A importante reforma da tributação das empresas nos Estados Unidos, que reduziu drasticamente as alíquotas de 35% para 21%, pretende aumentar o investimento, criar empregos, elevar os salários e estimular o crescimento do país[1]. No entanto, não há dúvida que a reforma também terá impactos globais, com prováveis repercussões na América Latina e no Caribe.
Os Estados Unidos são a maior economia do mundo e a maior fonte de investimento estrangeiro direto (IED) para a América Latina e o Caribe. Embora ainda seja cedo demais para saber exatamente como as empresas multinacionais americanas e suas filiais na região responderão à reforma, é bastante razoável pensar que elas possam reduzir tanto o IED como as receitas fiscais da região. Como consequência disso, os países da região talvez tenham que reexaminar sua política fiscal para compensar os efeitos negativos.
Antes de mais nada, um pouco de contexto. Os Estados Unidos utilizavam antes um sistema tributário universal, em que as empresas pagavam impostos sobre as receitas que obtinham no exterior, com isenções dos impostos pagos no país anfitrião. Como as empresas só pagavam impostos quando repatriavam o dinheiro aos Estados Unidos, criava-se um incentivo para manter as receitas no exterior.
Principais característiccas da reforma tributária nos Estados Unidos
No entanto, com a reforma recente, os Estados Unidos se uniram à clara maioria dos países da OCDE na adoção de um sistema territorial, em que as empresas americanas só pagam impostos sobre as receitas geradas dentro das fronteiras dos Estados Unidos. Isso, associado a uma redução considerável da alíquota do imposto para pessoa jurídica de 35% para 21%, torna mais atraente para as empresas americanas repatriar seu dinheiro. E, para deixar o pacote ainda mais sedutor, a reforma tributária inclui um imposto único muito favorável para repatriar os lucros acumulados no passado (15,5% para os lucros convertidos em espécie, 8% para os lucros reinvestidos nos negócios da empresa).
Como comparação, quando os Estados Unidos ofereceram uma redução dos impostos para repatriar recursos em 2005 no âmbito do Homeland Investment Act, foram repatriados cerca de USD 300 bilhões em lucros acumulados[2]. A esse quadro soma-se uma dedução imediata total dos custos de investimentos de capital nos Estados Unidos, outro elemento atraente para que as empresas americanas voltem ao país.
Claro que as empresas tomam decisões de investimento baseando-se em mais do que alíquotas de imposto. Elas também levam em conta os custos trabalhistas, a infraestrutura, o tamanho do mercado e a geografia, entre outros fatores. Na América Latina e no Caribe, por exemplo, os recursos naturais da região—o petróleo, a mineração e a agricultura— tornam difícil ou pouco atrativa para algumas empresas americanas a ideia de se transferir.
Possíveis impactos da reforma na América Latina
O futuro do IED em outros setores é menos seguro. As empresas maquiladoras provavelmente estão seguras porque já operam em zonas livres de impostos. No entanto, a situação poderia ser completamente diferente para os prestadores de serviços, de bancos a empresas de telecomunicações e empresas tecnológicas de operação digital, que poderiam decidir voltar aos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, continuar vendendo produtos na região. Também poderia ser diferente para algumas empresas do setor manufatureiro. Tudo isso requer uma análise adicional, setor por setor e país por país.
O que está claro é que há riscos potenciais para os países da América Latina e do Caribe e isso não se deve unicamente aos investimentos dos Estados Unidos. A redução da tributação das empresas nos Estados Unidos poderia incentivar outros países a transferir seus IED da região para os Estados Unidos. E uma das consequências poderia ser uma forte competição tributária, ou até uma guerra fiscal, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, em uma tentativa de continuar competitivos com os Estados Unidos. Isso também poderia oferecer um motivo para que os investidores estrangeiros voltassem a atenção para outros locais.
Uma questão chave tem a ver com as chamadas alíquotas efetivas do imposto das empresas. O imposto de pessoa jurídica nos Estados Unidos nunca foi tão alto como normalmente se imagina. Embora a alíquota corporativa obrigatória, ou a alíquota de tabela, fosse de 35%[3], a alíquota efetiva, ou a alíquota depois que créditos e deduções são levados em consideração, que é a mais importante, ficava em torno de 19%. Isso é mais ou menos equivalente ao Reino Unido, abaixo da Argentina (22,6%) e pouco acima do Brasil (17%), de acordo com o Congressional Budget Office.
Essa alíquota efetiva vai cair com a reforma tributária – embora os cálculos exatos de quanto ela será ainda não sejam conhecidos. E é com a nova alíquota efetiva que os países tentarão competir. É difícil prever que resultados terá esse cenário para a América Latina e o Caribe.
Impactos sobre as empresas multinacionais
Pode ser que empresas americanas e outras empresas multinacionais estrangeiras e suas filiais reduzam sua presença na região, diminuindo assim as receitas tributáveis. Pode ser que os governos da região – com a pressão de interesses comerciais – decidam que devem reduzir os impostos para as empresas a fim de continuarem competitivos. Se essas coisas ocorrerem, é bem possível que a receita tributária se reduza justamente em um momento em que os países têm um espaço fiscal para manobra consideravelmente menor que no passado recente.
Ao longo dos últimos quinze anos, aproximadamente, muitos países, sobretudo na América do Sul e México, aumentaram os impostos para empresas como uma maneira de introduzir sistemas mais progressivos. Se, agora, reduzirem esses impostos, podem ter que compensar com outras medidas. É possível que tenham que aumentar os impostos sobre o consumo (o IVA) e ampliar a base tributária, incluindo a eliminação de algumas brechas e isenções tributárias. Os governos, enquanto isso, podem ter que aumentar a fiscalização e auditoria tributárias para assegurar que as empresas não pratiquem transferência de lucros (a declaração de lucros obtidos no país anfitrião como tendo sido feitos nos Estados Unidos).
Os impostos de pessoa jurídica nunca foram uma grande fonte de receita para os governos da América Latina e do Caribe. Representam, em média, apenas cerca de 2% do PIB, bem menos que as contribuições à seguridade social ou os impostos sobre o consumo. É importante ter isso em conta. Mesmo assim, os governos da América Latina e Caribe podem ter que enfrentar a possibilidade de uma redução das receitas dessa fonte, ao lado de uma diminuição do IED e perdas associadas em transferência de tecnologia pela migração de empresas estrangeiras, à medida que os impactos potenciais da reforma tributária americana ganharem força.
[1] Esta publicação centra-se no corte permanente do imposto de renda de pessoa jurídica. No entanto, as reduções no imposto de renda de pessoa física da reforma tributária são muito importantes por um ponto de vista quantitativo, embora todas elas expirem ao final de 2025.
[2] O Joint Committee on Taxation estima que serão obtidos USD 324 bilhões em receita adicional devido às novas regras tributárias internacionais sobre repatriação de lucros.
[3] Esta alíquota aumenta para 39,1% – 35% da alíquota corporativa federal, mais uma média de 4,1% correspondente à alíquota corporativa estadual.
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