“A Câmara Municipal deveria convocar pessoas com deficiência para opinar sobre projetos, iniciativas e programas, por exemplo, em Curitiba táxis colocam uma placa em Braille, localizada na porta do veículo com a placa do carro, é um boa iniciativa, mas não é prática, não me convence, as iniciativas devem ser acessíveis e práticas ”. (Antonio Nunes, usuário do sistema de transporte público de Curitiba).
Com esta frase Antonio Nunes, participante da metodologia Mapas de Viagem (“Client Travel Maps”) em Curitiba, encerra a entrevista realizada após fazer a análise da acessibilidade da viagem que faz de sua casa ao centro de fisioterapia da cidade.
Antonio e outros seis usuários do transporte coletivo participaram do desenvolvimento da metodologia de mapas de viagens em Curitiba. O objetivo deste trabalho foi caracterizar a experiência de viagem no sistema de transporte coletivo da cidade de Curitiba de 7 perfis de usuários, a saber: deficiência física, deficiência visual, deficiência auditiva, deficiência intelectual, cuidador, idoso de 65 anos e pessoas com mobilidade reduzida temporariamente.
A metodologia proposta baseia-se na compilação de informações qualitativas com base na experiência do usuário e na observação do entrevistador que realiza o monitoramento. Essas informações são usadas para construir um Mapa de Viagem do Cliente (MVC), permitindo identificar lacunas no sistema de transporte público que dificultam a acessibilidade universal.
A realidade brasileira, de acordo com o censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que o país possui 45.606.048 pessoas com deficiência, o que corresponde a 23,9% da população (Ministério da Saúde, 2017). A cidade de Curitiba, por sua vez, tem uma população de 354.964, sendo 268.196 pessoas com deficiência visual, 79.184 pessoas surdas, 95.335 com deficiência física, 21.880 com deficiência intelectual e 443 não declaradas (IBGE, 2010).
Tendo em vista a expressividade dos números das pessoas com deficiência no Brasil, há uma busca histórica pela acessibilidade no transporte público. A Lei 10.098 de 2000, é um exemplo disso, pois estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Também o Decreto 10.014 publica do em 2019 , estabelece em seu art. 38 o prazo de vinte e quatro meses para que fabricação da frota de veículos de transporte rodoviário atendesse todas as normas técnicas de acessibilidade.
Dentro dessas diretrizes apresentadas, a cidade de Curitiba possui 97,54% da frota acessível de acordo com dados da Urbanização de Curitiba (URBS) em setembro de 2020. Os ônibus possuem elevadores para entrada das pessoas que utilizam cadeira de rodas, bancos e espaços preferenciais para as pessoas com deficiência e sinalização sonora dentro do veículo. Também cerca de 88, 15% das estações tubos da cidade, que são pontos de ônibus elevados ao nível da rua, possuem elevadores e rampas.
Diante desse contexto, a aplicação metodologia do MVC foi possível identificar lacunas de acessibilidade que vão além da frota de ônibus ou estações, constatou-se que os pontos do sistema de transporte não estão integrados ao ambiente urbano, especificamente as calçadas. Além disso, evidenciou-se a falta de empatia por parte dos usuários, operadores e motoristas com as pessoas com deficiência durante as viagens. A acessibilidade no transporte público não é apenas estrutural, mas tem a ver com o comportamento entre as pessoas, e desenvolver essa empatia e conscientização na comunidade também é um desafio.
Treinamento para Operadores
Uma das primeiras ações realizadas a curto prazo, depois de aplicada a metodologia dos Mapas de Viagem de Clientes, foi a orientação aos vigias e fiscais do sistema de transportes sobre os direitos das pessoas com deficiência. Ao acompanhar a jornada do cuidador, foi possível observar que os vigias dos terminais de ônibus não tinham conhecimento sobre a diversidade das deficiências, especialmente em relação ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Por isso, em março de 2020, o Departamento dos Direitos das Pessoas com Deficiência realizou um treinamento com os seguranças das estações de transporte. O tema desta formação foi sobre os direitos das pessoas com deficiência, características e dicas de convivência com essa população. No total 130 profissionais que atuam diretamente com usuários em terminais de ônibus participaram do treinamento. A capacitação a estes operadores, contribuiu para a criação de um atendimento mais empático às pessoas com deficiência como usuários do transporte público, proporcionando acessibilidade atitudinal.
A importância da participação
Por meio da metodologia aplicada aos Mapas de Viagem do Cliente, foi possível avaliar a percepção das pessoas com deficiência durante suas viagens, a fim de agir para eliminar as barreiras que surgem durante a viagem. As tarefas a serem realizadas incluem programas e projetos maiores, mas também ações de curto prazo. Entre essas últimas estão as barreiras comportamentais, mencionadas por todos os participantes da avaliação. Os momentos identificados com maior estresse pela interação com outros usuários foram a espera do ônibus, a preparação para a entrada e a saída do veículo. Na medida em que há maior respeito e atenção por parte dos operadores, as viagens de pessoas com mobilidade reduzida podem ser mais eficazes e seguras. É preciso continuar trabalhando nesse aspecto e incluir a participação das pessoas com deficiência no planejamento, execução e operação dos sistemas de transporte. Os benefícios de um sistema de transporte acessível são para toda a sociedade; oferece oportunidades de educação, saúde, emprego, recreação, entre outros. A avaliação de projetos e programas é muito mais efetiva com a participação de pessoas com deficiência.
Neste link você pode encontrar o estudo de Mapas de viagens de clientes de Curitiba.
Referências
Blanck, Peter. Progressive ae, A importância futura do design universal. 19 de janeiro de 2016. https://www.progressiveae.com/importance-universal-design/ (último acesso: 10 de setembro de 2020).
IBGE. “Censo.” Brasília, 2010.
Ministério da Saúde. http://www.brasil.gov.br. 23 de 12 de 2017. http://www.brasil.gov.br/noticias/saude/2012/04/tipos-de-deficiencia.
URBS. “Câmara Municipal de Curitiba, URBS em números.” 2019. https://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/institucional/urbs-em-numeros.
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