O Brasil está implementando uma série de reformas que visam conter as despesas públicas, gerar mais recursos para investimentos públicos, para torna-los mais eficientes e eficazes. Nessa entrevista, Pedro Jucá Maciel, Subsecretário de Planejamento e Estatísticas Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional, explica as medidas que o Brasil está tomando para melhorar a gestão do investimento público.
O Sr. Maciel foi um dos participantes do workshop “Investimento público descentralizado: intercambio sobre desafios de gestão e boas práticas”, que foi realizado na sede do Bando Interamericano de Desenvolvimento em Washington D.C. no final de novembro. O evento contou com a participação de especialistas internacionais e representantes de governos subnacionais do Brasil, Colômbia, Argentina e México.
Quais são as medidas que o Brasil está tomando para retomar o nível de investimento público no período pós-crise?
Está claro que o Brasil deve não apenas ampliar o nível de investimento, dado a escassez de infraestrutura que temos, mas também melhorar a sua qualidade. Há várias medidas que já foram implementadas e outras propostas que vão nessa direção. O primeiro passo é garantir o que chamamos de “condições de primeira ordem” para que o estado, como um todo, possa funcionar eficientemente. Refiro-me, especificamente em reestabelecer as condições de sustentabilidade fiscal das contas públicas de médio prazo. No Brasil, observa-se uma tendência clara de crescimento das despesas públicas como proporção da economia há pelo menos 20 anos. Esse comportamento foi combinado com a piora do perfil do gasto, cada vez mais concentrado em despesas correntes obrigatórias. Em momentos de menor dinamismo econômico, o investimento público se torna a variável de ajuste sujeita a cortes. Ou seja, o tipo de despesa que mais precisa de previsibilidade devido a sua complexidade de contratação e execução é justamente o que mais sofre flutuações. Esse diagnóstico é geral e pode ser observado em todos os níveis do setor público brasileiro, seja federal, estadual ou municipal.
A sustentabilidade das contas públicas passa necessariamente por um processo de reformas a serem implementadas pelo governo federal na área de contenção do crescimento da despesa pública, dado que o Brasil já tem uma carga tributária muito elevada se comparado a outros emergentes. Claro que temos muito o que melhorar em nosso sistema tributário em termos de eficiência e equidade, mas não há muito como expandir o seu tamanho sem causar distorções elevadas na economia. Outro fator importante a ser considerado é que o país não pode postergar os ajustes necessários por meio da elevação da dívida pública, pois já dispõe de um dos maiores níveis de endividamento público quando comparado com outros países emergentes.
Como estamos indicando a necessidade de equacionamento de crescimento de despesas obrigatórias, essa agenda é formada por reformas estruturais que dependem necessariamente de deliberação por parte do Congresso Nacional. São reformas polêmicas e que impactam grupos politicamente muito organizados. Envolve discussões desde a reforma da previdência, revisão dos programas de subsídios, aumento da focalização dos programas sociais ou até mesmo redesenho das políticas de gastos tributários. Temos feito um grande esforço em tornar claro o tamanho do problema e as possiblidades de seu equacionamento para que a sociedade, por meio dos seus representantes, possa tomar a decisão.
Outras medidas importantes para elevar a qualidade dos investimentos públicos se relacionam com melhorias institucionais como a revisão do processo orçamentário, reformas administrativas no setor público, assim como o desenvolvimento de um arcabouço regulatório específico para gestão dos investimentos públicos.
Quais são as medidas que o país está tomando para melhorar a gestão do investimento público?
