O avanço exponencial da inovação tecnológica e a criação de uma nova economia digital é uma realidade que impacta não somente os países desenvolvidos, mas também a todos os países da América Latina e Caribe no curto e médio prazo.
O surgimento de novos modelos de negócio e soluções digitais disruptivas em plataformas abertas, representam uma grande oportunidade para os países, ao mesmo tempo que exige uma adaptação dos mecanismos atuais de gestão fiscal e tributária disponíveis na região, com o uso intensivo de dados na nuvem digital, Big Data e Data Analytics, sistemas on-demand, Blockchain, Inteligência Artificial e Machine Learning, entre outras tecnologias.
Nos últimos anos houve avanços significativos nas áreas de gestão fiscal e financeira pública na região, tais como a fatura eletrônica para o Imposto ao Valor Agregado (IVA) no Brasil (ICMS), México e Chile; e a introdução de grandes sistemas de administração financeira que permitiram uma maior integração da informação e uma execução orçamentária mais eficiente e transparente; entre outros progressos.
Entretanto, a adaptação dos mecanismos disponíveis para uma boa gestão fiscal e tributária não é automática. Existem barreiras culturais, regulamentárias, de inércia institucional e de aversão ao risco que somente poderão ser superadas com liderança e o desenvolvimento de novas capacidades. Neste contexto, apresentamos quatro oportunidades de ouro para a construção de uma agenda digital fiscal nos países de la região.
1.Inteligência Fiscal Tributária Digital
Uma das fontes mais importantes de financiamento de qualquer Estado são os impostos. Cada vez que um trabalhador ou empresa paga seus impostos está contribuindo para o desenvolvimento de seu país. Entretanto, cada ano a região deixa de arrecadar aproximadamente US$340 bilhões devido à evasão tributária, ou quase 7% do seu Produto Interno Bruto.
Esta perda de receita, por causa da evasão fiscal, limita a capacidade dos governos de oferecer serviços básicos, tais como saneamento, sistemas de saúde e escolas. Por outro lado, os sistemas tradicionais de seguimento e controle tributário, que incluem formulários impressos e visitas de inspeção e fiscalização, implicam em uma grande quantidade de tarefas fazendo com que o sistema tenha um alto custo.
Simplesmente subir os impostos não soluciona o problema, porque em muitos casos estes já estão em níveis altos, afetando a competitividade dos países. Uma alternativa é usar a “Inteligência Fiscal” para melhorar o cumprimento tributário.
O avanço tecnológico e a digitalização oferecem uma oportunidade de ouro para que os governos melhorem a fiscalização dos impostos através da inteligência fiscal, que consiste no uso sistemático de técnicas para recompilar informação que sirva para a planificação e execução de tarefas relacionadas à Administração Tributária, especialmente para combater a evasão fiscal e os delitos aduaneiros.
O primeiro passo é fazer com que a informação necessária seja digitalizada para realizar os trâmites comerciais e outras transações sobre as quais incidam os impostos. Por exemplo, a fatura eletrônica do IVA, codificada e centralizada, com assinatura digital; ou as declarações de renda já com os campos preenchidos; são tecnologias que permitem cruzar os dados dos contribuintes e o sistema financeiro, com as folhas de pagamento das empresas e da previdencia social.
A inteligência fiscal busca todos os tipos de informação, inclusive aquelas que não estão declaradas nem disponíveis em fontes abertas, tais como as variações de patrimônio não justificadas, gastos com cartões de crédito, ou a participação em sociedades não declaradas. Tudo isso ajuda a construir bases de dados que possibilitam realizar o cruzamento de informações e detectar a evasão fiscal e outras fraudes, com a construção de perfis de risco dos contribuintes para fazer fiscalizações e auditorias mais seletivas e efetivas.
O uso de mecanismos alternativos para una maior integração dos cadastros de contribuintes com outros registros de pessoas físicas e jurídicas, ou a criação de centrais digitais de monitoramento da ação fiscal, ou um maior intercâmbio automatizado de dados a nível internacional; tudo contribui para a inteligência fiscal.
