Com foco no turismo de base comunitária e na valorização da cultura alimentar, o projeto Paisagens Alimentares promove experiências inspiradoras no Nordeste brasileiro, fortalecendo saberes tradicionais, redes locais e a sustentabilidade dos territórios.
Uma nova forma de fazer turismo vem ganhando força no Brasil, colocando no centro do desenvolvimento territorial sustentável aquilo que por séculos foi invisibilizado: os saberes tradicionais, os modos de vida do campo, a cultura alimentar e o protagonismo das comunidades locais. Essa é a proposta inovadora do Projeto Paisagens Alimentares, que traz resultados inspiradores para comunidades dos estados de Alagoas, Pernambuco e Sergipe, no nordeste do Brasil.
Coordenado pela Embrapa Alimentos e Territórios, o projeto que contou com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento lançou um olhar sobre o meio rural ao integrar produção agroalimentar, experiências turísticas autênticas e o fortalecimento da identidade cultural e alimentar. O resultado é um modelo replicável de turismo sustentável de base comunitária, que respeita o território e valoriza suas gentes.
Um novo conceito: paisagens alimentares
A partir de diagnósticos participativos, oficinas, intercâmbios e imersões em campo, o projeto consolidou o conceito de paisagens alimentares como espaços geográficos que integram elementos materiais e imateriais – da biodiversidade aos sabores, da história dos alimentos aos símbolos culturais – permitindo contar a história do território a partir de seus processos produtivos e de sua comida.
As paisagens alimentares revelam o papel multifuncional da agricultura, destacando não apenas a produção de alimentos, mas também a construção de vínculos sociais, a preservação ambiental e a resistência de comunidades guardiãs da sociobiodiversidade. Ao mesmo tempo, essas vivências ganham contornos turísticos capazes de gerar renda, autoestima e pertencimento, sob a ótica da função paisagística.
O protagonismo vem da terra e das pessoas
Um dos pilares do projeto é o fortalecimento do turismo de base comunitária e do turismo gastronômico, reconhecidos como instrumentos eficazes para diversificar a economia rural de forma ética, participativa e ambientalmente responsável.
Todas as experiências implementadas destacaram o papel fundamental das mulheres rurais e dos jovens, frequentemente os mais afetados pelas desigualdades sociais e pela ausência de oportunidades. Em vez de coadjuvantes, essas pessoas tornam-se as principais guardiãs dos saberes e fazeres locais, assumindo a liderança na condução de experiências turísticas autênticas, nas quais os modos de vida, a produção agroalimentar, a culinária, o artesanato, os recursos naturais utilizados em trilhas agroecológicas e a cultura local se tornam ingredientes para vivências imersivas e únicas.
Experiências que contam histórias
As diversas experiências surgidas com o projeto demonstraram na prática o que significa viver e valorizar as paisagens alimentares. Em Alagoas, por exemplo, a rota “Da Caatinga aos Cânions” celebra a biodiversidade local com pratos e produtos feitos a partir de ingredientes nativos da Caatinga, na região de Olho d’Água do Casado. Já a vivência “Agricultura Familiar na Serra das Pias” conecta visitantes ao universo da agroecologia e da cultura alimentar das famílias agricultoras da região de Palmeira dos Índios, com destaque para os produtos à base da jabuticaba, fruta nativa muito versátil na gastronomia.
Em Sergipe, o projeto trouxe à tona a riqueza do litoral e do campo. No município de Indiaroba, o roteiro “Delícias da Terra” enaltece os saberes e fazeres de mulheres marisqueiras e catadoras de mangaba, ofício em torno do fruto símbolo da identidade sergipana e parte integrante da cultura local. Já em São Cristóvão, cidade histórica reconhecida como berço da colonização sergipana, a rota da “Cidade Mãe de Sergipe” transformou três ingredientes emblemáticos – o coco (africano), a mandioca (indígena) e o açúcar (europeu) – em símbolos da miscigenação brasileira, contados pelas mãos de beijuzeiras e doceiras que preservam tradições ancestrais em receitas centenárias.
Em Pernambuco, as “Riquezas ancestrais e do manguezal” revelam um refúgio entre a terra e o mar, onde quilombolas e marisqueiras compartilham histórias, modos de vida e receitas que atravessam gerações. Essa paisagem convida o visitante a exercitar os cinco sentidos e a também se tornar um guardião da memória.
Conectando saberes para transformar
Além das vivências nos territórios, o projeto Paisagens Alimentares foi construído a partir de uma ampla articulação institucional. Universidades públicas, instituições de pesquisa, governos estaduais e municipais e a iniciativa privada uniram forças para criar um marco estratégico de valorização das paisagens alimentares.
Essa abordagem colaborativa resultou na criação de uma rede sociotécnica envolvendo as comunidades dos três estados, o que culminou em um modelo de governança territorial sustentável de forma participativa. Em vez de intervenções externas, o projeto estimula a escuta ativa, o planejamento coletivo e o protagonismo dos próprios territórios como agentes de transformação.
Esse modus operandi contribui para um dos legados mais importantes do projeto: permitir que as comunidades continuem planejando, debatendo e executando as ações, tornando-se protagonistas do seu próprio desenvolvimento local, integrado e sustentável.

Turismo que gera pertencimento e renda
O impacto do projeto Paisagens Alimentares vai além dos resultados econômicos. A iniciativa promove autovalorização, afirmação de identidades, educação ambiental, patrimonial e expectativas de futuros promissores para jovens e mulheres do campo. Mais do que estimular roteiros turísticos, o projeto semeia dignidade e busca colher inclusão socioprodutiva.
Ao reconhecer os territórios como espaços vivos de memória, inovação e afeto, o projeto mostra que o turismo sustentável de base comunitária pode – e deve – ser uma ferramenta para proteger o que é essencial: a cultura viva dos povos e a natureza que os alimenta.
O papel do BID e os próximos passos
Para o BID, o apoio a iniciativas como o Paisagens Alimentares reafirmou o compromisso com uma agenda de desenvolvimento inclusivo, sustentável e centrado nas pessoas e na preservação dos recursos ambientais. O projeto se alinha diretamente aos objetivos estratégicos de redução da pobreza, desenvolvimento rural, adaptação climática e fortalecimento das economias locais.
O BID reconhece que iniciativas como esta são ferramentas poderosas para alavancar transformações reais em territórios historicamente invisibilizados. A experiência do Nordeste brasileiro pode, agora, inspirar políticas públicas, programas e investimentos em outras regiões da América Latina e Caribe.
Assista aos vídeos e conheça todos os territórios:
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