Este é o segundo post da série que entrevista empreendedores sociais em diferentes áreas.
Não é de hoje que o setor público faz programas focados em co-construção de soluções inovadoras para os seus principais desafios, junto ao ecossistema de inovação. Talvez o primeiro programa de grande porte tenha sido o Pitch Gov.SP, em 2015. Segundo o então governador Geraldo Alckmin, “O Pitch Gov.SP veio para construir uma ponte entre as necessidades do Estado e soluções inovadoras que são desenvolvidas a todo momento pelas startups, criando melhores serviços e tornando o ecossistema de negócios mais robusto.”
Com o sucesso dessa iniciativa, que já conta com duas edições e parceria do BID, várias outras surgiram pelo país. Em 2018, por exemplo, apoiamos o Pitch Sabesp que lançou cerca de 30 desafios – de diminuição de perdas de água à engajamento do consumidor – e selecionou cinco startups, nas quais financiaremos os pilotos.
De forma geral, os programas públicos de open innovation possuem quatro fases norteadoras:
- Identificação e construção de uma lista de desafios prioritários que podem ser resolvidos por soluções tecnológicas;
- Apresentação de startups que possuem soluções para esses desafios e seleção das melhores;
- Co-criação setor público/startup do protótipo que atenda a demanda e criação do plano de trabalho;
- Testes do produto/piloto desenhado de forma experimental para validação do impacto e potencial compra posterior.
Ano passado, o Ministério Público de Pernambuco (MP/PE) iniciou o que talvez seja o primeiro uso robusto da Lei de Inovação, por meio do MPLabs, focando em repensar seu papel no Estado. O MPLabs quer gerar uma transformação digital no órgão, para que ele atenda melhor as demandas sociais, antecipando problemas e conflitos, e aumente o custo-eficiência, seja lendo e redigindo peças jurídicas com maior velocidade, seja monitorando processos e mapeando o modelo de decisão dos seus membros. O que desperta mais atenção ao MPLabs é que ele parece ter resolvido o maior desafio desse tipo de iniciativa: a transição entre o fim do piloto e a compra pública em escala do produto e/ou serviço validado.
Leia aqui o primeiro post da série: Como tornar a gestão pública municipal mais eficiente? – a visão de um empreendedor social
Para estruturar seu processo de inovação aberta, o MP precisou garantir que o ecossistema de startups, academia e centros de pesquisa e inovação estariam envolvidos e aportando expertise de negócios e tecnologia no projeto. Por isso fechou uma parceria com o Porto Digital através da Lei de Inovação. Para nos aprofundarmos nessa experiência, entrevistamos Antônio Rolemberg, o Promotor Geral de Justiça do MP/PE.
Qual foi a motivação da criação do MPLabs?
AR: Precisávamos colocar o MP/PE em maior conexão com a sociedade, que está cada vez mais interligada pelas mais variadas formas de interação digital. Além disso, os membros e servidores necessitavam ter suas ações potencializadas frente à enorme demanda que o MP/PE recebe diariamente, e sem ferramentas inovadoras não conseguiríamos com eficácia: combater a corrupção e a criminalidade, proteger a infância e a juventude, idosos, mulheres e demais políticas sociais que atendem a coletividade e as suas minorias.
Como funciona a parceria com o Porto Digital?
AR: Nós formalizamos um contrato com o Porto Digital, onde por meio desse parque tecnológico, colocamos nossos desafios para o atendimento das demandas sociais, com a finalidade de que as empresas incubadas por eles, produzam ou adaptem às tecnologias existentes e construam ferramentas inovadoras para a solução dos grandes desafios do MP. Problemas esses que são comuns a todos os que fazem parte do sistema de Justiça, incluindo Ministérios Públicos, Poder Judiciário, Defensorias, Polícias, Procuradorias dos entes.
Como foi usada a Lei de Inovação no projeto?
AR: A lei nº 13.343/2016 foi um marco para várias áreas do desenvolvimento científico, em especial nos atingiu pelo estímulo dado à capacitação tecnológica e inovação. Dentre as mudanças trazidas, tivemos a definição e os requisitos do que seria um Instituto de Ciência e Tecnologia – ICT, de onde o Porto Digital se enquadra como incubadora de tecnologia, formalizamos contrato nos moldes autorizados pela Lei e seu Decreto 9.283/2018, que regulamentava todo processo. A partir daí fomos colocados em contato direto com as startups.
Você acha que estar imerso à um ecossistema de inovação desenvolvido como o do Recife, foi essencial para o programa? Tem alguma sugestão para outras regiões do Brasil?