Finalmente, a adoção de novas ferramentas tecnológicas permite o uso massivo das bases de dados do setor público y de outros dados que não estão declarados, para a investigação fiscal digital, incluindo a mineração de dados (data mining), cruzamento da informação, Big Data e Data Analytics, uso de modelos matemáticos e de algoritmos tipo Machine Learning, entre outras inovações.
2.Novas políticas tributárias para a nova economia digital
A inovação tecnológica gera oportunidades para novas fontes de crescimento econômico e novos tipos de empregos, que afetam a sociedade, o mercado de trabalho e a instituições. Os benefícios são tangíveis, mas também é uma realidade que nem todos os países podem se adaptar a estas novas tecnologias na mesma velocidade. O grande desafio das políticas públicas neste momento é desenvolver mecanismos e consensos que não impeçam o avanço tecnológico da sociedade e, ao mesmo tempo, mantenham a igualdade de oportunidades.
Em alguns países da região já se pode observar reduções na arrecadação tributária devido a chegada da nova economia digital. O imposto sobre as telecomunicações, por exemplo, com o uso das novas plataformas de serviços digitais como WhatsApp, começam a ser impactados.
Uma eventual compensação cobrada não deveria ser tão alta que desincentive o progresso tecnológico, nem tão baixa que não permita una competição razoável. Esta compensação deveria manter o incentivo para que o investimento tecnológico continue sendo um investimento economicamente atrativo.
Os novos modelos de negócio digitais compartilhados, tais como Uber e AirBnb, exigem discussões sobre o pagamento de impostos por novas atividades econômicas e serviços que são gerados. Deve-se considerar estas inovações em pelo menos quatro dimensões: (i) nivelamento das condições para a competição (que Uber e AirBnb paguem impostos similares aos de um táxi ou hotel); (ii) utilizar as plataformas digitais como retentoras de impostos de seus usuários (incluindo comércio eletrônico, e previdencia social dos empregados por conta própria); (iii) discussões sobre a importação de serviços digitais (vendas a partir do exterior); (iv) discussões mais conceituais sobre novos impostos sobre o valor agregado digital (como a taxa cobrada da NetFlix que Brasil adotou recentemente); entre outros aspectos.
Estas discussões de políticas poderão gerar uma transformação de impostos ou taxas. Além disso, obrigarão os países a reformular seus sistemas tributários, de forma que sejam simples, neutros e transparentes; que favoreçam a competição e incentivem a eficiência econômica e a equidade para um desenvolvimento sustentável, com um mínimo de distorções e com um menor custo possível para a sociedade.
3.Blockchaine novas plataformas transacionais com registros distribuídos
Blockchain é uma base de dados distribuída tipo “peer-to-peer” onde os participantes podem ter níveis distintos de autoridade e devem confiar uns nos outros. Constitui uma cadeia de “blocos digitais” que são agregados pelos próprios participantes e validados através de um protocolo consensual entre os próprios participantes, o que permite ter um registro ordenado, transparente, seguro e indelével de toda a informação.
Quando um participante (ou nó) deseja realizar uma transação (enviar dinheiro, realizar um smart contract, etc.), a informação é enviada para todos os nós aos quais o participante está conectado. Automaticamente cada nó comprova que as transações são válidas (por exemplo, que não se esteja mandando um dinheiro que já tenha sido gastado) e tudo é replicado em toda a rede.
Existem ao menos três tipos de redes Blockchain: as públicas, as federadas e as privadas. Nas públicas qualquer pessoa pode participar, como no caso das criptomoedas. Nas privadas uma entidade se encarrega de propor e aceitar os blocos, e o público pode ter ou não permissão de leitura. As federadas são um modelo misto, não estão controladas por uma única entidade, tampouco permitem que qualquer usuário valide os blocos.
