para todos os envolvidos.
Dessa forma, o turismo fará mais do que apenas atrair visitantes para a área — ele se tornará uma fonte de orgulho cultural, um canal para compartilhar saberes ancestrais e um símbolo de orgulho comunitário.
Esta sinergia dinamizará o destino, ampliando seu reconhecimento nacional e internacional, enquanto ajuda a preservar as riquezas culturais e naturais em ambos os lados da fronteira. Dessa forma, Letícia e Tabatinga se posicionarão como um destino amazônico único, onde cada viagem se torna uma história, uma ponte entre culturas, um encontro com a biodiversidade e uma oportunidade para descobrir um mundo onde a natureza e as tradições ainda dançam no mesmo ritmo.
Um destino verdadeiramente único
As duas cidades são muito mais do que cidades fronteiriças — são portões de entrada para a vasta Amazônia, território único por sua extraordinária biodiversidade, riqueza cultural e paisagens exuberantes. Esta região, onde natureza e cultura estão conectadas, oferece aos visitantes experiências de viagem incomparáveis, que convidam à exploração e à descoberta.

Fonte: BID, com apoio da THR Strategic Tourism Advisors, 2025.
A singularidade de Letícia e Tabatinga como destino turístico único está relacionada à sua capacidade para oferecer aos visitantes experiências autênticas e responsáveis. Com uma riqueza natural e cultural incomparável, a região tem tudo o que é necessário para se tornar uma referência em ecoturismo e viagens responsáveis. Os visitantes podem mergulhar na essência da Amazônia participando de experiências que respeitam o meio ambiente e apoiam a economia local.

Fonte: BID, com contribuição da THR Strategic Tourism Advisors, 2025.
As principais oportunidades de turismo em Letícia-Tabatinga centram-se no ecoturismo e na imersão cultural, com uma rica variedade de experiências para os viajantes. A linha vital da região é o rio Amazonas, que convida os visitantes a explorar seus diversos ecossistemas e desfrutar de uma ampla gama de atividades. Como fronteira natural, oferece ao visitante a experiência de estar em dois países ao mesmo tempo enquanto flutua pelo rio. Durante a temporada de cheia dos rios, os viajantes podem alcançar áreas próximas ao rio que são acessíveis apenas de barco, enquanto a estação seca abre oportunidades para caminhadas, observação da vida selvagem e outras aventuras ao ar livre. Os passeios de barco frequentemente incluem excursões na selva, como a popular experiência Noite na Selva, caminhadas noturnas e hospedagem em cabanas ou chalés, longe da agitação urbana.
A riqueza cultural indígena é outro grande atrativo da região, o que se reflete em sua diversidade e pluralidade, características próprias da tríplice fronteira, onde se entrelaçam diversas culturas e tradições indígenas.
Análise dos perfis de visitantes em Letícia e Tabatinga

Benefícios para as comunidades locais
O turismo de base comunitária foi identificado como um segmento altamente promissor, visto positivamente pelas comunidades indígenas da região. Muitas comunidades já têm parcerias com operadores turísticos locais e participam no setor de turismo da região.
Em comunidades como San Pedro de Los Lagos ou Mocagua, os visitantes podem aprender a arte de tecer fibras naturais, participar de rituais e boas-vindas ou ajudar famílias anfitriãs a preparar pratos como o patarashka — peixe fresco grelhado em folhas de bijao. Essas experiências não são performances encenadas, mas partes autênticas da vida cotidiana.
Construir um setor de turismo mais coeso traz benefícios para os visitantes e cria impactos positivos para as comunidades locais. O turismo já desencadeou processos de valorização cultural, com a reintegração de tradições nos programas escolares por meio do aprendizado de técnicas de artesanato tradicionais e de idiomas, impulsionado pelo crescente desejo dos viajantes de participar de experiências autênticas e aprender mais sobre essas culturas.
Em Letícia, por exemplo, jovens membros da comunidade Tikuna poderiam ensinar seu idioma em oficinas para turistas. Em Tabatinga, a valorização de práticas agrícolas tradicionais, como o processamento da mandioca em farinha, poderia se tornar uma experiência vivencial para o viajante.
Promover o turismo dessa forma pode criar empregos, melhorar a infraestrutura local e fortalecer a identidade cultural. O turismo sustentável também desempenha um papel vital na proteção da rica biodiversidade da Amazônia, promovendo um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente.