O Brasil deve reforçar o marco regulatório atual ao adotar boas práticas já verificadas em outros países. Existe a iniciativa da nova lei de finanças públicas que terá um capítulo específico para a melhor gestão dos investimentos públicos. Um estudo recente do FMI, juntamente com o Banco Mundial e o BID, avaliou a qualidade do investimento público no Brasil. Foi estimado que o Brasil tem uma ineficiência em torno de 40% desse indicador de qualidade. Ou seja, poderíamos ter um resultado muito melhor com o mesmo montante de dinheiro que temos aplicado. Para isso, a gente precisa estabelecer uma série de mecanismos de avaliação e seleção, de monitoramento de execução de investimento e avaliação ex-post atrelada ao processo orçamentário para que essa gestão do investimento público seja mais transparente e eficiente.
A nova lei de finanças públicas, que está em discussão no Congresso Nacional, prevê a criação de um banco de projetos. Qual é o principal ganho desse banco de projetos? Para que um projeto conste no orçamento, ele deve estar no banco de projetos e, para ingressar no banco de projetos, o ministério setorial tem que demonstrar tecnicamente os custos e a viabilidade daquele projeto. O banco de projetos, alinhado a um novo sistema nacional de investimentos, poderá gerar ganhos por meio do maior rigor técnico para a seleção de projetos, estabelecer melhores critérios de priorização e definição clara de um sistema de avaliação. Em suma, o que se pretende é que os projetos não tenham sua execução iniciada sem antes terem sido bem discutidos e desenhados para evitar interrupções desnecessárias por questões técnicas, o que é muito comum acontecer no Brasil.
Outro importante ponto que devemos aprimorar é justamente a seleção de projetos e definição de prioridades. Há uma iniciativa em discussão no Governo Federal de estabelecimento de um normativo para o estabelecimento de critérios de seleção para projetos de investimento. Ao você fazer uma boa seleção de projetos de investimento com base nas suas prioridades, compatibilizado com uma avaliação do espaço fiscal disponível, o setor público evita paralizações nas obras por falta de recursos. Ou seja, deve-se fortalecer tanto os mecanismos de planejamento fiscal para aprimorar a capacidade dos governos em avaliar suas disponibilidades de médio prazo, como também o estabelecimento de uma carteira de projetos prioritárias.
Quais são as restrições e oportunidades para implementar essas reformas?
Há medidas em estudo no âmbito do executivo sobre a gestão dos investimentos, como, por exemplo a definição dos critérios de seleção dos projetos. Outras mudanças mais amplas em nosso arcabouço institucional precisam ser discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional. O desafio é justamente inserir o tema no debate público para que consigamos avançar. Como o espaço fiscal para realizações de despesas está cada vez mais reduzido, haverá necessariamente uma pressão social saudável para uma melhor aplicação dos recursos. Há indicativos que a forma de como executamos investimentos no país tem pouca efetividade e pode ser melhorada. Poderemos gerar avanços significativos nessa agenda por meio de mudanças gerenciais no âmbito do setor público.
Como você vê o papel dos estados nesse processo de retomada de investimento público?
Os entes subnacionais têm um papel muito significativo na execução dos investimentos públicos, seja com recursos próprios, seja por meio de transferências. Assim como governo federal tem que adotar medidas para reequilibrar suas contas, os estados também precisam fazer um processo de readequação de suas despensas com uma carga tributária que não poder crescer muito além do que já está aí. Isso passa por reformas estruturais semelhantes às que o governo federal têm proposto, em especial sobre as despesas com pessoal, tanto ativos como inativos e pensionistas. Apenas com o reequilíbrio do crescimento das despesas obrigatórias os governos estaduais terão condições de ampliar o espaço fiscal para fazer os investimentos.
Além disso, a exemplo de boas práticas observadas no Chile, Argentina, México e Colômbia, vários estados também podem aprimorar, por conta própria, seus processos de gerenciamento de projetos, trazendo maior critério técnico sobre a seleção desses projetos, assim como o monitoramento da execução e avaliação. Com mais espaço fiscal para investir e maior governança conseguiremos resolver um gargalo para o desenvolvimento do país, que é a falta de infraestrutura, juntamente com o nobre objetivo de dar um maior retorno à sociedade do dinheiro público.
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