Veronica Frisancho*
Os latino-americanos são menos propensos a pouparem? Por que a América Latina tem um mau desempenho nas taxas de poupança quando comparada a regiões com níveis parecidos de desenvolvimento econômico? Existem vários fatores que influenciam as taxas de poupança e há vários motivos particularmente importantes que geram estas lacunas a nível familiar. Em particular, as experiências passadas, os aspectos psicológicos que incluem os genes e a linguagem poderiam dizer muito sobre a capacidade de economia da região.
Aqui vão algumas das principais características dos latino-americanos que poderiam explicar nossas menores taxas de poupança.
1. Falta de confiança nos sistemas financeiros
O longo histórico de crises financeiras e corridas bancárias na região poderiam ser um dos principais motivos para que os latino-americanos não confiem em seus bancos. A crise de 2001 segue sendo uma lembrança vivida na Argentina. O mesmo aconteceu com a desvalorização da moeda, em 1994, no México o que gerou fortes resquícios em toda a região. Efetivamente, segundo a base de dados da Global Financial Inclusion (Global Findex), a falta de confiança nos bancos é a segunda justificativa mais importante para que os latino-americanos não tenham conta bancária formal; apenas “falta de dinheiro” é mencionado com mais frequência. O quadro abaixo mostra a América Latina e Caribe, seguidos da Europa e Ásia Central, como a região que apresenta maior desconfiança dos sistemas financeiros, em especial na comparação com Leste da Ásia e o Pacífico.
2. Baixa alfabetização financeira
É necessário desenvolver uma alfabetização financeira na América Latina, já que se encontra em um estado frustrante e que poderia talvez aumentar ainda mais a desconfiança nos bancos. Depois de tudo isso, é difícil pedir a alguém que confie nas instituições financeiras se pouco as entendem, e o mesmo acontece com o funcionamento dos sistemas financeiros. Segundo um estudo, a maioria da população no Chile, Colômbia, Guatemala, México e Peru não compreendem termos como “taxa de juros” e “inflação”.
3. Propensão genética
Vários estudos vêm tentando descobrir a fundo as diferenças de comportamento sobre a poupança que se observam em diferentes países e indivíduos para compreender se existe uma predisposição natural em guardar menos dinheiro relacionado com os genes, por exemplo. Um estudo de gêmeos idênticos e não idênticos na Suécia concluiu que as diferenças genéticas explicam em torno de 1/3 da variação das taxas individuais de poupança. O estudo revelou também que os que poupam menos tem mais tendência ao fumo e à obesidade, e sustentam que parte disto está relacionada com os recursos essenciais como a falta de autocontrole e dificuldades para adiar recompensas. Se certos recursos genéticos desenham as preferências temporárias, poderia acontecer que a tendência a procrastinar varie segundo a população. Um novo estudo do BID mostra que em média 1/3 da população urbana de cidades no México, Peru e Brasil podem ser consideradas descontadoras hiperbólicas: pessoas cujas preferências de consumo hoje revelam maior impaciência para suas escolhas no futuro. Esta inconsistência temporal é um fator particularmente importante para as decisões de longo prazo que implicam em assumir um compromisso hoje. No Peru, por exemplo, 14% menos provável que os descontadores hiperbólicos poupem, em comparação com pessoas que mostram o mesmo grau de paciência além de quando se tome a decisão.
4. Uso da linguagem?
Uma linha de pesquisa mais recente se concentra na “relatividade linguística”: a estrutura da linguagem afeta as formas com que seus falantes veem o mundo? Pode uma linguagem influenciar a forma como pensamos e os nossos comportamentos não linguísticos de como poupar? Um estudo recente avalia que os falantes de idiomas que desassociam o presente do futuro têm mais dificuldades para economizar. Foi descoberto, por exemplo, que os chineses marcam menos rigidamente as diferenças entre eventos presentes e futuros que os colombianos, que conseguem realizar uma distinção muito clara. Concluiu-se que o grau de referências ao tempo futuro (FTR, sigla em inglês) é específico de cada idioma e está altamente correlacionado com a forma que os falantes lidam com as decisões familiares e individuais em temas de saúde e preferências de poupança. De fato, considerando as taxas nacionais de poupança, a relatividade linguística poderia desempenhar um papel importante: os países de idioma com FRT forte economizam cerca de 5% menos por ano que os países comparados com idiomas que realizam uma distinção mais fraca entre o presente e o passado.
5. Inércia e falta de atenção
Estas duas características psicológicas também afetam as decisões de poupança. Por exemplo, ao escolher um restaurante para jantar muita gente tende a ir aos mesmos lugares ou pedir os mesmos pratos. Esta preferência por status quo é uma escolha segura que poderia desenvolver hábitos. Sim, por quaisquer que sejam as razões, os latino-americanos tem menos propensão a economizar, poderia ser difícil sair desse caminho e superar a inércia. Por outro lado, a inércia poderia ser usada para promover hábitos de economia entre crianças e jovens, como explica este post. A atenção limitada significa que algumas pessoas poderiam ter problemas para prever seu consumo futuro ou poderiam passar por cima destes detalhes ao tentar fazê-lo. Na América Latina, onde as pessoas estão acostumadas a enfrentar incertezas e situações de maior risco que em outras regiões, pode ser mais difícil realizar previsões ou traçar planos financeiros para o futuro.
Estes são alguns dos fatores que influenciam o comportamento da economia dos latino-americanos. Compreendê-los é um primeiro passo para atacar o problema da pouca poupança na região. Estes são alguns dos temas que tem inspirado o Departamento de Pesquisa do BID a dedicar a edição de 2016 de sua publicação emblemática, Desenvolvimento nas Américas (DIA), a poupança.
Este post foi publicado originalmente no blog do BID, Ideas que Cuentan
*Veronica Frisancho é economista do Departamento de Pesquisa do BID. Tem doutorado em economia pela Universidade do Estado da Pensilvânia e é graduada como economista pela Universidade do Pacífico em Lima, Peru. Veronica já trabalhou no GRADE, um renomado centro de pesquisa no Peru, e tem vários anos de experiência por lecionar cursos de economia em diversas áreas como crescimento e desenvolvimento, introdução a microeconomia, macroeconomia entre outros, tanto no Peru como nos EUA.
Leave a Reply