Fonte: Município de Letícia, 2025
Oportunidades e desafios
Letícia e Tabatinga têm um enorme potencial para diversificar sua oferta turística e se estabelecerem como destino global de ecoturismo. À medida que os viajantes europeus demonstram crescente interesse pela Amazônia, em sintonia com as tendências globais que sinalizam um aumento do interesse por experiências na natureza, essas regiões estão posicionadas para atrair visitantes que buscam aventuras autênticas, responsáveis e sustentáveis.
Além disso, diversificar a oferta com experiências especializados, destinadas a diferentes segmentos de viajantes, pode abrir novas oportunidades para explorar a intersecção entre natureza, cultura, aventura e bem-estar.
O ecoturismo e as viagens responsáveis estão em alta, e ambas as cidades estão estrategicamente localizadas para atender a essa crescente demanda global. A região pode atrair viajantes conscientes que buscam não apenas relaxar, mas também contribuir ativamente para a conservação dos ecossistemas locais. Uma área promissora é o aproveitamento dos festivais locais da região, ainda subaproveitados sob a perspectiva de comercialização turística. Esses eventos poderiam se tornar experiências participativas para os visitantes, permitindo-os se engajar ativamente com as tradições locais e enriquecer sua experiência.

Uma das características que diferencia a região do resto do mundo é a própria tríplice fronteira: em apenas minutos, os viajantes podem cruzar da Colômbia para o Brasil ou Peru, experimentando três versões distintas da Amazônia em uma única viagem, cada uma com sua própria cultura, tradições alimentares, festivais e conexões com o rio. Esta condição geográfica única torna Letícia e Tabatinga um laboratório natural e cultural de integração transfronteiriça — algo que nenhum outro destino de ecoturismo pode oferecer.
No entanto, a região também enfrenta desafios significativos que precisam ser abordados urgentemente para que ela consolide seu potencial turístico. Um dos mais críticos é a governança binacional. Apesar dos esforços contínuos de cooperação entre os atores locais, ainda não existe um modelo estruturado que impulsione o planejamento conjunto e facilite a criação de infraestrutura compartilhada entre Colômbia e Brasil. A integração das políticas de turismo deve ser mais efetiva e fluída, promovendo a colaboração transfronteiriça para fortalecer a conectividade, segurança e competitividade do destino, garantindo que os projetos tenham impactos reais e efetivos no âmbito local.
Fatores como a percepção de insegurança, especialmente durante a noite, e relatos de atividades ilegais prejudicam a reputação do destino. Ao mesmo tempo, a falta de infraestrutura adequada, combinada com conectividade aérea e fluvial limitadas, permanecem sendo um obstáculo considerável para o crescimento do setor. Horários de voos irregulares e a falta de serviços básicos em algumas áreas turísticas limitam o acesso dos visitantes. O turismo também é afetado pela variabilidade ambiental, como as secas que afetam a navegabilidade do rio Amazonas.
Outro grande desafio é adaptar as experiências turísticas à variabilidade climática amazônica: enquanto os níveis de água dos rios estão altos, os viajantes podem viajar de barco para comunidades ribeirinhas e lagos escondidos; já a estação seca induz a uma “reinvenção” da oferta, com caminhadas, esportes de aventura e experiências terrestres. Converter essa dualidade em um ponto forte — mostrando aos visitantes duas Amazônias em uma — representa tanto uma oportunidade criativa como um desafio logístico.
Para superar esses desafios, é fundamental realizar investimentos estratégicos em infraestrutura sustentável e fomentar a cooperação entre os setores público e privado, garantindo assim um desenvolvimento turístico resiliente.
Um futuro de integração, inclusão e desenvolvimento sustentável
O BPR tornou-se uma ferramenta-chave para enfrentar os desafios da região, fornecendo um marco metodológico que integra os setores produtivos enquanto promove o respeito pelas comunidades indígenas e a conservação ambiental.

Esta ferramenta permitiu a criação de um mecanismo pioneiro de coordenação binacional entre Letícia e Tabatinga. Por meio de grupos de trabalho conjuntos, os governos municipais das duas cidades fortaleceram a governança transfronteiriça, promovendo o diálogo e a colaboração no desenho de estratégias para o desenvolvimento sustentável para setores-chave como o turismo. Este esforço binacional vai além do crescimento econômico e também aborda desafios compartilhados, como a proteção do meio ambiente e a melhoria do bem-estar das comunidades indígenas.

Com forte liderança local e o apoio do BID, Letícia e Tabatinga estão iniciando uma transformação na região amazônica, com o objetivo de se consolidar como um destino que promove a conservação, a inclusão e o desenvolvimento sustentável, preservando sua identidade cultural e recursos naturais. Este modelo, fundamentado no respeito ao entorno e às comunidades locais pode se tornar um marco para a região e uma referência para outros destinos, demonstrando como a liderança local e a integração binacional podem impulsionar mudanças positivas e duradouras.
Este artigo foi elaborado com o apoio de Sebastián González Saldarriaga (Chefe da Unidade do Setor Privado, Sinergias e Comércio, BID), Juana Isabel Hoyos (Consultora do BID) e Paula Sanches (Consultora do BID).










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