Marcella Distrutti*
As evidências mostram que a realização de partos em instituições de saúde especializadas está positivamente associada a reduções nas taxas de mortalidade materna, ainda considerada um desafio de saúde na América Latina e Caribe, que depende de diversos fatores. Entretanto, ter todos os partos assistidos por profissionais em hospitais não é garantia de uma alta qualidade de cuidados e, como consequência, baixos índices de mortes maternas. Este cenário se repete em países de toda a região, incluindo o Brasil, onde a mortalidade materna permanece alta apesar da taxa de concepção em hospitais ser de 98%.
No Brasil, estudos sugerem que alguns hospitais realizam procedimentos desnecessários e aqueles que decorrem de tratamentos médicos ocasionais (procedimentos iatrogênicos) ainda ocorrem com frequência em hospitais dos setores público e privado. A medicação excessiva também subiu como fica demonstrado pelo alto número de cesarianas registradas (56% de todos os bebês nascidos vivos em 2012 em ambos os setores, público e privado)
De acordo com a literatura, baixas taxas de mortalidade materna podem estar associadas a uma maior multiplicidade nos quadros dos prestadores de cuidados com a saúde, incluindo parteiras profissionais (com instrução universitária) – este modelo tem sido implementado com sucesso em países como a Suécia e o Reino Unido. Essa poderia ser uma resposta para alguns dos problemas atualmente enfrentados pelo modelo brasileiro?
Parteiras profissionais são obrigadas a fazer um curso de quatro anos no Brasil – ou um curso de quatro anos em enfermagem seguido de uma especialização. De acordo com a legislação brasileira, parteiras profissionais podem assistir partos de baixo risco. Na prática, entretanto, apenas um pequeno número de parteiras profissionais estão envolvidas nesses procedimentos devido ao modo tradicional como os cuidados de saúde são prestados nos hospitais.
Quais seriam os potenciais benefícios obtidos com uma mudança dessa prática?
1. Parteiras profissionais podem aumentar o acesso à saúde
Devido às dificuldades relacionadas à regularização da assistência médica, em muitos estados brasileiros a maioria das mulheres não sabem em que hospital darão a luz e geralmente precisam encontrar um vaga hospitalar durante o trabalho de parto. Devido à falta de profissionais de saúde em hospitais localizados em pequenos municípios, as mulheres procuram ajuda nos hospitais públicos dos grandes centros urbanos que estão geralmente cheios. Parteiras profissionais podem realizar partos simples em cidades pequenas, desde que haja pontos de apoio e transporte em caso de emergências, bem como em grandes hospitais, onde grupos de parteiras podem assistir um número maior de nascimentos do que apenas os obstetras.
2. Parteiras profissionais podem reduzir a necessidade de assistência médica
Não apenas em relação ao elevado número de cesarianas, mas também em relação à outros procedimentos médicos como a indução eletiva de trabalho de parto e episiotomia (incisão efetuada na região do períneo, área muscular entre a vagina e o ânus). Infelizmente, como ocorre em muitos países, fatores financeiros subjacentes e outros motivos, conduzem a uma série de iniciativas perversas para o aumento no número de partos realizados o que, por sua vez, contribui para um aumento desenfreado na realização de procedimentos desnecessários para acelerar os nascimentos. O uso imoderado desses procedimentos sem justificativa médica demonstra a baixa qualidade do atendimento e pode levar a problemas maternais e neonatais.
3. O trabalho das parteiras profissionais dá mais autonomia à mulher, o que contribui para um maior envolvimento com o seu parto
Existem diversos relatos na literatura especializada sobre mulheres que não estiveram suficientemente envolvidas nas decisões relativas aos seus partos, cujas necessidades e preferências não foram levadas em consideração e que, por esse motivo, sentiram-se vulneráveis e inseguras durante todo o processo. Parteiras motivam as mulheres e dão a elas maior controle, diminuindo o número de procedimentos invasivos e promovendo uma experiência mais natural, com maior liberdade de movimentos e posições. As mulheres também consideram que os cuidados dispensados pelas parteiras são menos impessoais, aumentando os sentimentos de segurança e confiança. A qualidade do treinamento recebido pelas parteiras é fundamental e deve atentar sempre para este lado humanista da profissão.
Por todas estas razões é importante que o Brasil, bem como outros países da região que sofrem com os mesmos problemas (altas taxas de cesarianas, por exemplo) considerem mais fortemente a necessidade da criação políticas públicas para promover nascimentos assistidos por parteiras profissionais, lembrando que a obstetra deve sempre estar disponível em caso de necessidade. Este debate tem ocorrido no Brasil há alguns anos e é realizado por pessoas vinculadas ao governo, trabalhadores da saúde, a sociedade civil, além das próprias mulheres.
O programa Rede Cegonha lançado em 2011, por exemplo, representou um grande impulso neste sentido, pois forneceu recursos para a construção de centros para a realização de partos normais onde as pacientes podem ser atendidas por parteiras profissionais. Entretanto, o progresso tem sido lento e os resultados ainda ficariam abaixo das expectativas a menos que investimentos em infraestrutura sejam combinados com um maior aumento nas perspectivas das estudantes e parteiras profissionais (e maior treinamento delas na relação com a paciente), com a ampliação das estratégias para conscientização da população sobre a questão, a valorização das parteiras, a diminuição da fragmentação e o incentivo ao trabalho em equipe.
Promover um novo modelo de parto baseado na presença de parteiras profissionais poderia ajudar a aumentar rapidamente o acesso da população aos cuidados do parto, revertendo à tendência de aumento na realização de procedimentos médicos de baixa qualidade e melhorando a experiência da mulher em relação ao seu parto; além disso, essa medida teria um impacto positivo sobre a morbidade e a mortalidade materna na região.
Como o renomado obstetra Michel Odent disse uma vez: “para mudar o mundo devemos mudar primeiramente a forma como os bebês nascem”.
Qual é a taxa de mortalidade infantil no seu estado? Como, esta taxa poderia ser reduzida pela institucionalização da participação de parteiras profissionais?
Post publicado originalmente no blog do BID, Gente Saludable
* Marcella Distrutti é especialista em saúde na Divisão de Proteção Social e Saúde do BID. Seu trabalho tem ênfase no fortalecimento dos sistemas de saúde e no financiamento deles.
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