Laura Vargas, Gustavo Mendez e Irene Altafin*
A bacia amazônica é a maior provedora de serviços ecossistêmicos do planeta e engloba a maior área da floresta tropical úmida do mundo, seguida pela bacia do Congo. Entretanto, abundância de água nem sempre é sinônimo ou garantia de acesso à água para o consumo humano. Alguma vez você se perguntou como são fornecidos os serviços básicos de saneamento para as comunidades rurais desta área? Quais são as particularidades? Quais são os desafios?
Na prática, a degradação dessa região representa uma das maiores ameaças para o planeta. Contudo, enquanto a maior preocupação está na perda das funções chave, como a regulação climática e hidrológica, pouco se sabe das dificuldades que enfrentam as comunidades que moram lá, e que no meio de uma vasta disponibilidade de recursos hídricos não contam com acesso a água potável e esgotamento sanitário.
Dada a importância desse tema, durante o 8° Fórum Mundial da Água, realizado este ano aqui no Brasil, aconteceu a sessão “Acesso Sustentável ao Saneamento em Regiões de Florestas Tropicais”, coordenada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em parceria com o Ministério de Integração Nacional do Brasil. Especialistas de países pertencentes à bacia amazônica apresentaram valiosas contribuições sob uma ótica integrada que dialogou com as peculiaridades ambientais, sociais, econômicas e culturais da população dessa região.
Quem conhece melhor as nossas necessidades do que nós?
A apresentação de Sonaly Rezende, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora pela UFMG da elaboração do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) no Brasil, resgatou a importância de escutar a população com a frase “quem conhece melhor as nossas necessidades do que nós?”. O PNSR no Brasil está sendo construído com intensa participação da sociedade e estabelece as diretrizes e estratégias para as ações de saneamento básico em áreas rurais, com o propósito de que toda a população rural tenha pleno acesso em um horizonte de 20 anos.
Na região da Amazônia brasileira, o PNSR tem dedicado especial atenção ao compartilhamento dos olhares das comunidades que ali vivem, dados os desafios que devem ser enfrentados: as comunidades são geralmente isoladas e localizadas em áreas de difícil acesso físico ou em locais ribeirinhos inundáveis; a existência de inúmeras comunidades indígenas requer especial atenção aos aspectos culturais, além da magnitude dos impactos associados às intervenções para a geração de energia, mineração e exploração de petróleo; e claro, os desafios na implementação de soluções para acesso à água e ao esgotamento sanitário nas comunidades que vivem em enormes áreas alagáveis, que cobrem 14% da Bacia.
Acesso à água potável: o uso de água da chuva em comunidades isoladas
No acesso à água potável, o professor Ronaldo Mendes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), destacou as experiências do Grupo de Pesquisas Aproveitamento de Água de Chuva na Amazônia, Saneamento e Meio Ambiente (GPAC Amazônia) com apoio de instituições governamentais e ONGs, na adaptação dos sistemas de captação de água chuva às particularidades dessas comunidades.
As vantagens deste sistema já são reconhecidas em outras áreas rurais, mas neste caso são potencializadas pela abundante presença de chuvas, a água é coletada in-situ; não requer o uso de energia elétrica nem sistemas de transporte; a infraestrutura requerida é simples e de fácil operação e manutenção; o processo de tratamento é simplificado e de baixo custo. Veja aqui.
O Projeto Salta-Z: melhorando a qualidade da água potável
Já Rainier Pedraça de Azevedo, técnico da FUNASA, apresentou o projeto Solução Alternativa, Coletiva, Simplificada de Tratamento de Água para Consumo Humano, o Salta-Z, que filtra a água bruta diretamente das fontes de água superficial. Trata-se de um filtro artesanal pressurizado constituído principalmente por tubos e conexões de PVC e zeólita como meio filtrante, desenvolvido pela FUNASA. A implementação desse projeto tem trazido benefícios como a diminuição da incidência de casos de diarreia e o desenvolvimento da agricultura familiar.
Esgotamento sanitário adaptado às áreas alagáveis
João Paulo Borges Pedro, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, apresentou soluções individuais de esgotamento sanitário comumente implementadas em residências de áreas rurais, com a particularidade de terem sido elevadas para evitar o risco de alagamento, entre essas, o sanitário seco com separação de urina. Em particular, apresentou-se como alternativa um sistema de tratamento adaptado para flutuar, composto por dois tanques, um tanque séptico seguido de um filtro anaeróbio, nomeado fossa filtro flutuante.
Lições aprendidas a partir da experiência no Peru
A experiência do Peru, apresentada pelo engenheiro Guillermo León, distinguiu os desafios e as lições aprendidas a partir das intervenções de programas de Governo. Algumas dificuldades se destacaram, como o elevado custo e os longos períodos de implementação devidos à dispersão das comunidades e à falta de materiais adequados na região, assim como a baixa aceitação dos sistemas de tratamento pela população. Entre as lições aprendidas, a importância de se adotar estratégias de intervenção adaptadas às realidades étnicas; e a relevância em respeitar a estrutura organizacional das comunidades nativas, como um fator determinante para o sucesso dos programas.
Concluindo…
A sessão esclareceu que ainda com os avanços suscitados pela articulação entre alguns atores, persiste a necessidade de se criarem esquemas institucionais mais amplos, alinhados com as particularidades desta região e comprometidos com a realização dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário nestas comunidades. Nesse sentido, a intersetorialidade e a cooperação são os principais elementos a dar atenção, criando condições para o acesso efetivo e contínuo a esses serviços básicos.
No intuito do cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o BID tem promovido e disseminado conhecimento a partir das experiências dos diversos atores envolvidos na construção de soluções sustentáveis para a prestação dos serviços básicos de saneamento para esta população diferenciada.
* Laura Vargas é consultora em Água e Saneamento do BID no Brasil.
* Gustavo Méndez é especialista líder em Água e Saneamento do BID.
* Irene Altafin é consultora e doutora em Engenharia Sanitária.
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