Márcia Mª G. Alcoforado de Moraes*
Pernambuco é um estado ímpar. Não tenho dúvidas disso. Segundo o jornalista e escritor brasileiro, Raimundo Carrero, somos um estado tradicionalista que vai junto com a vanguarda. Qualquer pernambucano, não importa a classe social, em algum momento lhe descreverá pelo menos um dos vários patrimônios ou os melhores do mundo que “só tem aqui”. Razões históricas e intelectuais de peso não faltam para explicar esse sentimento de pertencimento a algo maior, melhor e até pior, mas inegavelmente único, impregnado na nossa identidade.
O Agreste pernambucano é uma região de transição entre a Zona da Mata e o Sertão, com um clima mais ameno e de maior índice pluviométrico, e está sendo chamado de “Novo Sertão”, por ter sido mais impactado por uma seca iniciada em 2011 e que ainda não acabou. De acordo com os últimos dados consolidados do IBGE referentes à decada encerrada em 2014, portanto incluindo a seca, este mesmo Agreste, sem nenhum investimento estruturador de peso e infraestrutura precária, foi a região do Pernambuco que mais aumentou a participação no PIB estadual (5,2% ao ano). Este aumento médio anual foi maior que o do estado (4,1%) e que da Região Metropolitana do Recife (3,9%).
A tão sonhada segurança hídrica para a região, que viria através da construção da Adutora do Agreste, ligando três importantes bacias pernambucanas – Capibaribe, Ipojuca e Una – e abastecendo 68 municípios com as águas do São Francisco não foi concluída. Este e outros fatores agravaram a crise de escassez de água atual e vem exigindo o desenvolvimento de soluções emergenciais – como os Sistemas Adutores de Pirangi, Moxotó e Serro Azul – para levar água ao Agreste através de outras fontes de financiamento. Resultado: dos 28 municípios em colapso em Pernambuco, 25 são da região e apenas duas das suas 71 cidades não decretaram estado de emergência no final de 2016.
Significativas perdas econômicas foram registradas, principalmente nos setores mais intensivos em água como a bacia leiteira (redução na produção de 45%) e a produção de jeans. As lavanderias, consideradas o coração do polo têxtil do Agreste, foram em grande número fechadas, muitas pelos altos custos da água devido ao colapso do mais importante reservatório da região, Jucazinho. O genial cineasta brasileiro Claudio Assis colocou uma frase autoral como mote de seu último filme Big Jato: “Quem não reage, rasteja!”.
Não por acaso nativo da região, seus conterrâneos definitivamente mostraram não ter nenhuma vocação para se arrastar. Alguns produtores de jeans investiram na infraestrutura de reuso da água, conseguindo uma sobrevida e mantendo empregos. Além do reuso da água, investimentos privados em grandes reservatórios para armazenar água de chuva e não perder “nem uma gota”, foram feitos por centros atacadistas. Pecuaristas substituíram a atividade de pecuária pela criação de aves. Isto ocorreu principalmente por ser a criação de galinhas mais eficiente no uso da água do que a pecuária, e mais ainda a produção de ovos.
Na prática, o que os agentes econômicos estão fazendo no Agreste é otimizando o uso da água, uma importante estratégia de gestão de demanda, sobre o qual escreverei em seguida. Por puro instinto de sobrevivência, o Agreste empreendedor está tornando o uso da água mais eficiente, reduzindo as perdas e transferindo os recursos escassos para setores que agregam mais valor para a sociedade, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico do estado. Uma belíssima aula de economia dos recursos hídricos!
*Márcia Mª G. Alcoforado de Moraes é professora associada do Departamento de Economia/PIMES/PPGEC da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
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