Blockchain pode conectar as bases de dados de entidades públicas já existentes (como um piloto no México na área de compras e contratações públicas, por exemplo) com o uso de contratos abertos que podem incrementar a transparência orçamentária, la rastreabilidade financeira, e melhorar a gestão de riscos e reduzir a corrupção, usando as bases de dados do setor público dos países.
No longo prazo, Blockchain poderia conectar empresas e pessoas em um novo ambiente de negócios, incluindo o pagamento de seus impostos e todos os registros correspondentes. Isso poderia eliminar os intermediários, e os impostos seriam arrecadados automaticamente, e não pelas empresas, através de regras e smart contracts consensuados nesta nova plataforma descentralizada.
Países como Estônia, Finlândia e Dubai estão desenvolvendo os primeiros pilotos de Blockchain nesta direção, e no Reino Unido começaram um piloto de meios de pagamentos eletrônicos de benefícios sociais pelo Tesouro, diretamente a telefones celulares, usando Blockchain. Esses novos modelos poderiam um dia eliminar a necessidade de conciliação financeira, e os impostos e contribuições seriam arrecadados em tempo real e de forma mais transparente.
Se bem que ainda exista poucas aplicações de Blockchain em funcionamento no setor público, é preciso continuar estudando esta grande oportunidade que poderá transformar totalmente os negócios e a forma de arrecadação dos impostos e de realizar o gasto público. Afinal, é um tema muito mais cultural e organizativo, de empoderar as redes, que um tema tecnológico. Embora os regulamentos não estejam ainda desenvolvidos, essa tecnologia representa um grande potencial.
4.Compartilhar soluções, códigos e padrões digitais
Na nova economia digital é cada vez mais fácil replicar e aproveitar sistemas, partes de sistemas, algoritmos, e soluções digitais em geral. As regras e processos digitais são acumulativos, e podem ser aproveitados indefinidamente, principalmente com o uso de códigos abertos e interfaces padronizadas. No longo prazo, os dados constituirão o ativo de maior valor, não os processos ou sistemas, nem a infraestrutura tecnológica.
No Banco Interamericano de Desenvolvimento já existe uma plataforma para compartilhar os códigos de sistemas (http://code.iadb.org/es/comparte-tu-codigo) o que possibilita o acesso a Apps, algoritmos, sistemas e outras ferramentas digitais.
Esta é uma oportunidade de ouro para o setor público, principalmente para os governos subnacionais, devido ao potencial de escala e de portabilidade, pois o custo marginal é menor se a possibilidade de replicar conceitos e reutilizar bases e processos comuns são reaproveitados. Por exemplo, esta plataforma possibilita que municípios compartam soluções que tenham desenvolvido aplicadas al cadastro digital e o imposto predial, que podem adaptar-se rapidamente às necessidades locais e contribuir para uma maior arrecadação.
Conclusões
Estas quatro oportunidades de ouro podem ajudar a preparar um Road Map Digital Fiscal em um país ou um governo subnacional ou local, com um grande potencial para melhorar a arrecadação sem subir as taxas dos impostos atuais. Se bem que estes quatro temas não se excluam mutuamente, nem esgotam todo o desafio digital a ser enfrentado, podem ajudar a estruturar uma visão de futuro, uma estratégia, e a construção de prioridades e lideranças para uma transformação digital no setor público na área fiscal.
Cada país da região tem capacidades institucionais distintas, o que sim conta, mas não deveria ser um impedimento para avançar. Uma resistência menor à mudança, com uma boa liderança, pode compensar una insuficiente capacidade institucional. Da mesma maneira que o processo de institucionalização impactou o mundo analógico, a evolução institucional digital é um tema fundamental e estratégico na agenda de desenvolvimento dos países da América Latina e Caribe.
Além de fazer com que a administração tributária seja mais eficiente, a digitalização pode facilitar o pagamento de impostos pelos contribuintes. Atualmente, na América Latina e Caribe é necessário o dobro de horas/ano para administrar o pagamento dos impostos se comparamos com os países de la OECD.
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