AR: Lógico que a proximidade foi essencial para essa parceria. Contudo, a partir dos contatos iniciais, nosso relacionamento cotidiano se dá de maneira quase toda tele presencial. Fazemos diariamente reuniões com os profissionais internos e externos, utilizando as várias ferramentas de comunicação à distância. Só para ilustrar, estamos no segundo ciclo de inovação, e já vamos estar conectados com outro parque tecnológico para o enfrentamento dos novos desafios postos, que é o INOVABRA, tudo providenciado pelo Porto Digital.
Nosso conselho, para quem esteja interessado em inovar, é procurar um parque de inovação e tecnologia que possa lhe atender, sem se ater à distância geográfica, pois os ganhos com a inovação com risco diminuído são de suma importância.
Quais eram os objetivos no início da primeira rodada de open innovation? Eles foram atendidos?
AR: O MP/PE quando da realização do mapa estratégico tri anual, que circulou por todas as promotorias de justiça do Estado, envolvendo nessa jornada membros e servidores, já tinha um mapa dos desafios apontados como cruciais para a evolução organizacional. Logicamente, o número de desafios, sejam do negócio, da área meio ultrapassaram e muito os objetivos/desafios. Sem dúvida alguma, o primeiro ciclo de inovação através do OIL, nos deu a dimensão do caminho ser tomado, tanto do ponto de vista cultural, quanto operacional.
Inovar é por óbvio correr risco, o open innovation reduz substancialmente esses riscos,
mesmo assim saímos com quatro MVP’s produzidas pelo ecossistema de inovação (Voxia, Minera, Revisio e Assessora) e um produzido internamente pela equipe do MPLabs (Audivia). Desses produtos, tivemos a junção de escopo de dois deles (Assessora e Revisio) que se encontram em aceleração, e dois operacionais que são o Voxia (transcrição automática de audiovisual com a IA identificando a temática) e Audivia (solução de automação da Ouvidoria também com uso intensivo de machine learning). Objetivos propostos alcançados e atendidos com sucesso!
Como foi o processo de open innovation, da identificação de desafios ao desenvolvimento e aplicação das soluções?
AR: Inicialmente, identificamos 14 desafios, tidos por prioritários na Fase 1; 40 empresas incubadas pelo Porto Digital compareceram à Fase 2 para entender as problemáticas ali postas, junto aos gerentes do negócio Ministério Público (membros e servidores); 12 protótipos foram apresentados na Fase 3 ; foram escolhidos 4 para se tornarem MVP’s na Fase 04; sendo apresentados na semana nacional do Ministério Público, em dezembro de 2018 na Fase 5. Em quatro meses de intenso trabalho, foram envolvidos 60 profissionais, 20 membros do MP/PE e foram contabilizadas mais de 60 mil horas de trabalho. Sucesso absoluto!
Como foi o processo de co-criação com os empreendedores? Que papel se espera do empreendedor e do gestor público? Como se adaptaram?
AR: Foram realizadas dezenas de reuniões durante o ciclo, as ferramentas eram quase que simultaneamente validadas pelo MP/PE, horas e horas de discussões para o correto entendimento do problema para que não se desenvolvesse um produto que não atendia a demanda antes colocada, minimizando substancialmente o risco. O empreendedor teve que perceber que não se tratava de aquisição de um produto por um órgão público, e sim uma coalizão legalmente autorizada para que, cada parte fornecesse a expertise e recursos financeiros em sua área e nessa junção tivemos efetivamente o que procurávamos. A compreensão do ritmo de trabalho de cada parte foi fator de suma importância, já que o MPLabs não funciona tal qual o expediente do órgão, tendo os integrantes sua jornada estendida em horas e dias de trabalho, se adaptando a realidade das startups e empresas do ecossistema de inovação.
Quais foram os principais desafios?
AR: Quebra de paradigmas internos, o convencimento da necessidade de envolvimento dos integrantes do MPPE na construção das problemáticas que necessitavam de solução. Não se pode deixar de citar que os poucos recursos financeiros internos para investimentos em logística e infraestrutura para dar suporte a todo o arcabouço de ferramentas que o MP/PE necessita para atender sua finalidade institucional.
Quais são os próximos passos para o MPLabs?
AR: Resolver as demais problemáticas existentes nos próximos dois ciclos restantes no contrato com o Porto Digital, sejam elas na área finalística, seja na área meio reduzindo a necessidade de aumento de gasto com pessoal através. Tornar o MP/PE mais eficiente com essas ferramentas e a contínua mudança de pensamento da organização, para que com isso, sejamos mais próximos dessa sociedade conectada, que nos demanda entregas rápidas e efetivas.
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