O deslocamento a pé, seja para acessar o carro, o transporte público, a bicicleta, os estabelecimentos, as residências ou as próprias calçadas fazem parte do dia a dia de todo cidadão e isso só demonstra que a mobilidade ativa, que é a forma de transporte de pessoas feita a pé, é um elemento estruturante das cidades.
Dados recentes mostram que a distribuição entre as ofertas de diferentes tipos de infraestrutura nas cidades brasileiras é desigual, priorizando aquelas voltadas aos transportes motorizados. No Brasil 81,7% do entorno dos domicílios contam com pavimentação, enquanto 69% possuem calçadas e apenas 4,7% rampas para acessibilidade, o que não reflete a tendência mundial de fomentar a sustentabilidade no meio urbano com a revitalização das reais funções das ruas.
No entanto, algumas medidas podem ser tomadas para melhorar esse cenário, com a implementação de estratégias para planejar e implantar vias que permitam o acesso seguro e integrado de pedestres, ciclistas, motoristas e usuários de transporte público, de modo a possibilitar a permanência do indivíduo nas vias ao torná-las mais atrativas.
Para tornar as ruas mais atrativas para os usuários, o World Resouces Institute avalia que é preciso trabalhar elementos que configuram o ambiente. Os mobiliários urbanos alocados nas vias como iluminação pública, pontos de ônibus, lixeiras, monumentos, vegetação, sinalização e outros são elementos fundamentais.
Além disso, a forma como a rua se relaciona com os edifícios, principalmente a interação com as fachadas, contribui para ruas mais envolventes e caminháveis com o objetivo de promover espaços para troca de experiências sociais, ambientais e econômicas. Abaixo compartilhamos uma proposta que exemplifica como trabalhar esses elementos urbanos em uma rua:
Dentre os diversos benefícios de se promover ruas completas e a mobilidade ativa estão a diminuição do transporte motorizado, inclusão de meios mais saudáveis de locomoção, redução da emissão de gases poluentes, aumento da segurança, vivacidade das ruas, melhora da interação do indivíduo com o comércio local e até mesmo a valorização imobiliária.
No Brasil, esse tipo de conceito começou a ser introduzido nos anos 2000, sendo impulsionado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana. Cidades como Orlando nos EUA, Toronto no Canadá, Curitiba capital do Paraná e Belo Horizonte capital de Minas Gerais desenvolveram projetos e políticas públicas para fomentar ruas mais caminháveis, e utilizaram nesse processo de desenvolvimento urbano algumas estratégias:
- Políticas de desestímulo do uso do transporte individual motorizado;
- Ações educativas e de incentivo a diminuição do uso do transporte individual motorizado;
- Viabilização de ruas compartilhadas;
- Road diet: retirada de uma via de rolamento para carros;
- Traffic calming: moderação do tráfego de automóveis;
- Aumento das calçadas;
- Aumento do espaço verde aberto existente.
Caso de sucesso – Campo Grande, Mato Grosso do Sul
A rua 14 de julho, localizada no centro da cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, com extensão total de 5km, é considerada um dos principais locais de atividade urbana do município, motivo pelo qual foi elaborado um projeto de requalificação em 1,4 Km dessa via, abordado no Manual de Gestão Inteligente do Espaço Público, elaborado pela prefeitura de Campo Grande.
Os principais problemas diagnosticados para o projeto dessa via foram áreas públicas subutilizadas, falta de conforto ambiental, perda do dinamismo econômico, poluição visual, poucas áreas sombreadas e calçadas estreitas com obstáculos, como as imagens demonstram:
A partir dos problemas identificados, o projeto de requalificação da via 14 de julho propõe resgatar valores socioculturais revitalizando economicamente a área central e qualificando os espaços públicos, aumentando a oferta de transporte público e mobilidade, e aprimorando a gestão urbana e ambiental da cidade. A metodologia utilizada consiste em duas fases, uma de elaboração e outra de evolução do projeto, como esquematizado a seguir:
Alguns exemplos dos elementos e equipamentos urbanos propostos pelo Manual de Gestão Inteligente do Espaço Público para o projeto de requalificação da via foram: totens para os equipamentos de comunicação, ampliação de calçadas, paisagismo e travessia de pedestre elevada, respectivamente.
A importância das parcerias
Para que haja sucesso na implementação de estratégias que tornem as vias urbanas mais caminháveis é essencial a integração dos setores público e privado nas intervenções. Nesse sentido, usar instrumentos de incentivo e capacitação ajuda a aumentar a promoção do debate entre a esfera pública e privada.
O papel dos cidadãos é fundamental, tanto na fase de planejamento, como de execução das mudanças. Dessa forma, durante o desenvolvimento do projeto, foi realizado um Workshop promovido pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), no qual participaram a Prefeitura, alguns importantes representantes da sociedade civil organizada, como moradores do centro, representantes dos conselhos de apoio às pessoas com deficiência, associação de mulheres com deficiência e coletivos de usuários de bicicleta, houve a participação de professores de arquitetura e urbanismo, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), IPHAN, SESC e os técnicos das empresas que estão realizando os projetos de requalificação das vias do entorno da Rua 14 de julho.
Os impactos já alcançados com as intervenções foram a inclusão de bancos em diferentes alturas para o atendimento de crianças e pessoas com nanismo, que não estava previsto na primeira fase do projeto. Além disso, a AGETRAN está estudando a criação de uma ciclofaixa na Rua 14 de julho. Com as obras iniciadas já pode-se perceber alguns dos elementos propostos pelo projeto, como faixa de pedestre nivelada, estreitamento de ruas e alargamento de calçadas planas.
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